Teatro Municipal de Ouro Preto – Parte I: A Casa da Ópera

A Casa da Ópera de Vila Rica, é o Teatro Municipal de Ouro Preto, que ostenta, segundo a tradição, o título de mais antiga casa de espetáculos em funcionamento da América do Sul e entrou até para o Guinness Book devido a essa condição.

Preserva a construção original, que demorou de 1745 a 1770 para ficar pronta. A simples fachada externa esconde o interior que remete aos tempos glamorosos do império, quando Ouro Preto era chamada de Vila Rica e o Brasil ainda era colônia de Portugal.

A casa de espetáculo traz também no seu histórico o fato de ter sido o primeiro teatro onde mulheres pisaram em um palco no Brasil.

Teatro Municipal de Ouro Preto


Erguido no Largo do Carmo, no Centro Histórico, reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade, a Casa de Ópera tem formato de lira, sendo um dos poucos teatros no mundo que recriam o instrumento símbolo do nascimento da ópera.

A Casa da Ópera, Teatro Municipal de Ouro Preto (MG)

O teatro segue o modelo dos teatros públicos construídos em Portugal ao longo do século XVIII, conhecidos como teatros-corredores. Ao contrário dos teatros italianos, os teatros portugueses eram muito mais compridos, porque aproveitavam o máximo dos terrenos onde eram construídos. O formato de lira era muito utilizado nos teatros de raiz italiana, que eram ou em ferradura, ou em “U”, ou em lira. Contudo, a aclimatação do modelo italiano às condições disponíveis em Portugal e, por conseguinte, em suas colónias, fez com que o formato de lira não fosse tão utilizado como nos teatros italianos. Não é uma solução única, mas é pouco habitual nos teatros públicos luso-brasileiros.

O estilo do Teatro Municipal de Ouro Preto é o chamado luso-brasileiro

Possui uma fachada singela, lembrando a austeridade da arquitetura da época. A construção apresenta empena frontal, de vaga inspiração neoclássica, em contraste com aberturas em arco abatido, de tradição barroca, e elementos medievalizantes, óculo quadrilobado e arcaturas, acompanhando a cornija da empena. Essa aparência de estilo eclético, provavelmente foi adquirida durante sua reforma e remodelação interna, ocorridas em 1882.

Ao longo de sua história, inúmeras reformas aconteceram, sendo a mais significativa em 1882, quando a estrutura das quatro ordens de camarotes foi também alterada, adquirindo a forma de ferradura e recebendo piso em declive. Todas essas modificações visaram a adaptá- lo às exigências de conforto dos usuários do século XIX.

A fachada


Com fachada singular, possui espessas paredes de pedra e frontão triangular detalhado por elementos simbólicos esculpidos em pedra.

 

O hall de entrada prepara o visitante para a surpresa do magnífico espaço interno. Três pisos distintos, nos quais se distribuem platéia, camarotes, frisas e galerias, totalizam 300 lugares.

Escadas helicoidais em madeira levam à galeria no último piso. Escadas laterais levam ao primeiro piso, onde está platéia e frisas. O piso de entrada dá acesso ao nobre camarote, com sofá e cadeiras austríacas.

Estruturas trabalhadas em ferro, pinturas descobertas em restauração recente e pequenas adaptações são intervenções posteriores à época de construção que não representam alteração significativa no espaço original.

Com acústica perfeita, está entre as grandes paixões de cantores líricos e pesquisadores da obra, tanto pela beleza como pela longevidade.

A acústica da Casa da Ópera é realmente fantástica. São vários os fatores que contribuem para tal, como a forma contracurvada da sala, os revestimentos em madeira, a leve inclinação do palco em direção ao fosso, que também está relacionada com a cenografia então utilizada. É importante lembrar que, ainda que não saibamos quem foi o autor do projeto, foi sem dúvida alguém que conhecia perfeitamente os tratados de arquitetura teatral impressos na Europa ao longo dos séculos XVII e XVIII.

Importância do teatro na antiga Vila Rica


Os teatros públicos no século XVIII desempenhavam um papel fundamental na vida social e política da sociedade. No caso de Vila Rica, o teatro era um dos poucos lugares de sociabilidade fora do âmbito religioso, onde as personalidades mais importantes da cidade poderiam dividir o mesmo teto com as pessoas comuns.

Vila Rica em 1770 contava com uma sociedade muito diversificada, havia um grande número de intelectuais, quase todos bacharéis pela Universidade de Coimbra em Portugal, que estavam no auge de sua produção literária. Os artistas e artífices, cuja maioria absoluta era composta por mulatos e negros, apesar de não terem tanta mobilidade, estavam perfeitamente conscientes das inovações estéticas produzidas no Velho Continente.

É notório o talento dos músicos provenientes da capitania de Minas Gerais. A capitania passava por um momento de grave crise econômica devido à diminuição nas jazidas de ouro, mas é precisamente em momentos de crise que se produziram algumas das mais importantes obras de arte da humanidade, e, em Minas Gerais, não foi diferente. Alguns dos nossos melhores compositores estiveram em atividade precisamente no último quartel do século XVIII e princípios do século XIX.
Embora pareça que o objetivo dos colonizadores fosse a exploração das riquezas do país, houve, também, preocupação com o aspecto cultural, não só na Corte, mas em quase todas as vilas. Esse fato não foi diferente em Vila Rica, fundada em 1711. O ouro abundante propiciou um progresso jamais visto no interior do Brasil, transformando Vila Rica na maior cidade das Américas. A produção cultural era tão profícua quanto a aurífera na Capital das Minas Gerais.

Aos espectadores ilustres eram reservados os camarotes, e as pessoas de menor prestígio social ficavam na plateia. Há relatos de viajantes que dizem que a plateia era ocupada por pessoas de capotes, um tipo de vestimenta muito mal-visto pela sociedade da época.

Os escravos dos “figurões” também assistiam às representações do último andar de camarotes, já que eles tinham que esperar pelos senhores para escoltá-los de volta casa. Ou seja, a Casa da Ópera era um microcosmo da sociedade setecentista. Também é importante lembrar que os teatros públicos, apesar de não contarem com subsídios do governo (a Casa da Ópera de Ouro Preto era um bem particular do rico coronel João de Souza Lisboa), eram amplamente incentivados pela Coroa, que os considerava uma “escola pública” onde os povos aprendem as máximas mais sãs da política, da moral, do amor à pátria, do valor, zelo e fidelidade com que devem servir seus soberanos. Ou seja, o teatro não só era um meio de entretenimento, como também um poderoso instrumento de afirmação do poder régio no ultramar.

O mecenas: João de Souza Lisboa


Em 1769/1770 na Rua Santa Quitéria, inaugurava-se a Casa da Ópera de Vila Rica. João de Souza Lisboa, construtor e proprietário da obra, também o Contratador dos reais quintos e entradas, foi apoiado pelo Conde de Valadares, governador da Capitania, e por Cláudio Manoel da Costa, Secretário de Governo.

A inauguração em 6 de julho de 1770 foi em homenagem ao aniversário do então rei de Portugal, D. José I (1714-1777)

Mas é importante lembrar que esse não foi o primeiro teatro permanente construído na antiga Vila Rica. Há documentos relativos a um teatro que funcionou ainda na primeira metade do século XVIII, cuja atividade foi interrompida em 1751. O Brasil conta ainda com dois importantes teatros dos tempos coloniais, o Teatro Arthur Azevedo, de São Luiz do Maranhão (1815) e o Teatro Municipal de Sabará (1819).

Contudo a Casa da Ópera de Ouro Preto é o único teatro setecentista ainda preservado e em atividade, sendo ainda mais antigo que o principal teatro de Lisboa ainda existente, o Teatro São Carlos, inaugurado em 1793.

O teatro foi construído pelo coronel João de Souza Lisboa, com provável projeto arquitetônico de Mateus Garcia, seguindo as linhas do barroco italiano desaparecidas na mudança da fachada em 1861. Há uma série de curiosidades de bastidores. Na época, apenas os homens podiam subir ao palco e faziam também os papéis femininos, travestidos, mas a Casa da Ópera quebrou esta tradição. Há registros de mulheres em cena, embora a rainha dona Maria I proibisse tal prática.

No final do século 18 e início do 19, Ouro Preto era uma cidade efervescente, com vida cultural muito ativa e os textos eram apresentados em português e traduzidos de peças de Molière (1622-1673), Calderón de La Barca (1600-1681) e outros autores europeus. O poeta Cláudio Manoel da Costa (1729-1789) colaborou para o surgimento da Casa da Ópera e em seus primeiros anos de funcionamento foi um dos assinantes dos camarotes, bem como outros participantes da Inconfidência Mineira. Por falta de espaços públicos disponíveis naquela época, o teatro acabou se tornando um ponto de encontro dos simpatizantes do movimento com os inconfidentes, que usavam também o local para recitar seus poemas.

No Período Barroco, a teatralidade era elemento de forte presença no cotidiano. Toda festa mineira era sempre um grande espetáculo e o teatro o meio mais adequado para expressar a pompa, opulência e glória dessa poderosa sociedade setecentista.
Casas de ópera existiram em quase todas as cidades da Minas barroca, mas a Casa da ópera de Vila Rica se diferenciou das demais. João de Souza Lisboa preocupou-se em formar bom elenco de artistas, trazidos de diversas cidades. No ano de inauguração, introduziu duas atrizes, revolucionando a moral da época que não admitia mulheres no palco. A partir daí, elencos mistos encarregavam-se das temporadas em Vila Rica.

Nos oito anos de sua administração, Souza Lisboa movimentou a Casa da Ópera de Vila Rica com repertório extenso, incluindo óperas e oratórios. Cláudio Manoel da Costa foi sem dúvida um dramaturgo que muito contribuiu para o sucesso da Casa. Em suas correspondências, Souza Lisboa, cita o drama São Bernardo e as traduções de José Reconhecido e Alex na Índia, de Metastásio, ambos de autoria do poeta inconfidente.

A partir da segunda década do século XIX, intensa programação reuniu famosos artistas brasileiros e estrangeiros, que aqui apresentarem variados textos da literatura teatral, entre eles, Escola de Maridos, de Molière. Nesta época, a Companhia da Casa da ópera era composta por 20 atores, entre homens e mulheres que atuavam ao lado de uma orquestra de 16 músicos. Durante 1811, 45 peças foram apresentadas.

Em 1778, com a morte de seu fundador, a Casa da Ópera passou por sua primeira crise, ressurgindo, oito anos depois, nas festas dos desposórios do infante D. João, com três noites de ópera. A partir daí, a Casa da Ópera viveu altos e baixos, sem nunca deixar de funcionar.

No período de 1817 a 1820, o teatro passa por sua primeira reforma, consolidando- se como o centro cultural da sociedade, que o lotava semanalmente. Em 1882, o governo provincial planeja a construção de um novo teatro, mais digno de uma Capital. Segundo o governador que estava deixando o cargo, Francisco Diogo Pereira de Vasconcelos, o próximo governador, Herculano Ferreira Penna, deveria prover a Capital de uma casa de espetáculos maior e mais confortável, já que o antigo teatro estaria a desabar.

No porão, existem ainda camarins e sala de recepção para artistas e técnicos. 

A partir do fim do século 19, os costumes se modificam e a chegada do cinema provoca redução da frequência nos teatros. No entanto a Casa da Ópera se mantém fiel a seu papel de espaço de representação privilegiado e palco de eventos da maior importância na história artístico-cultural da cidade que foi capital mineira até 1897. Ao entrar no “teatrinho barroco”, como é afetuosamente chamado o Teatro Municipal de Ouro Preto, pode-se sentir a ambiência barroca que remete aos seus espetáculos inaugurais e perceber que se trata de um monumento de grande valor histórico, arquitetônico e artístico, um raro e admirável integrante do conjunto urbano reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Vistas Panorâmicas

O fundo do Teatro oferece incríveis vistas da cidade de Ouro Preto, um lugar ideal para os amantes da fotografia.

Ao contrário de outros teatros do Brasil, que são equipamentos públicos e têm uma atividade programada pela autarquia local, que também têm o seu valor, o Teatro de Ouro Preto sempre funcionou porque os artistas da cidade não o deixaram morrer, com ou sem o apoio da prefeitura. O teatro passou por um momento difícil na década de 1830 devido a um problema que envolvia os herdeiros do coronel Souza Lisboa e que se arrastava por anos. Foi um grupo de artistas da cidade, a União Dramática Ouropretana, que lutou por décadas para conseguir os fundos para restaurá-lo e acabou conseguindo.

 

fonte:

  • A restauração do Teatro Municipal de Ouro Preto(MG)Elisângela Rodrigues da Silva Araújo, Klaydson D. Lopes França, Ernani Carlos de Araújo, Henor Artur de Souza (1)
  • https://www.otempo.com.br – entrevista Rosana Marreco Brescia, pesquisadora e musicista (2)
  • https://www.ouropreto.mg.gov.br/
  • http://portal.iphan.gov.br/

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