SEMANA SANTA em OURO PRETO (MG): Dia 1 – Sexta-Feira das Dores: O Depósito de Nossa Senhora das Dores

Em Ouro Preto, o destaque dado ao drama da Paixão, morte e ressurreição de Cristo é acompanhado por uma ampla mobilização dos moradores para a representação desses eventos, encenações, cânticos e procissões.

A circunstancia de Ouro Preto ter duas Matrizes e de que em ambas duas existam imagens da Virgem de Nossa Senhora das Dores, uma das protagonistas principais da Semana Santa, pode prestar a confusão. A cada ano, porém, será apenas uma delas que será levada para fora da igreja, em procissão.

E noite de Sexta-Feira … a Sexta-Feira das Dores … o dia que o Depósito de Nossa Senhora das Dores na Igreja Mercês de Cima marca o inicio da Semana Santa Ouropretana.

Sexta-Feira das Dores


Sexta-Feira das Dores, inicio da Semana Santa

A Semana Santa em Ouro Preto se caracteriza por uma sucessão de procissões que colocam em destaque as imagens religiosas. A representação da via crúcis em Ouro Preto tem como protagonistas as imagens do Senhor dos Passos e de Nossa Senhora das Dores (ambas alvo de grande devoção local) e complementados por diferentes personagens bíblicos, que são apresentados em algumas procissões.

Tratam-se de três cortejos consecutivos, realizados na sexta-feira, no sábado e no domingo que antecedem a páscoa. Juntos, eles delineiam o início da festa através de um sequência organizada em duas etapas principais: na primeira etapa, sexta-feira e sábado, cada uma das imagens é levada para uma igreja da paróquia vizinha, num movimento que faz com que as procissões desses dias sejam reconhecidas como os “Depósitos” de Nossa Senhora das Dores e do Senhor dos Passos, respectivamente. Ou seja que os dias iniciais da Semana Santa são caracterizados pela separação das imagens de suas “casas” habituais, indo para visitar uma igreja pertencente a outra Matriz vizinha.

Na etapa seguinte, no domingo, realizam-se as posições de “retorno” das imagens, que chegam ao centro da cidade, cada uma em um cortejo próprio. Ali as duas se reúnem na Praça Tiradentes, realizando o “Encontro” entre mãe e filho, evento que é considerado pelos moradores como o sucesso mais aguardado da festa. Depois de reunidas, as duas imagens seguem juntas em uma única procissão, encerrando o primeiro momento da Semana Santa.

Embora as duas paróquias possuam imagens que são utilizadas nas procissões da Semana Santa, é preciso ressaltar que apenas no Pilar é que se encontra uma imagem do Senhor dos Passos. Já as Nossas Senhoras das Dores estão presentes em ambas as matrizes. Além disso, o lugar em que as imagens permanecem também é distinto. No Pilar, elas seguem expostas na matriz ao longo do ano, podendo ser vistas por fiéis e turistas. No Antônio Dias, por sua vez, a imagem fica guardada na maior parte do tempo na sacristia de Igreja de Nossa Senhora das Dores do Calvário, permanecendo fora do contato humano.

As Zeladoras


Para que ocorram as saídas processionais são necessários dois modos de preparação que envolvem um sim fim de tarefas nos preparativos prévios à posição. Existe por um lado o trabalho das zeladoras e seus auxiliares para fazer o enfeite e a montagem dos santos nos andores. Por outro lado, existem todos os preparativos que envolvem o ritual formalizado na procissão, coordenado pelos sacerdotes locais e pelas irmandades religiosas.

Tradicionalmente, a Semana Santa é celebrada de forma alternada: nos anos pares, a Paróquia de Nossa Senhora do Pilar fica encarregada de organizar as celebrações; nos anos ímpares, essa função fica a cargo da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, do Antônio Dias. A cada ano, porém, será apenas uma delas que será levada para fora da igreja, em procissão.

Nos anos impares, onde a coordenação e responsabilidade da organização corre por conta da Matriz de Antônio Dias, a preparação de Nossa Senhora das Dores para a procissão do Depósito acontece na sacristia da Igreja de Nossa Senhora das Dores o bairro de Antônio Dias, em presencia das zeladoras e membros de diferentes Irmandades.

Igreja de Nossa Senhora das Dores o bairro de Antônio Dias

O trabalho se realiza com a ajuda de uma equipe composta por membros da Ordem Terceira de Nossa Senhora das Dores. Ao todo, são cinco pessoas que ficam encarregadas da troca de roupa da imagem e de sua colocação sobre o andor. Aos que ficam do lado de fora, isto é, que não são autorizados a acompanhar a sua preparação, restam apenas as especulações e a expectativa por ver a Virgem pronta para a procissão.

O trabalho das zeladoras desempenha um papel central na produção das imagens que serão as protagonistas dos rituais de Semana Santa. Além da troca e do cuidado com as roupas, as zeladoras se responsabilizam pela limpeza das imagens, pelos seus cabelos e demais itens que as compõem.

No caso de Nossa Senhora das Dores, as perucas que ela utiliza permanecem dentro de um guarda roupa específico na casa de uma das zeladoras. Colocadas próximas a uma caixinha tratada com um zelo especial, na qual a zeladora guarda os lenços de pano que são postos nas mãos de Nossa Senhora das Dores. É, ainda, nesse mesmo espaço em que ela guarda diferentes enfeites de flores e vasos que serão usados nos andores que carregam aquela imagem, assim como também a anágua que se veste sob a túnica de Nossa Senhora.

Nos anos pares, onde a coordenação e responsabilidade da organização corre por conta da Matriz do Pilar, a imagem de Nossa Senhora das Dores encontra-se no altar lateral mais próximo ao arco-cruzeiro, por tanto a preparação para a procissão acontece na própria nave da basílica.

Nossa Senhora das Dores da Matriz do Pilar, pronta sobre o andor

Ao respeito às interdições de acesso ao corpo “desnudo” da imagem uma das zeladoras aclara: “é importante ressaltar que, nessa parte de vestir, têm as roupas de baixo, as combinações, as camisolas … As mulheres que cuidam disso. A gente arruma tudo, os homens, na parte final, nos ajustes finais, até na ajuda de colocar a capa e montar no andor”.

As roupas “de cima” se classifica três grupos principais de vestimentas da santa: as roupas antigas (ou “oficiais”) para as procissões, as roupas de permanecer na igreja fora da época de festa e, ainda, aquelas doadas por um devoto ou alguém que fez uma promessa. Esta última não tem o mesmo peso que as “tradicionais”, às quais se atribui quase o mesmo tempo de existência que as próprias imagens, sendo a maioria delas bordada com fios de ouro. Por sua vez, a roupa doada pelos devotos, embora tenha o seu valor reconhecido, é utilizada apenas de modo a não ofender o doador e sua família, podendo ser usada sobre uma imagem que não sai em procissão, ou ainda, em um evento secundário em relação à Semana Santa.

Os Rostos das Virgens


Entre os moradores de Ouro Preto, é comum ouvir comentários qualificando esta ou aquela imagem. O ponto comum dessas falas refere-se às diferentes expressões faciais de cada uma delas.

Acredita-se que a do Pilar, por exemplo, teria sido feita para permanecer no altar (fato que se confirma na prática, ao longo do ano na matriz), enquanto a do Antônio Dias teria sido produzida para sair em procissão (novamente, lembremos que essa imagem fica guardada na maior parte do ano, fora do contato com os fiéis e turistas). Seus rostos corresponderiam a momentos distintos da narrativa cristã mobilizada na Semana Santa. A do Pilar (foto esquerda) comporia a cena final da morte do seu filho, daí o seu olhar cabisbaixo e resignado, enquanto a do Antônio Dias (foto direita), pelo seu olhar de espanto, representaria o momento do choque inicial produzido pelo encontro com o filho carregando a cruz e sendo agredido publicamente.

Diferentes uma da outra, a força estética das imagens sugere, no meio popular, interpretações diversas do belo e do feio, do triste e do alegre. A imagem do Pilar é exemplo de uma dor contida, predominando uma delicadeza sobre sua força e a doçura sobre o drama. A imagem do Antônio Dias é expressão de uma dor compulsiva e forte, fortalecida por um choro acentuado e pela boca entreaberta.

Na verdade, em Ouro Preto, a distinção das características dessa ou daquela santa correspondem a um tipo valorização mantida pelos membros de cada uma das paróquias onde cada um assegura ser a melhor para presidir as celebrações no Encontro ou do Enterro. Por outra parte cabe levar em conta que o Encontro acontece no início da Semana Santa, quando a maior concentração de pessoas envolvidas nas cerimônias públicas e nas procissões é de moradores locais. Já o Enterro, celebrado na sexta-feira da paixão, é feriado, com a presencia de muitos turistas, jornalistas, fotógrafos, etc

Embora essa distinção não seja absoluta, nota-se que ela se reproduz em outras cidades patrimonializadas como Ouro Preto. Em Tiradentes (MG) e em Goiás Velho (GO), por exemplo, os moradores também reconhecem nas procissões que marcam o início da Semana Santa uma maior formalidade, associada às tradições locais.

Em Ouro Preto, essa distinção entre os diferentes momentos da festa é acompanhada pelo fato de que cada Nossa Senhora das Dores representa uma paróquia específica e que elas  alternam-se entre os anos pares (Pilar) e anos ímpares (Antônio Dias). Além de estas opiniões por parte de cada freguesia que só parecem incentivar a rivalidade entre elas, todos coincidem em que as duas imagens se distinguem entre si, mas ambas se relacionam com o Cristo da mesma forma.

O depósito de Nossa Senhora das Dores


Imagem de Antônio Dias

A finalização do Setenário das Dores terá como uma de suas marcas fundamentais a saída das imagens de suas igrejas, de suas “casas” habituais. Quando a Nossa Senhora das Dores aparece nas ruas, podendo ser vista pelos fiéis que acompanharam as cerimônias do Setenário, bem como pelos moradores que não mantêm nenhum tipo de atividade religiosa duradoura, sabe-se que um tempo específico está começando: a Semana Santa começa.

Com o encerramento do Setenário, quando se celebra a última das sete dores de Nossa Senhora e quanto há o maior número de pessoas presente até então, o sacerdote da paróquia que sedia a festa direciona-se à imagem que saíra em procissão e passa a interagir com ela.

Depois do cântico, os sinos da capela começam a tocar e, então, o andor é carregado para o lado de fora pelos Irmãos da associação religiosa que passa a cuidar da imagem durante o seu trajeto. E uma vez que a imagem está na rua, observa-se a rápida movimentação de membros da paróquia, geralmente homens, oferecendo-se para carregar seu andor.

Imagem do Pilar

Nos anos pares (Pilar), após o encerramento do Setenário das Dores, a procissão parte desde a Matriz do Pilar com a imagem de Nossa Senhora das Dores para a igreja de Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia (Mercês de cima).

A procissão tem em sua dianteira um homem carregando uma cruz de madeira (que tem um tecido branco pendurado, de modo a remeter à letra M, (de Maria), que é seguido por duas filas paralelas de moradores (homens e mulheres de diferentes faixas etárias) que carregam velas. No meio interior delas, seguem-se os coroinhas, os seminaristas, os padres, os membros da Ordem Terceira das Mercês e Misericórdia, os ministros da eucaristia e os fiéis com a imagem de Nossa Senhora das Dores. Ela fica, assim, na parte mais próxima ao final da procissão, onde há uma concentração de pessoas e, logo em seguida, a banda de música, que encerra o cortejo.

Nos anos ímpares (Antônio Dias), a cerimonia começa as 19 hs na igreja de Nossa Senhora das Dores e Calvario. Encerrando o último dia do Setenário das Dores, após o qual a imagem da Virgem Dolorosa será conduzida em procissão até a igreja de Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia (Mercês de cima).

A procissão do Deposito de Nossa Senhora das Dores chegando á Igreja Mercês de Cima

Os membros das Irmandades que abrem as cerimônias de cada paróquia se identificam de uma forma específica: no Antônio Dias, eles se vestem com uma túnica toda negra, e trazem no peito o bordado de um coração atravessado por 7 adagas. Já no Pilar, a roupa limita-se a uma opa de cor roxa. Seja pelo coração ou pela cor, ambos escolhem elementos para se relacionarem à iconografia própria da santa, vinculando-se a ela através de suas vestes.

Nesse trajeto, assim que imagem das Dores cruza a praça Tiradentes, no centro da cidade, os sinos da igreja de destino já começam a tocar, anunciando a sua aproximação. A imagem segue carregada por diferentes pessoas até o momento de entrar nessa última igreja, quando são os irmãos da Ordem Terceira dali que se encarregam de colocar a Nossa Senhora das Dores para dentro. A cada igreja corresponde uma ou mais irmandades que se fazem presentes, assim, nas procissões que partem ou chegam aos seus espaços de reunião.

No momento de chegada da imagem a igreja já está repleta de gente. E tão logo o andor seja colocado no altar, dá-se início ao canto do Inflammatus. Específico dessa época, ele é um dos mais aguardados pelos moradores em função do tom muito agudo (quase como um grito de dor) que o início da música possui, tornando-se um desafio de afinação para a solista que se dispõe a cantá-lo.

O Depósito, desse modo, acaba por completar e finalizar todo o processo de preparação (e posicionamento) para a sua posterior atuação nas cenas da via-crúcis. A imagem de Nossa Senhora das Dores permanecerá, sobre o andor, até o próximo domingo, quando ocorre o Encontro com seu filho.

 

fonte:

  • O Teatro da Religião: A Semana Santa em Ouro Preto vista através de seus personagens – Edilson Sandro Pereira (1)
  • As dores de Maria reatualizadas na Festa de Passos, em Pirenópolis, Goiás – Lucas Pedro do Nascimento, Marcos Vinicius Ribeiro dos Santos, Maria Idelma Vieira D’Abadia (2)
  • https://pilarouropreto.com.br/artigos/o-que-e-o-setenario-das-dores-de-maria/
  • http://portal.iphan.gov.br/
  • Crédito da foto: Maic Costa/Mais Minas

 

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