GALERÍA GÜEMES – Parte III: Arquitetura e Restauração do tesouro perdido da Rua Florida

Incrivelmente, por mais de 70 anos as cúpulas que coroam esta imponente galeria na rua Florida foram escondidas por uma laje de concreto. A partir de 2004, o processo de restauração começou dividido em três etapas. A primeira foi entre 2005-2008, na qual foram recuperadas as cúpulas, os mármores italianos, a abóbada e o teatro situado no subsolo do edifício. A segunda foi em 2011, na qual foi restaurada a fachada da rua San Martín. Na terceira etapa, foi recuperado o mirante do prédio.

Felizmente hoje, a Galeria Güemes recuperou todo o seu esplendor, com as fachadas restauradas, o miradouro que permite desfrutar de Buenos Aires em 360° e a galeria que liga as ruas Flórida até San Martín, com as duas cúpulas de ferro e vidro recuperadas e os afrescos originais da abóbada também.

Trata-se de um caso de sucesso, onde a gestão empresarial soube encontrar o equilíbrio respeitando o valor patrimonial e devolvendo a Buenos Aires um dos mais belos pontos turísticos da tradicional Rua Florida.

A transformação de Buenos Aires


Em 15 de dezembro de 1915, a Galeria Güemes foi inaugurada sendo a primeira obra do país totalmente construída em concreto armado e fez a sensação de dois transeuntes na Rua Flórida. Destaca-se por conformar um edifício multifuncional, à maneira de um microcosmo urbano: escritórios, residências, agência bancária, galeria comercial, cinema-teatro, dois restaurantes, salão de festas e um mirante que permitia acesso ao ponto mais alto da cidade de Buenos Aires.

Galeria Güemes, Florida 150

Considerado este o primeiro projeto no mundo a combinar um arranha-céu com uma galeria comercial, este complexo deve ter tido uma aparência verdadeiramente impressionante e monumental para os portenhos, que testemunharam naquela década a transformação urbana de Buenos Aires através de inúmeras obras públicas como alargamento de avenidas, instalação das primeiras linhas de metrô, redes de água e esgoto, iluminação pública, eletricidade, etc. Da mão desta última chegariam os primeiros elevadores que transformariam em realidade a construção em altura e, na área comercial, permitiram iluminar as vitrines à noite, dando lugar à revolução do vitrinismo como estratégia para a captação de novos clientes e resultando no embelezamento de todas as frentes de lojas comerciais.

Ao mesmo tempo, surgiram na Europa as primeiras galerias comerciais e grandes armazéns, conceptualmente considerados os verdadeiros antecessores dos atuais shooping centers. A imersão dentro de um ambiente comercial onde era possível encontrar a mais ampla variedade de produtos aliados às últimas novidades da moda, constituíram verdadeiros passeios de compras que permitam a possibilidade de desfrutar de um momento de lazer em combinação com bares e restaurantes. Em particular para as mulheres, significou uma mudança radical em suas relações sociais, já que a presença de mulheres era proibida em muitos lugares e em outros só acontecia na companhia de seus maridos. Assim a vida social, até então restrita a quatro paredes, se expandiria e cobraria novas formas graças às transformações e avanços que permitiram deixar para trás alguns dos preceitos machistas e patriarcais do século anterior, outorgando para a mulher maiores e merecidas liberdades.

Nesse sentido, as lojas comerciais da Rua Florida, como as Lojas Gath & Chaves (1908), as Lojas Harrods (1914) e a Galeria Güemes (1915), constituíram verdadeiros passeios populares na cidade de Buenos Aires.

Assim que a Av. De Mayo (inaugurada oficialmente em 1894) se tornou a principal avenida de Buenos Aires ao longo da qual se concentraram os maiores expoentes da alta sociedade portenha, a Rua Florida sempre se caracterizou por ser uma artéria tipicamente comercial.

A decadência da Galeria Güemes


Apesar do esplendor das primeiras décadas do século passado, o esquecimento e a preguiça transformaram a galeria em corredores desolados com uma atmosfera sombria. Com o passar dos anos, a estética foi maltratada pela modernidade, já que intervenções desacertadas afetaram o esplendor da galeria. Em particular, tendo coberto o teto com uma laje de cimento, ocultando as duas cúpulas de ferro e vidro que permitiam a entrada de luz natural no corredor.

Na década de 1940 foi colocado um falso teto de concreto e as cúpulas permaneceram ocultas por mais de 70 anos

No final da década de 1940, os vidros das cúpulas quebravam com facilidade e apresentavam goteiras, portanto foram revestidas de concreto, utilizando suas ferragens como ferros de cofragem. As molduras de grafite da abóbada, esculturas, clarabóias e murais desapareceram sob várias camadas de tinta e sujeira.

Para diminuir os custos de manutenção, as cúpulas foram barradas junto com as claraboias da abobada. “Ninguém sabia que o que você vê agora, que é toda ferraria, estava dentro da estrutura, eu soube da existência desse tesouro por meio de um desenho de 1915, e acabei de conferir uma vez liberado o concreto”, explica o arquiteto responsável pela restauração Reinaldo Lemos.

Tempos de restauração


O resgate começou com a chegada do século 21 com a chegada de um novo gerente geral, Fernando Bertello, quem intuía que estava a cargo de um tesouro único, um dos melhores edifícios da cidade e um empreendimento comercial quase centenário com um potencial formidável. Em 2004 entrou em contato com o arquiteto Reinaldo Lemos para lhe fazer uma pergunta: no concreto que cegava o teto da galeria … estariam as cúpulas originais? … Uma simples pesquisa revelou as ferragens da estrutura e respondeu à pergunta. Lemos apresentou um projeto para realizar uma restauração integral em três etapas.

As obras de restauração começaram em abril de 2005 com a cúpula perto da Rua Florida, que levou cinco meses de obras devido ao seu tamanho e deterioração. A outra cúpula voltada para a Rua San Martin foi restaurada em 2010, por ocasião dos 95 anos da galeria.

O arquiteto Lemos começou a investigar a história do lugar, a se aprofundar na pouca documentação existente e a conversar com pessoas experientes no assunto. O propósito, em suma, era “buscar referências de todos os tipos para saber do que se tratava”, disse o arquiteto, que também indicou que tentou entender a ideia original do arquitecto Francisco Gianotti para definir detalhes ainda desconhecidos. O levantamento de informações foi encerrado em abril de 2005.

 

A escassa documentação existente foi imprescindível para a execução das obras, pois permitiu conhecer pormenores da ornamentação do corredor e dos seus tetos. Tanto as cúpulas como a nave central foram construídas em 1915 com vidros que brilhavam à luz do sol e, consequentemente, iluminavam a galeria. Mas, no início do século 20, a técnica do vidro hoje utilizada não existia e o vidro se quebrava facilmente, tornando-se um perigo para quem visitava a galeria. Assim, por volta da década de 1940, decidiu-se cobri-los com concreto. O arquiteto Lemos, sabia da existência desse tesouro por um desenho de 1915. Assim, a partir de diferentes detalhes que encontraram entre os restos da antiga cúpula, eles reconstruíram as partes que faltavam.

A recuperação começou tão às cegas que, para descobrir as estruturas de ferro das cúpulas e as molduras de bronze sob as paredes, foi necessário percorrer os telhados com um detector de metais. “Quando os localizamos não podíamos acreditar”, diz Bertello, mostrando a primeira cúpula recuperada, quase chegando à entrada principal, sobre a Flórida. Mais de cem peças retangulares de vidro foram reconstruídas com a mesma técnica com que eram feitas há quase um século.

Primeiro foi recuperado o perfil metálico original e sua cúpula de vidro central, voltada para a Rua Florida

Para trabalhar no seu restauro e não ter de fechar a galeria, o trabalho foi efetuado principalmente à noite, levantando-se um andaime de quinze metros de altura até à base de cada cúpula, e onde foi montado um piso técnico para que os operários trabalhassem confortavelmente na restauração interna da cúpula.

Quanto à abóbada de cañón corrido , soube-se a partir de uma fotografia de 1930 que o Museu da Cidade de Buenos Aires conserva, que originalmente era envidraçada em três setores para obter luz natural. As obras de restauro permitiram, em 2006, recuperar essa estética com a colocação do vidro acetinado, também presente nas cúpulas.

Quanto aos vidros das cúpulas, exigiam um estudo acabado para atingir a curvatura original, visto que sendo muito pronunciados, todos os vidros que se tentaram usar no início eles se quebravam. Foi então necessário recorrer a alguns artesãos da cidade de Azul, na província de Buenos Aires, para a sua reprodução perfeita: os vidros que estes artesãos usaram são de 4 em 4 milímetros com uma membrana plástica ao meio, o que implica um importante sistema de segurança para evitar a quebra acidental do vidro, uma vez que grande número de pessoas passa continuamente sob as cúpulas.

O mágico efeito luminoso das 72 arandelas no teto do corredor principalÀs vezes apenas alguns elementos originais se encontravam em bom estado, pelo que foi necessário fazer a sua confecção com artesãos especializados para reproduzir fielmente os que faltavam, como foi feito com os 24 ovos que estavam em cada cúpula dos quais apenas três estavam preservados, tendo que fazer moldes e depois reproduzi-los em ferro fundido, em um incrível trabalho de restauração. O mesmo aconteceu com 72 arandelas de sobrepor de cristal localizadas no teto.

Em ambos os lados, emoldurados por grandes pilares e colunas de mármore, polidos com capitéis e figuras em bronze, apoiados em pedestal de granito polido, no segundo andar entre as bíforas protegidas por elegantes arcos de vela, ficam as janelas dos escritórios do 2º andar.

As janelas antigas dos escritórios, coroadas com bíforas, janelas formadas por dois vãos duplicados e arcos semicirculares de meio ponto são adornados por obras de Pineel.

O acesso aos edifícios é feito a partir dos 14 elevadores de alta velocidade (aproximadamente 140 metros por minuto) com capacidade para 8 a 10 pessoas. Acima de cada elevador esta disposto um belíssimo conjunto escultórico fundido em bronze, que após o restauro realizado, hoje tem um aspecto esplêndido.

Por outro lado, além deste sistema de segurança no exterior das cúpulas existe uma espécie de guarda-chuva de proteção, também feito de vidro duplo com uma membrana plástica no meio, ambos determinando um ótimo sistema de segurança para a preservação desta maravilhosa arquitetura.

Para proteger as cúpulas da intempérie, foi construído um telhado e uma calha perimetral que permite o escoamento da água da chuva sem sujá-la

Enquanto à iluminação, como a cúpula sobe até 20 metros de altura e não havia dados sobre os dispositivos originais, optou-se por instalar refletores externos para reforçar a luz natural e, dentro do tambor colocaram fibra ótica de quatro cores (amarelo, verde, azul e branco) que podem ser combinados e executar efeitos de flash. “Como o vidro é acetinado, a luz acompanha toda a superfície e à noite o resultado é muito interessante. Além disso, o dispositivo, sendo controlado fora da cúpula, não requer manutenção ou a montagem de andaimes que custariam tempo e dinheiro”.

Dentro do chamado plano mestre de iluminação, contempla-se o recondicionamento dos artefatos originais. A iluminação da galeria comercial toda também foi recondicionada e as peças de ferraria artística que percorrem o cânion central da galeria foram restauradas.

Na primeira etapa da restauração, além da remodelação da primeira cúpula, foram polidas as colunas de mármore que possuíam uma camada de sujeira de 2 mm de espessura.  Assim, os mármores e granitos das paredes foram recuperados

Além de tudo, eles repintaram as paredes próximas à base da cúpula. “Embora alguns setores não tenham sido pintados novamente, pois embaixo há afrescos originais. O grande arco de uma das entradas da galeria e o teto da abóbada, próximo às janelas e ao teto, também apresentam afrescos celestes e dourados” diz o arquiteto Lemos.

O trabalho de recuperação da Galeria Güemes exigiu, além de pesquisas, arquitetos e consultas com especialistas da área, de artesãos que dominassem as antigas técnicas de trabalho dos metais.

Muitas das esculturas desapareceram junto com muitas luminárias de bronze. As esculturas de bronze foram polidas, a ferraria foi totalmente recuperada e como não apresentava vestígios da pintura original foi pintada de preto com base em documentação da época. O arquiteto José María Peña, ex-diretor e fundador do Museu da Cidade da Comissão para a Preservação do Patrimônio Histórico da Cidade de Buenos Aires assessorou o projeto de restauração.

Outros elementos que também foram restaurados são a carpintaria de uma das paredes laterais, por baixo da cúpula; e as peças de bronze que foram envernizadas e cozidas para torná-las brilhantes e evitar a manutenção. Além disso, como relata Lemos, “uma estátua muito grande foi baixada das laterais da galeria, onde fica a cúpula, para poder dourar e as peças que faltavam foram fundidas, além de substituir o ferro por alumínio para diminuir o peso e os custos”.

Ao mesmo tempo que o interior da galeria foi restaurado, as frentes das lojas foram unificadas, de forma a devolver a unidade estética a estas fachadas internas

Esta obra foi distinguida com uma Menção Especial pelo restauro das suas cúpulas no âmbito do Prémio Ibero-Americano à Melhor Intervenção do Património 2006, prémio atribuído pela Sociedade Central de Arquitectos.

O novo complexo “Palacio Tango”


No subsolo do Palácio, o arquiteto conseguiu criar uma obra-maestra de distribuição, projetando com belas proporções e sob um inspirado conceito artístico, duas grandes salas unidas por um hall central que mede dez metros por trinta. Em 1963, inacreditavelmente o teatro fechou as portas ao público e permaneceu assim por 45 anos. ate que em 2004 foram encarados os trabalhos de restauração que acabaram em 2008 devolvendo toda sua magia e esplendor do novo espaço batizado “Teatro Astor Piazzolla”.

O setor da plateia ainda se encontra montado sobre a laje original de concreto armado, que, por sua vez, possui um suporte giratório capaz de alterar a inclinação da sala. E o que é mais surpreendente: ainda funciona até hoje.

Em 2019, os novos donos decidiram converter o salão de festas anexo em outro teatro e chamá-lo de Carlos Gardel. Hoje os dois espaços compõem o complexo “Palacio Tango”, que estão localizados no primeiro subsolo.

O Teatro Carlos Gardel mantém seus camarotes e até a varanda original onde tocava a Orquestra das Señoritas. Agora, nessa varanda está instalada a orquestra do espetáculo (composta por dois bandoneonistas, dois violinistas, um pianista e um contrabaixista), junto as cinco duplas de bailarinos.

O Teatro Carlos Gardel comporta 220 pessoas

Ambos teatros conformam o complexo “Palacio Tango”, onde foram montados dois shows de tango que oferecem apresentações simultâneas para deleite dos turistas locais e estrangeiros.

A fachada da rua San Martín


Durante 2011, a fachada da rua San Martín foi aprimorada. Essa obra, que levou meses para ser concluída, incluiu a recuperação de materiais e ornamentos de ferro e bronze. A partir deste último material são feitas as estátuas femininas que foram recolocadas nos cantos das varandas principais como eram originalmente.

Com um plano de trabalho original de 50 dias, o projeto incluía a lavagem geral da fachada, a realocação das estátuas de bronze, a restauração das colunas de mármore e a reconstrução das molduras faltantes.

Mirante


Em 1915, a inauguração da Galeria Güemes significou uma revolução para a cidade. Não só por ser uma joia da arquitetura art nouveau desenhada pelo arquitecto italiano Francisco Gianotti, ou pelos seus 14 elevadores capazes de percorrer 140 metros em apenas um minuto, mas sobretudo, pela sua altura. Com seus 14 andares e 87 metros, a galeria foi um dos primeiros arranha-céus de Buenos Aires. As pessoas faziam fila para subir ao seu mirante, desde onde conseguiam observar o crescimento de Buenos Aires depois de depositar 25 centavos em um binóculo.

A restauração do mirante levou dezoito meses para ser concluída

No 14º andar, havia um restaurante desde onde dava para ver toda a cidade a traves de suas varandas, e por uma escada em caracol era possível aceder a um mirante que permitia ver em dias de boa clareza, até a costa uruguaia.

Para os níveis superiores do mirante, você terá que subir mais dois lances da escada em caracol. O prêmio será uma vista privilegiada

Em 2010, com o objetivo de incluir o edifício no tour do programa Miradores de Buenos Aires, este espaço foi habilitado em forma preliminar para torná-lo acessível ao público. O sucesso dessa convocatória decidiu a administração da galeria a empreender uma ampla restauração deste espaço, que levou cerca de dezoito meses para ser concluída. “Não há registros exatos de quanto tempo esteve fechado, mas no momento da inauguração era o ponto mais alto do país”, explica Humberto Magistrelli, gerente geral da galeria há 15 anos.

Quando começou o processo de restauração, pensou-se em consertar as lâminas de cobre que cobriam a parte externa da torre. A empresa Dölfer, encarregada dessa complexa tarefa, recomendou em primeiro lugar a remoção das camadas que cobriam a estrutura metálica para repará-la. Quando este processo foi realizado, parte das chapas quebrou e foi necessário retirá-las completamente e substituí-las por novas chapas de cobre. A estrutura metálica original foi restaurada na sua totalidade, também a alvenaria, e as paredes que não eram originais foram demolidas para melhorar a aparência. O mesmo trabalho de recuperação foi feito na escada.

Em outubro de 2013, foi concluída a terceira etapa da restauração da Galeria Güemes. Foi uma instância fundamental para a sua reavaliação, uma vez que foi recuperado o mirante do 14º andar, que não funcionava há cinquenta anos.

 

fonte:

  • http://galeriaguemes.com.ar/galeria/
  • http://galeriaguemes.com.ar/galeria/patrimonio/recuperacion
  • https://www.buenosairesantiguo.com/pasaje-guemes/
  • http://www.trascarton.com.ar/aniversarios/los-100-anos-de-la-galeria-gueemes
  • http://www.trascarton.com.ar/aniversarios/los-100-anos-de-la-galeria-gueemes

Uma resposta para “GALERÍA GÜEMES – Parte III: Arquitetura e Restauração do tesouro perdido da Rua Florida”

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