OURO PRETO (MG): Igreja de São Francisco de Paula – Parte I: A última igreja a ser construída no período colonial

A irmandade de São Francisco de Paula teve passo pelas duas matrizes da ciudade de Ouro Preto. Nasceu na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias e logo depois pela Matriz do Pilar, ate  1782, em que os “homens pardos nobres” terceiros mínimos de Vila Rica obtiveram uma patente desde Portugal para erigir seu próprio templo.

Erguida no Morro da Piedade, foi a última igreja a ser construída na cidade.

O Ciclo do Ouro


Durante o período de mineração em Minas Gerais, Portugal exercia forte fiscalização para evitar o contrabando do ouro. Uma das medidas tomada foi à proibição da implantação das ordens primeiras nas cidades, permitindo somente o estabelecimento das ordens terceiras e irmandades. As primeiras irmandades fundadas em Minas Gerais – Santíssimo Sacramento, Nossa Senhora da Conceição e Santas Almas – foram fundadas anteriores ao ano de 1713, autorizadas pela coroa portuguesa.

Com o aumento do número de pardos na sociedade, novas irmandades foram introduzidas, como a Terceira de São Francisco de Paula, que desde 1749 havia referência de igrejas destinadas a este Santo.

A divulgação da existência de ouro na fronteira limite de São Paulo e Minas Gerais acabou um litígio entre as capitanias de Minas Gerais e São Paulo pela posse das terras localizadas à margem esquerda do Rio Sapucaí. O padre João Bernardo da Costa Estrada toma posse dessas duas paróquias em nome do Bispado de Mariana, da Capitania de Minas Gerais. Ambas as dois foram criadas em 1746 e 1749, respectivamente, outras fontes afirmam a cargo do Bispado de São Paulo.

  • A Paróquia de Senhora Sant’ana, na antiga Sant’ana do Sapucaí (hoje Silvianópolis – MG)
  • A capela dedicada a São Francisco de Paula (hoje Ouro Fino – MG)

A capela de Ouro Fino deu origem ao arraial fundado por volta de 1748 em torno à construção da primeira capela na região dedicada a São Francisco de Paula, dando ao povoado o mesmo nome: São Francisco de Paula de Ouro Fino. A bandeira da cidade, ao lado das bateias de ouro, leva o lema do santo padroeiro: CHARITAS.

Do alto da ladeira que leva à Igreja de São Francisco de Paula, tem-se uma vista espetacular para Ouro Preto, assim como do adro que a cerca

Além do controle na exploração do ouro, um dos objetivos que motivava a Coroa a fornecer aprovação para a implantação das ordens terceiras e confrarias era a calculada e premeditada opção de  transferir para a população; mineradores, comerciantes e escravos a tão dispendiosa responsabilidade de construir os grandes templos e cemitérios.

Depois da aprovação da Coroa para a instalação da ordem, esta ficava subordinada a prestar contas e solicitar autorização para construções de templos, mudanças estruturais e ornamentais.

A Ordem Terceira de São Francisco de Paula de Vila Rica


A necessidade de controlar a produção de um território rico em ouro, cuja exploração remontava ao final do século XVII levou à criação da “Capitania de São Paulo e Minas do Ouro“. Alguns dos primitivos arraiais foram transformados em vilas, sendo que a de Minas do Ouro foi oficialmente confirmada como ”Villa Rica“, por decreto real de 15 de dezembro de 1712. Devido à sua crescente importância, Minas Gerais foi declarada capitania independente, em 1720, e Vila Rica tornou-se sua capital.

Por estar localizada no alto de um morro e cercada de verde, a igreja parece estar isolada de toda a cidade.

Com certeza, entre 1769 e 1782, existiam terceiros mínimos em Vila Rica, mas ainda não havia uma ordem terceira. O culto a São Francisco de Paula foi introduzido em Minas, por volta de 1780, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, quando se criou a irmandade na Matriz.

A história da confraria remonta-se à década de 1760, quando o coadjutor da Matriz de Antônio Dias, Tomás Machado de Miranda, requereu uma patente de comissão ao Real Convento de São Francisco de Paula da Cidade de Lisboa.

Ela é a mais alta de Ouro Preto e pode ser vista de vários pontos, sempre configurando uma paisagem digna de um cartão postal

Em Ouro Preto a irmandade de São Francisco de Paula foi fundada na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias em 15 de fevereiro de 1780, houve a primeira reunião dos irmãos. Tinha como característica o fato de ser uma irmandade sem distinção racial. Do assentamento de recibo de irmãos do período 1783 – 1814, constam esmolas de “crioulas forras”, “crioulo escravo”, “parda forra”, “preta forra” e “branco”, sendo que a grande maioria dos participantes eram mulheres.

Na espera de resposta Real, os fies da irmandade foi transferida para a Capela da Ordem Terceira do Carmo, na freguesia do Pilar. A Matriz de Nossa Senhora do Pilar possui uma tela que retrata o santo, fato que corrobora a afirmação de que São Francisco de Paula era cultuado em Ouro Preto.

Em 1769, o provincial do referido convento concedeu ao padre coadjutor o título de comissário da ordem em Vila Rica, permitindo-lhe receber, professar e unir à ordem terceira do convento de Lisboa os devotos de São Francisco de Paula da região.

Somente treze anos depois, os “homens pardos nobres” terceiros mínimos de Vila Rica obtiveram uma patente desde Portugal para erigir seu próprio templo. Estabelecida a ordem, o padre coadjutor Tomás Machado de Miranda permaneceu como diretor espiritual (comissário), cargo que ocupou até fins do século XVIII.

Durante pesquisa realizada no Arquivo da Paróquia do Pilar, no fundo relativo à Ordem Terceira de São Francisco de Paula, localizou-se documento que se apresenta como listagem de entrada de membros na agremiação denominada Cordão de São Francisco. A maior parte dos nomes escritos vem acompanhada da qualidade “negro” ou “criolo”. Vale lembrar que, na vasta bibliografia lida até então, não houve menção à existência de uma agremiação que se apresentava como devota do Cordão de São Francisco de Paula.

Por essa razão, torna-se possível pensar que: ou o documento indica a existência de uma nova associação religiosa de leigos denominada Cordão de São Francisco de Paula ou, o mais plausível, que a documentação refere-se à agremiação do Cordão de São Francisco da Penitência, que se reunia na Igreja de São José, em Ouro Preto. Possivelmente, a equipe do arquivo, por desconhecer que o Cordão ocupava o altar lateral na Irmandade de São José, acondicionou o documento desta agremiação no fundo referente à Ordem Terceira de São Francisco de Paula.

Igreja de São Francisco de Paula


A congregação dos fiéis de São Francisco de Paula foi criada na Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias em 1780 e vinte anos mais tarde, já promovida à irmandade de Ordem Terceira, instalou-se na ermida de Nossa Senhora da Piedade, doada à ordem.

Erguida no Morro da Piedade, foi a Capela dos Terceiros dos Mínimos de São Francisco de Paula a última igreja em ser construída na cidade

Revelando-se a Capela de Nossa Senhora da Piedade insuficiente para conter o grande número de fiéis, decidiram os Irmãos edificar um templo de maiores proporções que se verificou a partir de 1804, no mesmo local da primitiva Ermida, obedecendo ao risco do Capitão-mor Francisco Machado da Cruz.

Iniciada sua construção pela capela-mor, as obras se estenderam por todo o século XIX e foram interrompidas por diversas vezes por insuficiência de recursos da Irmandade.

O frontispício caracteriza-se pelo predomínio das linhas retas e pela colocação das torres no alinhamento da fachada, transformando-a em vasta superfície plana.

Primeiramente, a edificação da capela-mor foi contratada com Mestre Felipe Eugênio e, em 1834, foi feito novo ajuste para a conclusão das obras com o Capitão-mor Francisco Machado da Cruz, autor do risco da igreja. Somente a capela-mor levou mais de trinta anos para ser concluída. Em 1835, a primitiva capela foi anexada à nova capela-mor, passando a funcionar como uma espécie de nave provisória. Em 1847 os corredores laterais da capela-mor receberam piso em tijolos, realizando-se também o envidraçamento da capela-mor. Finalmente, em 1857 iniciou-se a construção da nave, que levou mais de duas décadas para ser concluída. Arrematadas por José da Silva Coelho, sua conclusão se deu em 1878.

O pesado frontão conserva as volutas barrocas, assim como as torres mantêm as pilastras de canto enviesadas, característica da arquitetura religiosa em Ouro Preto na segunda metade do século XVIII.

As torres da Igreja de São Francisco de Paula estão entre as mais belas de Ouro Preto

De grandes proporções, sua planta obedece aos padrões clássicos com divisão em nave, capela-mor e sacristia encimada pelo consistório, com corredores e tribunas ao longo das paredes da capela-mor.

Do alto da ladeira que leva à Igreja de São Francisco de Paula, tem-se uma vista espetacular para Ouro Preto, assim como do adro que a cerca

O douramento do altar-mor foi executado em 1898 e o dos altares laterais, de autoria do artista Henrique Bource, entre 1901 e 1908. No decorrer do século XIX, a edificação foi contemplada com sucessivos auxílios para obras, concedidos pelo Governo Provincial.

A capela-mor levou mais de 30 anos para ficar totalmente pronta: A igreja de São Francisco de Paula, construída por quase todo o século 19, mantém as características da arquitetura do período oitocentista, sem fugir do projeto original. Planta e fachada repetem padrões da arte religiosa de Ouro Preto: o Barroco Mineiro.

Em 1935, a antiga Inspetoria de Monumentos Nacionais constatou a necessidade de obras de conservação da Igreja. Somente no relatório das principais atividades da DPHAN, atual IPHAN, referente ao ano de 1954, constam pequenos serviços realizados visando sua manutenção. Embora edificada no século XIX, a Igreja de São Francisco de Paula mantém os padrões arquitetônicos das construções religiosas do século XVIII.

No livro de registros, estão os termos de visita do imperador d. Pedro 2º, que esteve na igreja durante sua passagem por Ouro Preto para inaugurar o terminal ferroviário, e, também, da princesa Isabel.

Vandalismo das Estátuas dos Evangelistas


Merecem referência especial as quatro estátuas com representação dos quatro evangelistas, Mateus, Marcos, Lucas e João em louça, importadas de Portugal, que ornamentavam a escadaria de acesso ao templo.

As quatro imagens dos Evangelistas e Apóstolos foram retiradas do adro da igreja na década de 1980 quando foram vandalizadas e ficaram guardadas dentro da sacristia sob a guarda da paróquia. No final do ano passado, foi proposta a restauração, conservação, realização das formas e a reprodução das quatro réplicas para sua posterior colocação nos suportes dos patamares do adro da Igreja de São Francisco de Paula.

As imagens originais, produzidas no final do século XIX, foram fabricadas em Portugal, cópias executadas em série, em faiança, uma técnica de cerâmica vitrificada, instaladas junto à escadaria do adro da igreja. Três delas foram inteiramente destruídas e hoje todas se encontram restauradas, porém as peças não possuem mais condições físicas para permanecerem expostas ao relento.

Recentemente, em 15 de dezembro de 2020, aconteceu o Seminário “As 4 imagens do Adro de São Francisco de Paula, Ouro Preto/MG”. O encontro foi gratuito e aberto a toda a população e promoveu uma conversa sobre o processo em andamento de recuperação das imagens dos evangelistas, reprodução e colocação das réplicas no adro da Igreja de São Francisco de Paula.

A ação trata-se de um movimento conjunto entre a Prefeitura de Ouro Preto via Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio e o Museu de Arte Sacra da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto.

A proposta debateu a possibilidade de fazer as réplicas fundidas em alumínio, moldadas sobre os originais, tratadas com acabamentos similares e instaladas em seus locais de origem de forma a restaurar a paisagem histórico-cultural do conjunto. Os Evangelistas portugueses ficariam expostos no interior da igreja, junto às paredes abaixo do coro, próximo à porta tapa-vento, para acesso aos fiéis e visitantes de Ouro Preto.

Réplica de São Joao. Depois de quase 40 anos de ter sido retiradas as originais o Seminário “As 4 imagens do Adro de São Francisco de Paula” pretende discutir a locação de replicas

Para a conclusão do processo e a aprovação final do IPHAN, foram convidados técnicos e especialistas de Ouro Preto para participarem do debate.

Esperamos que não passem outros 40 anos para tomar uma decisão tão simples.

 

 

fonte:

  • Os privilégios espirituais das ordens terceiras e o “bem morrer”: O caso dos Mínimos de Vila Rica (1782-1808) – Daniel Precioso (1)
  • Barroco e Rococó nas Igrejas de Ouro Preto e Mariana – Myriam A. Ribeiro de Oliveira e Adalgisa Arantes Campos (2)
  • A gestão dos bens dos mortos na Misericórdia dos Arcos de Valdevez: caridade e espiritualidade (séculos XVII-XVIII) – Maria Odete Neto Ramos (3)
  • https://www.diariodeouropreto.com.br/prefeitura-de-ouro-preto-realiza-seminario-virtual-sobre-as-4-imagens-do-adro-de-sao-francisco-de-paula/
  • https://www.mg.gov.br/conteudo/conheca-minas/turismo/igreja-de-sao-francisco-de-paula
  • http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/30

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