LOS LAURELES: No bairro de Barracas, longe do circuito turístico, acontece aqui a verdadeira expressão do tango argentino

O bairro de Barracas nunca esteve realmente no circuito turístico, mas aos poucos começa a despertar interesse, seja pela passaje Lenin onde suas casas foram intervindas pelo artista plástico Marino Santa María, pelo outro Bar Notável do bairro La Flor de Barraca, seja pelo Sportivo Pereyra, um dos clubes históricos de Barracas que está na rua Alvarado 2785 e a presencia do Sportivo Barracas, na avenida Iriarte y Vieytes.

A poucas quadras dali, na esquina da Avenida Iriarte com a rua Gonçalves Dias, está o bar Los Laureles fundado em um casarão de 1893 que  não figura encontrará em muitas guias, já que fica fora do roteiro turístico.

Às quintas-feiras a casa sedia a milonga Rumbo al Sur, todas as sextas-feiras acontece a Peña de Cantores e, aos sábados, a chamada Milonguita Empastada, que só toca discos de vinil.

A origem do Tango no Bairro de Barracas


No final do século 19, uma epidemia catastrófica de febre amarela assolou a cidade de Buenos Aires e matou quase 15.000 moradores em poucos meses durante 1871. O sul da capital argentina, um dos principais focos, devido às condições da superlotação em que viviam os imigrantes ali assentados, era abandonada pelas famílias mais ricas e ficou habitada pelos mais humildes, muitos italianos e espanhóis, que trabalhavam nos saladeros, curtumes e fábricas da região.

Nessa transição, o sul ganhou fama de área perigosa, em parte justificada, mas com muita estigmatização da pobreza e da origem (estrangeira) de seus habitantes. Nas histórias de Borges, costuma ser o lugar onde os personagens encontram a morte.

Neste ambiente proletário e multicultural, onde a cidade começava a se dissolver e confundir com o campo desolado e onde os crioulos se misturaram com imigrantes europeus, aqui nasceu o tango argentino.

Herança dos marginais (orilleros do sul), o tango se preserva melhor nesta área do que em outras partes da cidade. San Telmo e La Boca são engrenagens de um circuito comercial de turismo bem azeitado, do qual a maioria dos turistas não consegue escapar. Para conhecer um tango menos complicado e mais parecido com o de suas origens populares, é preciso se aventurar um pouco mais em bairros como Barracas.

Los Laureles

Av Gral. Iriarte 2300, Barracas


A idade do bar fica evidente nos tetos altos, na porta e nas janelas de madeira, nos seus autênticos azulejos calcários, aqueles que substituíram os soalhos de madeira depois de terem sido arruinados por uma inundação do vizinho rio do Riachuelo. Isso foi dois anos após a inauguração, quando a pulpería passou a ser armazém geral e despacho de bebidas. O local ainda era conhecido como “Almacén Valdéz”. Mas esse nome teve vida curta.

Bar Notável Los Laureles, bairro Barracas

A história diz que foi inaugurado em 11 de outubro de 1893, na esquina da Avenida Iriarte com a Gonçalves Díaz, embora nos cadastros antigos essas ruas apareçam como Avenida Presidente e Santa Adelaida. Naquela época, Barracas era território de carroceiros, cuarteadores e troperos que competiam com leiteiros itinerantes e até mesmo com algum artesão “tano” (italiano) que oferecia grandes sapatos de madeira, especiais para andar na lama. Em meio a esse mundo de trabalho árduo também estavam os compadritos, payadores, músicos e tocadores de órgão que “amassavam” uma outra argila: a do tango. Entre eles estava Angel Villoldo. Alguns anos depois, outros viriam a segui-los e seus nomes se tornariam famosos: Eduardo Arolas, Anselmo Aieta, Juan Carlos Cobián, Enrique Cadícamo e Angel Vargas.

Durante o século passado, alguns dos maiores nomes do mundo do tango passaram muitas horas tocando e dançando tango no icônico bar da esquina em Barracas, um bairro no sul da BA

No bairro vizinho de Pompeya, o Bar El Chino foi fundado há mais de 70 anos, estrela de vários documentários e cenário de um filme que leva o seu nome. Lá, músicos e cantores profissionais se alternavam no palco com entusiastas aficionados dispostos a mostrar sua arte. As pessoas iam dançar, se apresentar ou apenas assistir e ouvir. Depois de vários fechamentos e reaberturas, atualmente permanece fechado, mas seu espírito sem dúvida transmigrou para Los Laureles.

Quando o Bar El Chino fechou suas portas definitivamente em 2007, os peregrinos daqueles rituais do tango em Pompeya se sentiram desamparados. As cerimônias inesquecíveis durante os anos noventa naquele reduto do tango tiveram inconscientemente para a nova cena indie do gênero o impacto e a importância que La Cueva teve para o rock dos anos sessenta. Com El Chino Garcés (falecido em agosto de 2001), como alma mater e anfitrião, o espaço abraçou várias gerações, os velhos tangueros e os jovens do rock, e os uniu no mesmo sentimento. “Isto é real, como acontecia antes, viu? … aqui não tem microfone, aqui não tem palco, aqui você tem que cantar ou cantar”, disse El Chino, em um dos muitos documentários em torno de sua figura magnética, para mostrar o espírito suburbano e ancestral desses redutos, onde o tango nasceu.

O bar Los Laureles, de 1893, localizado em Barracas al Sur (Iriarte 2290), continua de alguma forma com aquele bairro místico de El Chino. Sua proprietária, Doris Bennan, frequentava regularmente aquele bar e quase instintivamente procurou recriar essa atmosfera em sua própria caverna de tango em outro bairro que também tem uma lenda vinculada ao tango: Barracas. “A primeira vez que me ofereceram o bar Los Laureles, pensei naquelas noites no bar Chino ou Carlitos, onde a gente sabia ir e já não existem mais. De alguma forma, esses lugares foram os mentores deste projeto. Toda vez que alguém entrava em Los Laureles falava que tinha algo do bar El Chino. Embora não seja a mesma coisa, acho que tem o mesmo sentimento, o espírito, aquela coisa do bar da esquina, onde o tango surge espontaneamente”, diz a proprietária, Doris Bennan.

“Los Laureles é um representante daqueles lugares que desapareceram e se transformaram em espaços culturais do tango, onde se geram a criação e o movimento do tango. Por isso, quando conheci Julio César, que cantava no El Chino, nos ocorreu que Seria bom reviver essa mística e expressar o que fazem, porque cantam com o coração e de forma simples. Queria que Los Laureles fosse um lugar como este, onde quer que seja como cantar tango em uma casa. Como era antes, como em todos os bairros. ”

Houve um tempo em que o local não era qualificado para ter cantores ao vivo. Então Doris Bennan (alma mater da pista de boliche) inventou a “milonga virtual”: a cantora e os guitarristas se acomodavam no pátio atrás do local, uma pequena câmera capturava suas imagens e suas vozes e as pessoas os viam em uma tela que ainda está dentro, pendurada na prateleira atrás do bar. Dizem que foi muito engraçado porque muitas vezes o público ficava atrás dos bastidores dos artistas. Mas isso foi celebrado por sua espontaneidade. Isso é passado, mas foi um sucesso e dizem que ainda vem gente perguntando sobre o boliche virtual da milonga.

Peña de Cantores


O termo “Peña” é muito comum em Argentina, refere-se aquele lugar onde acontece uma reunião de amigos ou camaradas. Existem peñas de tango, de folclore e ate de futebol.

No bar Los Laureles todas as sextas-feiras acontece a Peña de Cantores, onde você vai, se inscreve e canta as canções acompanhadas por bons “escoberos” (vendedor de bassoura), como Gardel chamava os violonistas.

Quem quiser pode inscrever-se para cantar. É preciso dizer que aqueles que o fazem são surpreendentemente bons: ninguém pega o microfone para fazer um tolo ou uma graça de bêbado para seus amigos.

De repente, uma senhora é convocada a cantar e todos fazem silêncio. Nem os garçons se movem. Tudo fica em suspenso. A velinha agarra o microfone e deleita a toda a plateia. Inés Arce é uma das intérpretes mais amadas por ali. Conhecida como La Calandria, nasceu em 1927 e está completando noventa e quatro anos.

Muitos dos que tocam aqui fizeram fama no extinto bar El Chino, não bairro de Pompeya, uma história que foi contada no filme “El último aplauso”, de Germán Kral, em que participa Inés.

No intervalo dos shows, os clientes agradecidos se aproximam para deixar uns pesos no chapéu dos músicos. Doris Bennan, a dona, resume o espírito de Los Laureles: “Economicamente, não cobramos entrada, os clientes não tem a obrigação de consumir, é um espaço aberto e cada um pode vir à sua maneira, tudo isso se transmite na forma como dançam, na música o no que acontece”.

 Milonga


Ao anoitecer este bodegón milonguero se transforma, de vulgar esquina porteña para um templo do tango. Los Laureles é um dos poucos bares tradicionais de Barracas que sobreviveu, e o único em toda a cidade que mantém viva a tradição de abrir suas portas a intérpretes aficionados.

O bar-restaurante abre às quintas, sextas e sábados à noite. A noite começa com uma aula de tango e depois do jantar, as mesas e cadeiras são colocadas de lado para dar lugar a um palco improvisado, em cima do mesmo piso de cerâmica xadrez de quando o bar foi aberto pela primeira vez. Vários cantores e músicos de tango vêm se apresentar no microfone aberto. Os dançarinos também aparecem para dançar junto com a música ao vivo.

Essa é outra faceta do bar. Você não só ouve bons cantores ao vivo, o povo também vai milonguear (dançar tango)

Neste momento em que os circuitos de tango estão fechando devido à crise, este lugar ganha um significado especial por ser um lugar aberto com características inclusivas para todos os amantes do tango longe das “cena-show” para turistas … aqui o tango é raiz.

Embora tenha recebido a distinção de Bar Notável, Los Laureles ainda é uma milonga de bairro onde os amantes do 2 × 4 se reúnem em um lugar tradicional e descontraído, onde a proprietária, Doris, vai de mesa em mesa cumprimentando todos os frequentadores.

Um bar de bairro, com tangueiros da velha guarda e poucos turistas à vista

 

Aos sábados acontece a “Milongas Empastada”, organizada por  Soledad Nanni, também professora de dança, onde o fundo musical conta  o acompanhamento de mais de mil discos de vinil que os donos herdaram do acervo dos musicalizadores Hernándezes (antigos operadores e músicos da Rádio Nacional).

Doris Bennan, psicóloga social e dona do lugar, participa do documental “En una esquina de Barracas”, de Liliana Furió. A peça documental conta como uma mulher conseguiu entrar no ambiente e gerenciar um espaço cultural de tango, e compõe anedotas junto a um repertório ao vivo de tangos característico deste bodegón milonguero de 1893.

O cardápio oferece a característica comida de bodegón, ou seja, a combinação das tradições culinárias espanhola, italiana e crioula que provavelmente também se originaram nos subúrbios ao sul de Buenos Aires. Os pratos: pastas, carnes assadas, polenta, são ricos, abundantes e selam uma experiência agradável para todos os sentidos. O preço da noite, sempre dependendo do que se pede, não costuma ultrapassar os 10 euros por pessoa.

O salão fica lotado a partir das 23h todos os fins de semana, então considere reservar ou chegar mais cedo. Também se aconselha chegar e sair de táxi, pois o bairro não é muito recomendado para andar de noite.

 

fonte:

  • https://parabuenosaires.com/los-laureles-el-bar-del-barrio-de-barracas-que-cumplio-120-anos/#.YNU-puhKjcc
  • https://elviajero.elpais.com/elviajero/2015/04/27/actualidad/1430132436_537056.html
  • https://www.clarin.com/ciudades/bar-duerme-laureles_0_H1rPcAbsDXx.html
  • https://www.lanacion.com.ar/espectaculos/el-nuevo-circuito-del-tango-en-barracas-al-sur-paredon-y-despues-nid1528955/

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