CINEMA e TEATRO VILA RICA: O lendário cinema de Ouro Preto esta fechado

O Cine Teatro Vila Rica representa um marco da história cultural de Ouro Preto. Neste prédio funcionava originalmente o antigo Liceu das Artes e Ofícios (1886-1953), instituição educativa destinada ao ensino das artes e ofícios mecânicos para os sectores mais pobres da população da antiga Vila Rica.

O Cinema de Ouro Preto nasceu em 1957 do sonho de Salvador Trópia e hoje é o único espaço de projeção cinematográfica da região e um dos mais tradicionais de Minas Gerais. A sala sedia uma programação contínua de filmes, eventos artísticos-culturais a níveis nacional e internacional, como o Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana, Fórum das Letras, Fotógrafos em Ouro Preto, CineOP e diversas outras mostras e festivais de cinema como o Festival Varilux de Cinema Francês, que homenageia as produções cinematográficas francesas.

A beleza arquitetônica e a memória histórica do prédio estão de portas fechadas. Uma grande angustia me invade pelo fato de saber que há dois anos o Cinema está fechado e que de seu velho projetor, não sai mais luz não.

O Liceu de Artes e Ofícios


As transformações que a aproximação da extinção da escravidão no Brasil provocou no mundo do trabalho nas últimas duas décadas do século XIX levaram as elites políticas, intelectuais e econômicas e outros setores da sociedade a pensar e a engendrar processos de escolarização dos novos trabalhadores livres. Em Minas Gerais diversas iniciativas foram feitas nesse sentido, entre elas a implantação, em 1886, do Liceu de Artes e Ofícios na então capital da Província: Ouro Preto.

No Rio de Janeiro, em São Paulo, em Salvador, em Recife, em Maceió e em Ouro Preto, para citar apenas as capitais, foram criados liceus de artes e ofícios na segunda metade do século XIX. Em todas essas instituições, o número de matriculados era considerável, tornando-as importantes elementos da paisagem cultural das cidades onde se instalaram.

Em Minas Gerais foram criados Liceus de Artes e Ofícios nas cidades de Serro (1879), na então capital Ouro Preto (1886) e em São João Del Rei (1888). Estas escolas, guardadas algumas especificidades, tinham os mesmos objetivos das suas congêneres: ensinar as primeiras letras, o desenho e os princípios básicos de um ofício às crianças pobres, filhas de pais trabalhadores.

A primeira iniciativa que visava à implantação de um Liceu de Artes e Ofícios em Ouro Preto aconteceu no ano de 1884. Os engenheiros Crockhat de Sá e Archias Medrado fundaram em janeiro desse ano uma escola baseada nos princípios pedagógicos do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Apesar da grande procura pelas matrículas, o Liceu foi dirigido pelos engenheiros mencionados apenas por dois anos, até 1886. Nesse mesmo ano, foi fundada a Sociedade Artística Ouro-Pretana, que iria constituir um novo Liceu de Artes e Ofícios, dando continuidade à ideia do projeto dos engenheiros Sá e Medrado.

A Sociedade Artística Ouro-Pretana foi instituída no dia 25 de março de 1886. O objetivo principal dessa Sociedade era a criação de uma escola destinada ao ensino das artes e dos ofícios mecânicos. A mesma atuava também como uma instituição de amparo social e financeiro dos artistas mecânicos, mas a criação da Sociedade Artística Ouro-Pretana não era um projeto apenas dos artistas mecânicos. A intelectualidade ouro-pretana participou efetivamente do processo de gestação da instituição.

Em seus anos iniciais, “todos os que se interessassem” incluía os escravos, conforme noticiava o jornal Liberal Mineiro: “abriu-se no Liceu de Artes e Ofícios mais uma aula noturna para os pobres escravizados, os quais deverão apresentar licença dos respectivos senhores a fim de lhes ser facultada a matrícula”.

Dessa forma, o Liceu trazia para dentro das paredes do seu prédio os interesses das elites em estabelecer um projeto de instrução popular, que aliado ao ensino dos ofícios e da ética do trabalho, poderia conduzir Minas Gerais e o Brasil aos patamares de progresso material das nações “civilizadas”. O investimento no ensino profissional poderia significar a possibilidade de a educação cumprir dois papéis fundamentais no projeto de constituição de uma nação moderna e desenvolvida.

A Sociedade Artística de Ouro Preto, quando da sua criação em 1886, era formada por membros das mais diversas classes sociais. Aparecia nos seus quadros em número de sessenta e cinco artistas mecânicos, profissionais liberais, homens de imprensa, funcionários do governo provincial e professores.

Após nove anos de construção no dia 25 de março de 1897 foi inaugurado o Liceu de Artes e Ofícios, fundado por  Miguel Antônio Tregellas. Concebido no estilo eclético, o prédio do Liceu apresentava características inovadoras para a paisagem cultural da cidade. O ecletismo arquitetônico rompia com as concepções barrocas, trazendo uma configuração que valorizava o conforto e a praticidade. Exibiam combinações de elementos que podiam vir da arquitetura clássica, medieval, renascentista, barroca e neoclássica. Se caracterizou pela simetria, busca de grandiosidade, rigorosa hierarquização dos espaços internos e riqueza decorativa.

Miguel Antônio Tregellas, foi diretor do Liceu de Artes Ofícios de Ouro Preto e da Sociedade Artística Ouro-Pretana, ele era um respeitado marceneiro, que possuía uma das maiores oficinas de marcenaria de toda a Província. Seus trabalhos, principalmente castiçais e oratórios, ornamentavam algumas das mais importantes Igrejas de Ouro Preto e outras cidades da região.

Anúncio da oficina de Miguel Treguellas , 1885

Miguel Antônio Treguellas, um artista radicado em Ouro Preto no século XIX, foi casado com Augusta Medeiros Treguellas e pai de 8 filhos. Sabe-se que Treguellas se habilitou nas melhores escolas da “corte”. E teve sua primeira oficina no bairro da Barra, onde possuía diversas máquinas de marcenaria oriundas da Europa. Sua oficina era composta de um grande número de pessoas, o que lhe dava agilidade para entregar suas encomendas nos prazos estabelecidos. O escultor vendia seu trabalho destacando a qualidade do serviço, sua habilitação para o serviço e os preços acessíveis. Posteriormente, Miguel Treguellas, abriu uma nova oficina no térreo de uma residência localizada na rua São José, n°34. Dotado de uma grande esperteza, pois era nesta rua que se situavam os grandes comércios da Imperial Cidade de Ouro Preto.

O hábil entalhador fazia uma diversidade de objetos, de instrumentos musicais a camas, guarda roupas, mesas e até castiçais. Seu ofício, porém, não se limitou a pequenos serviços para particulares. O artista trabalhou em grandes obras das mais importantes igrejas de Ouro Preto. São de sua autoria o retábulo do consistório da Basílica de Nossa Senhora do Pilar, retábulo da Capela de Santana no Paço da Misericórdia, retábulos na Igreja de São Francisco de Paula e dois retábulos laterais na Igreja de São Francisco de Assis, além dos púlpitos da Igreja de Nossa Senhora das Mercês e Perdões desenhado pelo Engenheiro Dr. João Victor de Magalhães Gomes e entalhado por Miguel Treguellas.

O Liceu de Ouro Preto era uma instituição pública e não estatal, o que fez com que Treguellas ajudasse a angariar recursos para a construção do novo edifício. Foi auxiliado pelos cofres do estado, mas também por empresas de artistas e figuras importantes do mecenato mineiro.

O Liceu começou a funcionar com aulas noturnas do primário, português, aritmética, caligrafia, desenho e música. Tinha oficinas de Encadernação, Tipografa e Marcenaria. Através dos dados apresentados no Jornal O Pharol, de 1907, durante os 21 anos de existência do Liceu, ele foi frequentado por 3.200 alunos pobres, e destes cerca de 100 alunos tem sido “restituído à sociedade e a pátria como cidadãos instruídos e honrados”.

Mas, ao longo dos anos, foi se tornando cada vez mais difícil manter o Liceu de Artes e Ofícios de Ouro Preto, o que fez com que ele fechasse as portas em 26 de abril de 1953, vendido para o senhor Vicente Tropia, que de esta forma daria iniço a um de sues maiores sonos; instalar um cinema na cidade de Ouro Preto.

Em 1887, Miguel Treguellas se tornou comendador. Foi agraciado com o grau de Cavalheiro da Ordem da Rosa. Essa distinção honorifica só era atribuída em reconhecimento aos serviços relevantes prestados à nação. Deste modo, observa-se o quão admirável Treguellas era para o povo ouro-pretano.

Nota-se que Miguel Treguellas ele viveu em um período onde o estilo predominante era o neoclássico, ou seja, o estilo que resgatava a arte clássica antiga, apresentando colunas, frisos, estátuas e etc. Porém o que se observou através de suas obras é que Treguellas resgatou e valorizou a arte luso brasileira, pois apresentou em suas obras características do estilo anterior, o rococó. Testemunha disso é o conjunto escultórico do retábulo da capela-mor da Igreja de São Francisco de Assis, como destaca Oliveira e Campos, “obra máxima da talha rococó da região mineira e quiçá do mundo luso-brasileiro”.

Treguellas viveu em Ouro Preto num período em que a cidade deixava de ser Capital do Estado, em 1897. Como tantos brasileiros que vivenciaram as últimas décadas do século XIX e as primeiras décadas do século XX no Brasil assistiu a um momento em que a monarquia foi desfeita ao passo que o projeto republicano era pensado, vindo se consolidar com a proclamação da república em 1889. Em 25 de junho de 1909, Miguel Antônio Treguellas encerrou sua história. Faleceu em Belo Horizonte.

Restauração do prédio segundo critérios do SPHAN


A partir de 1945, com o desenvolvimento da indústria de alumínio na cidade, a área urbana de Ouro Preto volta a crescer, exigindo, dentre outras coisas, novas habitações. A vigilância e o rigor, por parte do Sphan, em relação à construção de novas moradias na cidade acabaram gerando um efeito inverso ao que se pretendia: a descaracterização da paisagem urbana de Ouro Preto.

A obsessão em manter congelado o aspecto colonial da cidade pelos intelectuais do SPHAN, mesmo diante do seu crescimento, resultou na descaracterização e falsificação de sua paisagem urbana. “Isto porque o órgão não tinha como fiscalizar todos os projetos enviados a ele devido aos seus poucos recursos financeiros e à carência de pessoal”.

Um desses esforços de congelamento das características coloniais da cidade foi a remodelagem das fachadas dos prédios considerados “bastardos” tais como o Cine Vila Rica, polêmica que se estendeu de 1941 até 1957, envolvendo o antigo Liceu de Artes e Ofício e os critérios necessários para que o prédio, originalmente em estilo eclético, pudesse abrigar um cinema (um símbolo, por excelência, da modernidade).

O antes e depois das reformas. De Liceu para Cinema

Vários foram projetos estudados. Alguns referiam-se à instalação do cinema nos prédios de nº 29 e 30, e posteriormente, 31 da rua Tiradentes (atual São José); outros, no terreno próximo à Casa do Contos, ao lado do Liceu;  outro ainda, num prédio situado na praça Tiradentes; e por último, o projeto que adaptava e ampliava o Liceu para receber o cinema.

O principal motivo pela demora foi a necessidade de aprovação de qualquer mudança no projeto pela seção técnica no Rio de Janeiro, além do investimento necessário para adequar o projeto às especificações do Sphan. Segundo o proprietário era mais barato demolir tudo e reconstruir o prédio do alicerce do que seguir as orientações técnicas do Sphan.

Lucio Costa e funcionários do SPHAN

Em todos esses projetos, Lúcio Costa é citado como autor de críticas, sugestões, propostas e croquis, que sempre foram acatadas. De entre as preocupações do arquiteto (e que se concretizaram), desde o primeiro projeto na rua Tiradentes, destacam-se: o impacto que o novo volume construído causaria no meio da “paisagem tradicional dos fundos das casas”; a preocupação com sua ambientação no conjunto urbano, principalmente, frente à presença da Casa dos Contos, cuja “aparência citadina e erudita” desaconselhava qualquer tratamento “alpendrado de sugestão rural” no prédio do cinema; a “necessidade de aumento do ponto do telhado (afim de escondê-lo melhor)”; e sobre a aparência que a fachada assumiria. No caso do Liceu foi sugerida a eliminação dos elementos neoclássicos.

A solução de se construir o cinema no prédio do Liceu ocorreu em meados de 1953 e a primeira opinião de Lúcio Costa sobre o novo projeto foi uma anotação feita no próprio parecer de José Souza Reis em que discordava do fato de o autor do parecer considerar que o prédio do Liceu, “apesar de sua arquitetura diferente já se encontra integrado no ambiente local e não seria conveniente alterá-lo”. A opinião é reforçada em parecer seguinte em que sugere aproveitar a ocasião para demolir o prédio.

“Acho muito conveniente a demolição ou completa reforma do edifício do Liceu. A construção ali do cinema, com o aproveitamento do acentuado declive do terreno, daria ensejo a que se eliminasse a arquitetura bastarda desse edifício”.

Um ano depois, Lúcio Costa volta a referir-se ao projeto do cinema e aponta a discordância entre o parecer de José de Sousa Reis e o dele. Remete-se ainda, para o edifício à frente do Liceu, o do Banco do Comércio. Segundo ele, “Enquanto o arquiteto Sousa Reis desaconselha qualquer alteração no prédio do Liceu eu recomendo a sua demolição ou completa reforma pois ainda não se apagou da minha lembrança a impressão penosa que o edifício me causou, juntamente com o do Banco do Comercio e Industria (atual edifício cor rosa do Ministério Público localizado também no Largo do Cinema), quando conheci Ouro Preto em 1923”.

Antes e Depois das reformas no antigo Banco do Comercio e Industria (atual edifício do Ministério Público) localizado na frente do Cinema Vila Rica

Em maio de 1956, após outros projetos, Lúcio Costa emite mais um parecer em que apresenta um croqui de como deveria ficar a fachada do prédio: “concordo em que não se deve permitir reforma da fachada do edifício do antigo Liceu que implique no tal despojamento amaneirado e contrafeito, mas entendo que, feita obra no prédio, se deve procurar atenuar o seu aspecto bastardo eliminando-se os frontões e a platibanda e uniformizando-se os arcos (salvo o do meio, que é menor), mas conservando-se tais quais o entablamento e as pilastras e repondo-se o beiral, pois se não me engano o telhado ainda é de telha antiga. Seja como for, porém, a autorização para o desenvolvimento do projeto e a respectiva aprovação devem ficar condicionados à previsão do efeito da obra acabada, observada daqueles pontos da cidade de onde será visível”.

Dr. Lúcio Costa, croquis.

Em 1955, os proprietários desistem da ideia anterior e voltam a atenção para os prédios da rua Tiradentes, que incluía agora três casas, o que permitiria a disposição da plateia de forma horizontal e não alteraria demasiadamente a relação dos volumes dos fundos da casa. Nesse período, Lúcio Costa emite dois pareceres contendo questões técnicas que deveriam nortear os projetos. José de Souza Reis ao escrever seu parecer sobre o assunto utilizando praticamente as mesmas palavras de Lúcio Costa evidencia o peso que as opiniões do arquiteto exerciam nos funcionários do Sphan. Souza Reis quase transcreve o parecer de Lúcio Costa e enfatiza o que condicionaria a aprovação do projeto. “O projeto ora submetido à DPHAN é o mesmo que aqui foi entregue pessoalmente pelo Sr. Tropia. Sobre este já houve informação favorável em princípio, porem com recomendações do Dr. Lúcio Costa quanto à reforma do prédio do Liceu, acompanhadas de um ‘croquis’ elucidativo bem como para um possível rebaixamento do piso do salão. Além disto o Dr. Lúcio Costa condicionou a autorização para o desenvolvimento do projeto e a aprovação definitiva à previsão do ‘efeito da obra acabada, observada daqueles pontos da cidade de onde será visível, bem como do parecer do Dr. Sílvio de Vasconcelos.

O cinema, iniciado em meados de 1956, já estava na fase de acabamento no final desse mesmo ano. Porém, como relata Sylvio de Vasconcellos em carta de 26 de junho de 1958, não foram seguidas as indicações propostas e o telhado assumiu proporções muito volumosas, além de a fachada não ter sido modificada segundo os critérios de Lúcio Costa, mantendo-se os frontões e a platibanda. Procurando resolver o problema, o chefe do 3º Distrito sugeriu “esconder a construção, seja com eucaliptos ou com o levantamento do segundo andar de uma casa vizinha”. Lúcio Costa sugeriu camuflar a cobertura da nova parte construída com “pintura verde-sujo – verde musgo”, além de indicar o plantio de hera nas laterais do cinema e da necessidade de se arborizar a área contígua do prédio, no intuito de se confundir à distância com a paisagem.

A reforma completa da fachada com a substituição da platibanda pelos beirais e a construção do segundo pavimento do prédio vizinho, para esconder o volume do cinema, ocorreram entre dezembro de 1958 e Janeiro de 1959, dentro das obras do Plano Especial de Ouro Preto, como sugerido por Lúcio Costa no parecer de 1958, citado anteriormente. O mesmo aconteceu com o edifício do Banco do Comércio que teve sua fachada totalmente remodelada.

Cinema Villa Rica Ouro Preto / UFOP


Em 1953, a diretoria do Liceu de Artes e Ofícios convoca uma assembléia geral para tratar da dissolução da instituição. O prédio foi a leilão, sendo arrematado por Salvador Trópia que tinha um sonho: ter um cinema. Ele adquiriu o imóvel com a intenção de reformá-lo e instalar ali um cinema.

O Largo do Cinema recebe esse nome logo depois o antigo Liceu de Artes e Ofícios virar cinema em 1957

Salvatore Trópia, que após se instalar no Brasil, ficou conhecido como Salvador Trópia, nasceu na província de Agrigento, Itália, e em 1896, aos cinco anos de edade, desembarcou no Brasil com seus pais Vicenzo Trópia e Rosa Bonsagne Trópia. Apesar de não ter tido oportunidade de estudar e ter uma vida simples, tinha um grande sonho: ter um cinema.  

Tudo começou em 1924, quando comprou uma pequena sala onde exibia filmes mudos, o Cine Central. Alguns membros da família integravam os conjuntos orquestrais que serviam para dar vida aos filmes.

Mais tarde, adquiriu duas casas próximas ao Cine Central, mas os entes do patrimônio não aprovaram o seu projeto. Ele não desistiu e, recebendo a notícia de que o prédio construído em 1886 para abrigar o então Liceu de Artes e Ofícios (de 1886 a 1937) havia sido colocado a leilão, Salvador não pensou duas vezes, arrematou o imóvel já com a intenção de reformá-lo e instalar ali um cinema. Como o prédio era tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), foram necessários anos de negociações, ameaças e brigas, até que finalmente Salvador através de um projeto do arquiteto Lucio Costa conseguiu concluir a reforma.

Esse tipo de ação era justificado pelos técnicos da instituição com a necessidade de restabelecer a marcante linha dos beirais da cidade ou, de forma mais radical, para eliminar o aspecto bastardo daquelas edificações. Este foi o argumento usado para justificar a reforma do Cine Vila Rica em 1957.

O primeiro filme sonoro exibido foi “Rebelião em Vila Rica” de 1958, rodado em Ouro Preto, direção de Renato e Geraldo Santos Pereira.  Sempre contou com grandes lançamentos, como os clássicos: “Reis dos Reis”, “Bem Hur”, “Sissi”, “A Noviça Rebelde” e “E o Vento Levou”, sem contar os faroestes imperdíveis como “O Dólar Furado” e muitos outros, além dos filmes nacionais protagonizados por “Mazaroppi”. A casa sempre lotada, onde os 650 lugares eram poucos para tantos que se enfileiravam nos passeios da frente, nas esquinas do Fórum. Às vezes, nos finais de semana, as três sessões diárias eram insuficientes para tanta gente e era comum depararmos com pessoas assentadas no chão e em pé assistindo ao tão esperado filme.

Dois anos após a inauguração, Salvador Trópia faleceu, mas o cinema continuou pertencendo a família por 27 anos. Com a falta de público, a concorrência da televisão e o baixo poder aquisitivo em 1985 o cinema foi fechado. Em 1986 a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) adquiriu o prédio, mas as obras de restauração demoraram tanto tempo que o MPF (Ministério Público Federal) ajuizou ação civil para condenar a universidade a reparar o imóvel, “sob pena de não ser possível harmonizá-lo ao conjunto arquitetônico e urbanístico geral da cidade”.

A decisão Superior Tribunal de Justiça,  negou recurso do Ministério Público Federal, pois, entendeu que, como a aquisição ocorreu quase 30 anos após a completa descaracterização do prédio, a UFOP não tem obrigação de recriar as características do passado, já há muito inexistente, muito menos destruindo o atual cine teatro que é espaço comunitário de elevado valor cultural para a comunidade e também já faz parte da história do local, merecendo tanto ou mais respeito que o antigo e já inexistente Liceu de Artes e Ofícios.

Porque o Cinema Vila Rica esta fechado?


Em agosto de 2004, a UFOP reabriu, em grande estilo, o Cine Teatro Vila Rica, com equipamentos modernos e programação atual e diversificada.

Em julho de 2016, a Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) anunciou que o Cine Vila Rica seria contemplado pelo programa Minas de Todas as Artes, lançado em agosto de 2015 pela Codemig. Uma iniciativa inédita que pretendia destacar seis eixos prioritários: gastronomia, audiovisual, design, moda, música e novas mídias. A estratégia da ação era fomentar o desenvolvimento de novos negócios que gerem empregos, renda e riquezas para o Estado.

O anúncio oficial desses investimentos concedidos pela Codemig, em parceria com a Secretaria de Cultura, e Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), foram feito durante a 11ª Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOp). As obras não foram iniciadas naquele período e, dois anos mais tarde, em 2018, durante a cerimônia oficial de abertura do Festival de Cinema de Ouro Preto (CineOP), o Governo do Estado anunciou, mais uma vez, a decisão de reformar o prédio. Contudo, as mudanças de governo alteraram pontos dos tratados entre a Ufop, administradora do cinema, e a Codemig, uma vez que, o Governo em transição possuía perspectivas diferentes quanto ao conceito de incentivo à cultura.

Recentemente, a Codemig informou, em nota, que os acordos estavam sendo encerrados. Segundo a coordenadoria da Ufop, em entrevista ao jornal O Tempo, publicada em 19 de junho de 2019, o acordo de cooperação com a Companhia, que previa a exploração comercial do cinema, já estava assinado, porém a gestão atual da Codemig não aceita mais seus termos e “estuda uma nova forma de viabilizar a restauração do equipamento tombado”. As reformas seriam feitas em parceria com a Secretaria de Cultura do Estado, que ainda não deu seu parecer sobre a situação.

Em junho de 2018,  as atividades do Cine Vila Rica passaram a ser realizadas no Anexo do Museu da Inconfidência na Rua Vereador Antônio Pereira, onde acontecem as exposições temporárias de arte contemporânea, a Sala Manuel da Costa Ataíde, um auditório e o laboratório de conservação e restauro. O fechamento do prédio do cinema ocorreu devido a questões de segurança. O acordo foi assinado pela reitora da UFOP, Cláudia Marliére, e pela diretora do Museu da Inconfidência, Deise Cavalcanti Lustosa. O termo tem duração de dois anos e pode ser renovado em caso de necessidade.

A sala na qual os filmes são projetados não possui as características que determinam a estrutura de um cinema, como o declínio do chão, que facilita a visão dos que sentam nas poltronas de trás, a acústica, nem a tela de cinema; os filmes são projetados na parede do auditório. Por isso, o atual cinema improvisado deve ser uma situação temporária que seja resolvida o mais rápido possível, pois a primeira experiência do cinema de muitas crianças e adultos tem sido ambientada em um auditório e não em um cinema. Dessa forma, a revitalização do antigo Cine Vila Rica visa, também, o conforto de seus espectadores e representa a resiliência do cinema e da cultura.

O Cinema Teatro Vila Rica de Ouro Preto; continua fechado

Os motivos do fechamento são as grandes reformas necessárias para manter a integridade do prédio e dos visitantes, como portas de emergências e a troca do telhado.

Política e Barbárie. Burocracia e falta de amor pelo Patrimônio Histórico Brasileiro. O Cinema Teatro Vila Rica de Ouro Preto; continua fechado.

 

fonte:

  • O tardo rococó de Miguel Treguellas – Clara Assunção Ferreira (1)
  • Lúcio Costa em Ouro Preto: a invenção de uma “cidade barroca” – Ezequiel Barel Filho (1)
  • Educação e trabalho para o progresso da nação: o Liceu de Artes e Ofícios de Ouro Preto (1886 – 1946) – Lucílio Luís Silva (3)
  • https://ufop.br/noticias/cine-teatro-vila-rica-comemora-50-anos-e-apresenta-programao-especial
  • https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-08/mostra-de-cinema-de-ouro-preto-sera-virtual-pela-primeira-vez
  • https://artdorestauro.blogspot.com/p/seminarios.html

 

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