Fechou suas portas o Bar Dorrego, no bairro San Telmo de Buenos Aires

Em julho de 2019, eu estava visitando minha querida Buenos Aires. Naquela manhã, envolto em casaco, cachecol e luvas, saio muito cedo, sem o café da manhã, pronto para enfrentar o inverno frio em direção ao bairro de San Telmo. Um longo passeio por igrejas, museus e mercado me espera. O primeiro museu abre às 9:00 da manhã.

Chego às 8:00 da manhã na Praça Dorrego. Localizado há 140 anos na esquina da Defesa e Humberto Primo, o “Café Dorrego” me espera com um clássico de Buenos Aires: café com leite e medialunas (croissants).

Em 2004, ele foi incluído na lista de Bares Notáveis ​​da cidade de Buenos Aires, ainda deu tempo para tirar fotos e adicionar aos registros que estou fazendo desses bares por toda a cidade.

Um mês depois, de regresso a meu lar, vejo com surpresa no jornal a notícia de que o lugar será fechado. A crise econômica argentina dos últimos 2 anos levou ao fechamento de muitas fábricas e empresas (pymes) de médio porte, a categoria gastronômica não é exceção.

O contrato de aluguel expirou e têm devidas pendentes. Os oito funcionários, sete rapazes e uma mulher, a quem os salários são devidos, permanecem no bar e gerenciam seus serviços desde setembro. Eles aspiram a formar uma cooperativa para manter sua fonte de trabalho.

A Praça Dorrego – Feira de San Telmo

A Praça Dorrego é um dos lugares mais famosos da cidade de Buenos Aires. Esta pequena praça aninhada entre as casas antigas do bairro de San Telmo, durante a semana os dias passam pacificamente por suas ruas estreitas e o som inconfundível das mais diversas línguas estrangeiras dos turistas que visitam suas lojas de antiguidades e design. No domingo, a praça e a Rua da Defesa mudam completamente de cenário e se transformam em uma infinita Feira de Artesanato, cheia de arte, bijuterias, roupas e tudo o que um turista sempre tenta levar: lembrancinhas.

Bar Dorrego

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O Bar Dorrego esta localizado no térreo de um edifício de esquina, data de 1880. No começo funcionou o Almacen de Besio, uma mercearia onde bebidas alcoólicas eram servidas. Ao longo do tempo o local mudou de nome e donos, mais sempre funcionou como bar. O local tem um charme especial, com seu velho balcão de madeira, uma velha maquina café-expresso e fotos em blanco e preto que remitem a velhas glorias do tango.

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O local possui cinco ventiladores, prateleiras de madeira com velhas garrafas de conhaque, gim e anis e belos mosaicos em damero

Crise

Com o início de outubro, a situação declinou em crise. Rubén Yufera, administrador do espaço, abaixou as persianas e admitiu todas as suas dívidas. Dívidas com o grupo de trabalhadores, que não cobraram agosto e setembro, alias têm contribuições de aposentadoria e serviços sociais incumplidos. Dívidas com o verdureiro, o padeiro e até a banca de jornais. Mas acima de tudo, dívidas de aluguel com o proprietário do imóvel.

O Café Dorrego fechou suas portas mais os empregados do bar resistem

A situacao é complicada e os funcionários ainda estão no limbo. Rubén Yufera, não pagou salários ou contribuições, mas também não demitiu seus trabalhadores, dizem eles. Portanto, eles continuam cumprindo sua jornada de trabalho e passam as noites dormindo entre as mesas, em turnos de duas pessoas ate o amanhecer.

O dono do local e Rubén Yufera se reuniram nàs instalações para negociar sua entrega ou continuidade. O proprietário do imóvel Oscar Vidal chegou às 12 horas. Ele cumprimentou com carinho os funcionários que estavam na porta e entrou em diálogo com Yufera. A essa altura, todas as persianas das instalações já estavam baixas. Conforme explicado por Luis Palmeiro, advogado de defesa de funcionários de bares, Yufera não pôde entregar as instalações porque o mesmo estava ocupado. No lado dos trabalhadores, eles não tinham nenhuma notificação oficial sobre seu status de emprego.

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¿Renace o Bar Dorrego?

A intenção dos trabalhadores é auto-gerenciar o bar, para isso eles devem negociar diretamente com o proprietário Vidal. Mas ele afirma que até que ele possua a propriedade, ele não pode falar. É a maior ferramenta de negociação que os oito funcionários têm até agora. A maioria trabalhou no bar por dez, vinte ou até trinta anos.

“Continuaremos assim até que eles nos dêem uma solução. Queremos cuidar de nosso trabalho. Por isso, decidimos coletar dinheiro juntos, comprar mercadorias e abrir ao público”, descreve o garçom Adrián.

“Todo mundo aparece e nos dá seu apoio.

Percebemos: alguns compram um café ou um croissant, o que podem, mesmo que seja uma sonseira, mas fazem isso para nos ajudar”.

Jorge Luís Borges e Ernesto Sábato:     O Encontro

O Café Dorrego localizado há 140 anos na esquina da Defesa e Humberto 1 °, em frente à Plaza Dorrego – daí seu nome -, é um emblema de San Telmo e da cidade de Buenos Aires. Nas suas mesas, nos anos 70, Jorge Luis Borges e Ernesto Sábato sentaram-se, em uma reunião após décadas de distanciamento.

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Já velhos, a foto daquele momento é icônica. Borges com sua bengala, apenas curvado. Sabato inclinado para frente, com uma mão segurando a mesa e olhando para Borges através de suas lentes grossas. Abaixo, o piso quadriculado com cascas de amendoim jogadas no chao, um assunto típico e característico dos clientes do bar … todo mundo jogava as cascas no chão e depois regularmente uns meninos com enormes cotonetes passavam para varrer, e voltar todo á normalidade.

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Esta fotografia mostra Jorge Luís Borges e Ernesto Sábato sob uma perspectiva semicenital

Eles estão sentados de frente um para o outro, cada um ao lado de uma pequena mesa de madeira com pernas curvas. Dois copos de cana vazios em seu respectivo prato completam a reunião.

Borges e Sabato estavam separados á 20 anos por causa das diferenças políticas até que, no verão de 1975, o jornalista Alfredo Serra conseguiu reuni-os naquela entrevista.

Texto completo da entrevista

“Bar Notável” em 2004

Pela sua historia, em 2004, foi declarado “Bar Notável” e em 2011 o Legislativo de Buenos Aires proclamou-o um símbolo de identidade de San Telmo e um local de interesse cultural. Baseando-se nesse cenário, os trabalhadores solicitaram a intervenção do Ministério da Cultura de Buenos Aires. Além disso, eles já iniciaram os procedimentos para formar uma cooperativa que pode assumir o bar, pagando o aluguel ao proprietário.

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Foi declarado “Bar Notável” em 2004

Enquanto isso, a Comissão Nacional de Monumentos, Lugares e Patrimônio Histórico já iniciou o processo para declarar-o Bem de Interés Histórico Nacional e, assim, protegê-lo.

O arquiteto consultor da agência Jorge Caramés explica que essa catalogação “não tem a mesma hierarquia que um monumento, mas significa uma restrição: o uso atual não pode ser alterado porque é precisamente esse, o motivo de seu interesse”.

Mas não é tão simples, o processo agora deve passar pelo Ministério da Cultura e, finalmente, ser aprovado por decreto presidencial, a grande esperança dos trabalhadores que querem continuar se dedicando ao que fazem, no caso do garçom Sequeira, há trinta anos.

 

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