A Capela do Bom Jesus da Pobreza é Patrimônio Histórico Nacional tombado pelo IPHAN. Pouco se conhece sobre a construção capela do Bom Jesus da Pobreza além do fato de ter sido aberta ao culto em 1786.
A igreja tem fachada simples, em estilo barroco-rococó, e o interior marcado pela imagem de um Jesus Cristo agonizante em meio a um altar de madeira com pinturas florais coloridas. Ela já sofreu várias intervenções desde a construção, incluindo uma grande reforma nos anos 50.
Neste post vamos conhecer o seu interior e o belíssimo “Natal Iluminado” com projeções na fachada que recriam o espirito natalino na cidade histórica de Tiradentes.
Capela do Bom Jesus da Pobreza
A capela do Bom Jesus é constituída por planta simples, constando de nave única e uma sacristia à direita, com sineira em “puxado” lateral, com dois sinos pequenos. Sua planta tem uma nave única, um retábulo ao fundo e uma sacristia à direita. Sua decoração é da mesma forma singela.
A capela possui decoração simples, com retábulo de madeira e imaginário setecentista, destacando-se a imagem do Bom Jesus, de excelente qualidade escultórica. O retábulo tem uma talha discreta apenas na base do nicho principal, e o restante do volume, do frontal do altar e cimalhas como também das paredes da nave é coberto com pintura floral policroma, realizada por Francisco Cezário Coelho em um estilo popular. O teto do nicho mostra uma imagem do Espírito Santo dentro de uma glória. Dois nichos menores se abrem nas laterais.
O retábulo em madeira lisa, recortada, compõe de nicho central com trono onde se destaca a bela imagem do Bom Jesus e dois pequenos nichos laterais com as imagens setecentistas de Santa Rita e Nossa Senhora do Patrocínio, obras de grande valor, todas do século XVII. A imagem do Bom Jesus Agonizante possui incrustações semelhantes a rubis em forma de gotículas de sangue. Há ainda uma interessante imagem de barro de São Geraldo em barro cru, esculpida por Joaquim Vicente do Carmo nos primeiros anos do século XX. A Capela possui ainda alguns ex-votos, hoje recolhidos à Matriz.
O coro tem um gradil torneado simples. Nos trabalhos integrais de restauração feitos em 2007 se recuperaram as esquadrias originais, da balaustrada do coro.
Na década de 50, o IPHAN empreendeu ampla restauração na capela, que incluiu a substituição do guarda-corpo de cimento das janelas do coro por balaústres de madeira torneada, das telhas marselhesas da cimalha por telhas canal, reconstrução da soleira da porta principal e caiação de branco das paredes internas, encobrindo a decoração floral. Em época mais recente foram feitas outras intervenções no telhado, escada do coro e reforço das taipas das paredes.
A capela possui também em seu acervo uma bela imagem de Nossa Senhora da Conceição esculpida em candeia, madeira pouco usual para escultura. Foi inscrita no Livro de Belas Artes em 27 de janeiro de 1964, por determinação de Rodrigo Melo Franco de Andrade, diretor-geral do IPHAN. Neste mesmo processo, foram inscritas individualmente todas as capelas filiais da Matriz, a saber: Bom Jesus, Nossa Senhora das Mercês, São João Evangelista, São Francisco de Paula e Santíssima Trindade.
Em seu interior também se percebe o despojamento que contrasta com uma elaborada pintura no forro com um painel representando o Pai Eterno no forro, de autoria desconhecida.
Via Sacra
A Capela do Senhor Bom Jesus da Pobreza é ornada desde o ano de 2016 com uma Via Sacra de autoria do pintor Mário Mendonça. O pintor carioca entregou, em missa solene em Tiradentes, a entrega de um conjunto de telas de sua autoria, que representam a via sacra e a ressurreição de Jesus Cristo.
Mário Mendonça confere à capela do Largo das Forras um significado novo no itinerário da visita a Tiradentes, ao promover o diálogo de tempos distintos. Nas paredes laterais, tendo ao fundo o belo retábulo policromado do período colonial, hoje os quadros compõem o acervo da Capela do Bom Jesus da Pobreza.
Os “Rubis” nas Chagas de Cristo. A bela imagem do Cristo Agonizante com olhos de vidro e “rubis” nas chagas.
É comum encontrar referências que dizem que as gotas de sangue sobre imagens de Cristo são incrustadas em rubi. Pesquisas da UFMG revelaram que não se trata da pedra preciosa. Através de microscopia eletrônica com detector de energia dispersiva de raio X (EDS), feita na Escola de Engenharia da UFMG em cerca de 10 cristos dos séculos 18 e 19, que estão em diversas cidades históricas mineiras, foram levantados os materiais químicos presentes.

As “gotas de rubi” apresentaram enxofre (S) e arsênico (AS), que são elementos químicos característicos de um mineral conhecido como ouro-pigmento, devido ter a cor amarelo-ouro. Quando aquecido em tubo de vidro fechado, o ouro-pigmento, ao sublimar (passar diretamente da fase sólida para a gasosa) e, em seguida, resfriar, adquire uma coloração vermelha com brilho resinoso.
Chamados de “rubis” ou “resina vermelha”, na realidade não são nem rubis nem resina. Nossos mestres mineiros dominavam muito bem técnicas europeias que estavam a serviço da arte. Assim, a técnica necessária para dotar essas imagens com gotas de sangue que exaltavam o dramatismo próprio do barroco estava acessível aos artistas da colônia, que produziram um grande número de imagens utilizando essa técnica. Essa técnica era ensinada em um manual português que apresentava “segredos para os ofícios, artes e manufacturas, e para muitos objetos sobre a economia doméstica”, de 1794, editado em Lisboa pela Officina Simão Thadeo Ferreira.
Mapping de Natal
A cidade de Tiradentes, localizada a 190 quilômetros de Belo Horizonte na região do Campo das Vertentes, sabe da sua importância histórica. Dona de um passado colonial preservado em casarões, igrejas e museus e de uma intensa programação cultural ao longo do ano, também foi cenário de um Natal Mágico em 2019 antes da pandemia.
Lançado no dia 1ª de novembro, o Natal Iluminado de Tiradentes foi muito mais do que luzes na praça. A programação, que se estendeu por todos os finais de semana até o dia 25 de dezembro, contou com apresentações artísticas na Praça das Forras e menus especiais nos restaurantes.
Na Praça das Forras, bem no meio do Centro Histórico, a recuperada Igreja de Bom Jesus da Pobreza, feita para atender os homens brancos pobres dos tempos da Colônia e do Império, recebeu na sua fachada uma projeção com imagens e trilha sonora especialmente feita para ela.
Trata-se de videomapping, técnica que consiste na projeção de vídeos em objetos ou superfícies irregulares, produzido pela empresa Pixxfluxx, do Espírito Santo. O show de luzes, cores e sons teve início com Papai Noel dando as boas-vindas aos presentes. Temas diversos complementaram a apresentação, como a história da chegada dos Três Reis Magos, que vieram do Oriente à procura do recém-nascido menino Jesus. Uma bela homenagem foi feita à tradicional Maria Fumaça, uma das principais atrações da cidade.
Até o 25 de dezembro a praça foi palco para apresentações de shows, teatro, corais (como o Coral Entre & Vista) e concertos de bandas. As programações culturais se realizaram durante todos os fins de semana. Já as apresentações de luzes da Igreja de Bom Jesus da Pobreza foram feitas todas as terças e quartas-feiras de novembro.
As representações de Cristo na Cruz ao longo da historia
Durante o desenvolvimento do mundo greco-romano, a arte alternou momentos de maior idealização e de maior realismo. O cristianismo, no princípio, sendo herdeiro dessa tradição, deu início à formação de um repertório iconográfico que, naturalmente, extraía suas referências do universo tardo-romano no qual estava inserido. Considerando essas questões, é possível compreender o contexto geral em que o cristianismo tratava de dar forma às suas crenças. Muitas situações específicas, no entanto, precisavam ser afrontadas, e a crucificação de Cristo apresentava-se como um dos casos mais problemáticos.
Depois que o imperador Constantino, na véspera do embate contra Maxêncio na ponte Mílvia, em 312, teve a famosa visão da cruz, utilizando-a em seguida como estandarte de seu exército durante a batalha, foi inaugurada uma nova fase no processo de aceitação daquele símbolo. Naturalmente, não havia como passar de modo instantâneo de uma fase de ocultação da crucificação para sua franca exposição. Se Cristo havia se sacrificado para redimir os pecados da humanidade e era necessário lembrar aquele gesto, isso, todavia, não deveria ser feito através da visão de seu momento humano de maior agonia.
Cristo triunfante
Os momentos em que as duas naturezas do Cristo (humano e divino) visualmente mais se aproximam são justamente a Anunciação e a crucificação. Mas como é na crucificação que sua forma humana se revela abertamente, esse episódio mostrou-se mais adequado para representar simultaneamente o humano e o divino.
Durante o Concílio Quinissexto, em 692, seria aprovada a recomendação para que Cristo fosse representado sob sua forma humana e não mais simbolicamente através do cordeiro. De todo modo, assim procedendo, a Igreja não fazia mais do que institucionalizar uma prática já difundida.
Nos séculos subsequentes, Cristo tem seus olhos abertos. Os olhos abertos querem, portanto, dizer algo. Efetivamente, é o triunfo sobre a morte que aqui está representado, o momento em que o homem Jesus transcende a morte para revelar-se divino. Representações como essa acabariam por se tornar a regra entre os séculos VII e XI.
Cristo morto

Em meados do século XI, novamente se discutia sobre como era possível que do corpo de Cristo, depois de sua morte, ainda pudesse jorrar água e sangue como atestado por João. Quando se reconheceu que o corpo de Cristo, mesmo depois da morte, ainda possuía circulação, também se reconheceu que se tratava de algo extraordinário cuja explicação apenas podia ser encontrada em sua essência sobrenatural. Assim, daquele momento em diante e com apoio nesse princípio, Cristo pôde ser representado morto sobre a cruz.

Esse tipo de representação, em que muitas vezes, tanto o sangue quanto a água são visíveis, acabaria por se revelar extremamente adequado aos interesses dos franciscanos e dominicanos. Assim, a partir do século XIII, o Cristo Crucificado representado desse modo, conhecido como Christus patiens, tornou-se comum também em solo italiano, não mais dependendo de modelos gregos introduzidos, por exemplo, através de Veneza.
Pensava-se que, para melhor compreender o sacrifício de Cristo, era preciso refazer cada momento de seu martírio. Daí a importância de se relembrar os passos da Paixão. É como se a dimensão do sacrifício de Cristo pudesse ser melhor avaliada e assimilada quanto maior fosse a dor representada.

Algumas vezes, no entanto, podia ter os olhos semicerrados ou com os olhos abertos e dirigidos para baixo, como se o artista que o fez quisesse desesperadamente garantir que, mesmo depois da morte, Cristo continuaria sua conversação com os fiéis. Em todos esses casos, tratava-se sempre de um recurso empregado para comover e converter os espectadores, e assim os crentes ainda podiam alimentar a esperança de vê-lo, como seu último gesto humano, dirigir-lhes o olhar.
Cristo de olhar assimétrico
Na cidade de Congonhas (Minas Gerais), depositada no sepulcro junto ao altar-mor do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, encontra-se uma escultura de um Cristo trazida de Portugal no século XVIII. Essa figura, de braços articulados, originalmente estava pregada à cruz e, o que é ainda mais notável, apresentava uma inusitada característica no olhar: tinha um olho fixado no infinito e outro voltado para baixo, algo tão incomum que acabou motivando sua correção. Assim, o Bom Jesus de Matosinhos que ali hoje se vê, na imagem primitiva do Santuário de Congonhas, o olhar divergente foi “corrigido” e descaracterizado numa repintura de meados do século passado que não compreendeu o sentido original da imagem.
Algumas esculturas setecentistas do Cristo de Matosinhos em Minas Gerais reproduzem com fidelidade essas características no olhar, entre outras, as das igrejas de Itabirito, Serro, Santo Antônio de Pirapetinga e a que foi executada pelo Aleijadinho para a Capela do Bom Jesus em Ouro Preto, atualmente no Museu de Antônio Dias.
Cristo agonizante

A angústia vivenciada pelo Cristo durante a crucificação foi revelada em sua forma mais plena por Michelangelo desenho, executado entre 1538 e 1541. Em um desenho preparatório para uma pintura destinada a Vittoria Colonna, o artista representou Cristo ainda vivo, olhando para o céu, com o corpo contorcido e ladeado por anjos em prantos.
Nem a Virgem ou João ou qualquer outro personagem presencia a cena, apenas uma caveira repousa ao pé da cruz, referência à vitória de Jesus sobre a morte e ao mito, proveniente da Legenda Áurea, segundo o qual, no momento do enterro de Adão, plantou-se sobre seu túmulo um ramo do qual brotou a árvore que seria empregada para a construção da cruz.
Michelangelo conferiu a seu Cristo agonizante na cruz as feições uma imagem mais apta à comoção dos fiéis. O fato é que, a partir desse momento, de Rembrandt a van Dyck, de El Greco a Zurbarán, inúmeros foram os artistas que optaram por esse caminho.
Se, cronologicamente, as representações da crucificação de Cristo seguiram uma ordem que vai da cruz simbólica para a imagem de Cristo triunfante, do Cristo morto para o Cristo agonizante é preciso reconhecer que cada época criou ou adotou a imagem da crucificação que melhor atendia às suas necessidades e convicções e que através do tempo foi evolucionando.
Fuente:
- https://turismodeminas.com.br/cidades/tiradentes/
- http://portal.iphan.gov.br/ (1)
- RAGAZZI, A. De olhos abertos, de olhos fechados: passado e presente da iconografia do Cristo crucificado. MODOS. Revista de História da Arte. Campinas, v.4, n.2, p. 144-161, mai. 2020 (2)
- Fotos Mapping, Credito: Glória Tupinambás