Sendo São Jose (pai de Jesus) de profissão carpinteiro foi o santo patrono preferido dos artistas e artesãos. Em muitas regiões de Brasil as irmandades de São Jose adicionavam a seu nome o termo “dos quatro ofícios” a saber: carpinteiros, pedreiros, marceneiros e tanoeiros. Mas os ofícios no total foram muitos mais: oficiais mecânicos, artistas liberais (pintor ou músico), professores de primeiras letras, boticários, etc. Em Ouro Preto esta igreja foi denominada obviamente como a “Capela dos Artistas”. Mas quando lemos em detalhe a denominação completa desta irmandade reparamos vários termos que neste post vamos revelar: Irmandade de São José dos Homens Pardos e Bem Casados e Músicos de Santa Cecília … Como e bem conhecido Santa Cecilia e Padroeira dos Músicos … mas porque Homens Pardos? … porque Bem Casados?
Igreja de São José, em Ouro Preto
A igreja fica localizada em Ouro Preto, uma cidade com a malha urbana densa e de pequenos quarteirões irregulares típico da formação urbana Portuguesa adotada no Brasil (que por necessidade adapta-se os acidentes do terreno). Ela fica entre duas vias importantes: a avenida José Alves de Castro e Rua Antônio Leitão de Mendonça, circundada por residências e muita vegetação.

A devoção a São José é muito antiga, mas o culto litúrgico é do século 15, quando o Papa Gregório XV, em 1621, escolheu a data de 19 de março para a celebração de sua festa. No Brasil colonial, esse culto se desenvolveria em Minas Gerais criando verdadeiras raízes de fé.
A construção do Templo
A capela, começou a ser construída em 1730 e só foi concluída após 1811, e recebeu em seu recinto um extrato social que não era escrava, mas também não era branca, pessoas que buscavam sua identidade. Assim sendo, São José constitui o primeiro templo das gentes de cor em Vila Rica, decorrente do esforço pioneiro daqueles devotos.

A composição social e racial dos irmãos de Irmandade de São José já se encontrava constituída antes de 1726 dentro da Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Vila Rica, em cujo recinto os confrades veneravam a imagem do seu patriarca. Posteriormente, passou a se reunir administrativamente e a praticar os atos piedosos na Igreja Matriz Nossa Senhora do Pilar até a edificação da capela própria concedido pelo Senado da Câmara de Vila Rica.
Eles receberam uma provisão para construção de uma capela própria, erguida à base de madeira, doada também pela Câmara. No ano seguinte (1727), a irmandade redigiu seu primeiro compromisso, elegendo a primeira mesa administrativa e os primeiros confrades oficiais, embora seus estatutos só tenham sido confirmados em 1730, por Dom frei Antônio de Guadalupe, bispo do Rio de Janeiro.
Como não foram preservados os livros de atas e de termos e deliberações, assim como os de recibos, cujos lançamentos haviam sido feitos na primeira metade do século XVIII, não é possível obter informações acerca dos oficiais mecânicos e artistas liberais que trabalharam no projeto de construção e ornamentação da capela primitiva.
Esta era provavelmente muito rústica, tendo se deteriorado rapidamente, pois, por volta de 1744 os irmãos de São José cogitavam a reconstrução do templo, o que se verifica através de petição enviada a D. João V, solicitando confirmação do terreno concedido pela Câmara.
Em sua reconstrução, a Capela ganhou uma nova fachada, com sacada de balaústre e torre única. Pedras de cantaria ornamentaram os ângulos laterais inferiores do frontispício, cujas características estilísticas são ímpares na arquitetura mineira colonial. No projeto de reconstrução do templo trabalharam diversos confrades da Confraria de São José.
O risco da Igreja foi encomendado em 1746, e tem autoria de Francisco Branco de Barros Barriga ao preço de 34 oitavas de ouro. O fato é que tal risco não teria sido muito completo ou satisfatório, pois apareceram outros projetos posteriormente.
As obras de arrematação foram contratadas ao experiente mestre construtor e empreiteiro José Pereira dos Santos, mas parecem ter tido início efetivo em 1753, conforme a data do primeiro recibo a ele concedido. Como indica o último recibo concedido a José Pereira dos Santos, a nave foi concluída por volta de 1759, iniciando-se no ano seguinte a construção da capela-mor e sacristia, arrematada por Antônio Rodrigues Falcato, cujas obras se estenderiam até 1764.
Em 1761, foi concedida a bênção da igreja, data também da visita canônica, supondo-se que as obras deviam então estar bem adiantadas já que a visita veio atender um pedido antigo da Irmandade.
Em 1772, Aleijadinho foi contratado pela Irmandade para executar os riscos da torre (que não chegou a ser executado), e o risco do retábulo da capela-mor, cuja obra de talha foi realizada por Lourenço Rodrigues de Sousa entre 1775 e 1778, entalhador que residia na Paróquia de Antônio Dias. Essa se trata da primeira obra (risco) documentada de Aleijadinho no campo da talha.
Finalmente foi contratada a pintura do forro da capela-mor, obra de Manuel Ribeiro Rosa, executada no período 1779-1783.
Executados por vários pintores entre os anos de 1782 a 1818, já aparecem trabalhos de retoque na pintura da capela-mor. Esse trabalho foi executado por Francisco Fernandes de Carvalho, conforme atestam recibos dos anos de 1815 e 1817.
Em 1885 foi contratado Ângelo Clerici, para o douramento e pintura da capela-mor. No ano de 1889, foi contratado Antônio Claudino, para o conserto do teto da igreja, do arco-cruzeiro e dos quatro altares laterais. Nessa ocasião, foi adquirido o tapa vento envidraçado da entrada da nave.
A Fachada
Só no início do século 19 eram executadas as obras do frontispício, cujo projeto foi elaborado por João Machado de Souza em 1801. A portada para frente, sobre um plano, está enquadrado de pilastras de pedra e com cantos arredondados onde foram colocadas falsas janelas. Sobre essa espécie de nártex existe um terraço, com balaustrada.

No frontispício, a cimalha, à altura do segundo pavimento, parece ter sido modificada, uma vez que não inclui as mesmas molduras apuradas da fachada lateral. O frontispício atual é uma construção de princípios do século XIX, iniciada em 1810 por Miguel Moreira e concluída no período 1828-1829 por José Veloso Carmo e segundo parece, obedeceu ao risco executado em 1801 por João Machado de Sousa e não ao risco do Aleijadinho de 1772.
Interessante observar que o dito José Veloso, ativo entre 1790 e 1838 em Vila Rica, e sócio do construtor José Ribeiro Carvalhais, fora vereador, coronel, além de possuir inúmeros escravos. Portanto, distinguia-se como administrador de relevantes empreitadas, sempre envolvendo grandes recursos, e não como oficial mecânico.
A Igreja segue os padrões da 3ª fase do barroco mineiro, também conhecido como fase rococó ou Dom José I, que perdurou entre 1760 à 1840. A Igreja de São José filia-se ao partido adotado pela arquitetura religiosa mineira na segunda metade do século XVIII, dividido em nave, capela-mor e sacristia, com acesso pelos corredores ao longo da capela-mor. Ela tem uma planta em forma de cruz de malta, e a fachada principal composta por um campanário central, formando a tríade com dois pináculos postos sobre os pilares laterais à edificação, e com cemitério ao fundo.
Em reunião da mesa da Irmandade, em 21 de setembro de 1799, ficou decidido dotar a fachada de São José de uma única torre central, o que acarretou modificações no projeto original que previa a construção de duas torres.
A originalidade reside na torre única, a qual emerge do terraço que a circunda, situado ao nível do segundo pavimento, inaugurando um partido absolutamente singular entre os frontispícios das construções religiosas do período. Desde o interior, observa-se com visível nitidez a diversidade de tratamento empregado a partir do nível do coro, o que vem comprovar as sucessivas etapas de construção. Neste, as pilastras que os suportam são de massa, e desse nível para cima em cantaria.
A fachada permaneceu a mesma até 1856, quando a irmandade decidiu reformá-la. Pedras foram trazidas do Pico do Itacolomi para os cunhais da torre e os enquadramentos das janelas. Também o novo telhado foi executado.
O Imperador D. Pedro II concedeu-lhe o título de Capela Imperial, em 1889. Quando o Brasil se tornou República, as Armas do Império, que ficavam na portada e no trono do retábulo-mor da igreja, foram retiradas e atualmente encontram-se guardadas na sacristia.
O medalhão central emoldurado em quadro móvel foi doado a Helvécio Gomes de Oliveira, arcebispo de Mariana e encontra-se numa das salas do Seminário Maior da Arquidiocese.
No decorrer do século XIX o cemitério foi ampliado, onde foi enterrado Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, romancista, poeta, autor do livro A Escrava Isaura (1875). A obra conta as agruras de uma bela escrava branca que vivia em uma fazenda na região norte do Estado do Rio de Janeiro. O romance foi levado à tela da Rede Globo de Televisão em 1976 (versão que foi exportada para cerca de 150 países) e à da Rede Record em 2004.
O livro de Bernardo Guimarães mais bem aceito pela crítica é O Seminarista (1872). Conta a história de um fazendeiro de Minas Gerais que obriga o seu filho a ser padre obra que permanece atual porque questiona o celibato dos padres.
Em 1866, é nomeado professor de retórica e poética do Liceu Mineiro, de Ouro Preto. Em 1867, casa-se com 42 anos de idade. Em 1873, leciona latim e francês em Queluz (Minas Gerais). Poucos anos depois retornou para Ouro Preto. Em 1881, é homenageado pelo imperador Dom Pedro II. Morre pobre em 10 de março de 1884.
A Irmandade de São José dos Homens Pardos e Bem Casados
A Confraria de São José dos Bem Casados, ereta por volta de meados da segunda década do século XVIII, consiste na primeira irmandade a reunir homens pardos em Vila Rica. Apenas uma associação religiosa de mestiços antecedeu o advento da confraria dos pardos: a Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, congregação de mulatos criada em 1721.
Se distinguem as irmandades “de devoção” (ou seja, sem vida administrativa), das “de obrigação” (isto é, com vida administrativa regulamentada em compromisso entre confrades). Desta forma, a Confraria de São José dos Bem Casados dos Homens Pardos de Vila Rica, tornou-se uma irmandade “de compromisso” apenas a partir de 1727, quando foi reunida a primeira mesa administrativa. 1727 ainda marca a trasladação da irmandade da Matriz de Antônio Dias para a Paróquia do Pilar, em virtude da doação de terreno pelo Senado da Câmara para a construção de uma capela dedicada ao seu orago de devoção, no Morro de São Sebastião.
Tanto as irmandades de compromisso quanto as de devoção conseguiam licenças régias para pedir esmolas para custeio de festas dos padroeiros respectivos, confecção de altares e até reedificação da capela em que estavam alojadas. Para isso, as agremiações providenciavam a fatura de pequenos pratos (bacias) de prata ou mesmo de latão e de uma caixinha com a representação pictórica ou em talha daquela invocação, objetos próprios para o ato de esmolar, denominados caixinhas de ermitão, de esmoler ou de esmolar.
A Capela de São José aglutinou devoções muito veneradas pelo grupo étnico dos crioulos e pardos; contudo, destas, apenas São José consistia em irmandade institucionalizada, enquanto as demais localizadas nos altares laterais (Nossa Senhora do Parto, Guadalupe e Santa Cecília) não passavam de irmandades de devoção, embora até possuíssem documentação, altar e imagem própria.
No seio das irmandades leigas, principalmente as pobres, existia o costume de se permutar trabalho artístico e artesanal por taxas de entradas e anuidades. Dessa forma, o irmão saldava seu débito com a irmandade trocando por um valor correspondente em mão de obra laboral ou musical. É possível encontrar permuta de dívida por música, celebração de missa, encarnação e douramento de obras, etc.
A mesa diretora de São José chegou a conclamar seus irmãos devedores para que saldassem os débitos, trabalhando naquele canteiro de obras. Era uma estratégia bastante cômoda para solucionar os impasses e as dificuldades financeiras e estimular o ingresso de novos associados, em uma sociedade movida pelo crédito, cujas dívidas muitas vezes eram quitadas apenas na morte do filiado, por seu testamenteiro ou herdeiros. Por outro lado, se a confraria devesse ao irmão por obras que ele já fizera, elas seriam cobradas mais cedo ou mais tarde, ainda que fosse por meio da justiça.
O porquê da expressão “Homens Pardos”
As dinâmicas de mestiçagens no novo mundo deram origem a uma ampla gama de termos que categorizavam os indivíduos como: mameluco, pardo, crioulo, índio, branco, negro, cabra, caboclo, bastardo, entre outros tantos termos. Além de apenas uma escala hierárquica simbólica, a classificação que lhes era declarada estabelecia a forma como viveriam até o fim de seus dias, ou como as pessoas à sua volta permitiriam que vivessem.
Durante o século XVIII, as categorias sociais estavam se formando na sociedade colonial mineira e se consolidava uma sociedade que naturalizava e legitimava as desigualdades sociais.
Tratar o problema da diferenciação social em Minas colonial envolve a compreensão de uma dinâmica baseada numa cultura “estamental” portuguesa de Antigo Regime, em que o estatuto de pureza de sangue constituía um critério de diferenciação social dos mais importantes. A pureza de sangue foi imposta pela igreja e pelas ordens religiosas brancas da colônia e, aos pardos, negros e escravos, foi permitida a criação de suas próprias irmandades.
Em uma sociedade escravista ativa, a mudança da condição social de certos indivíduos era comum, como a nova condição de forro para qual passava um escravo ao ganhar sua alforria. Neste contexto, pardo passou a indicar um afastamento do passado escravo. Nessa nova concepção, pardo se referia aos nascidos de escravos libertos, ou seja, a primeira geração de descendentes de escravos nascida livre no Brasil. Sob essa ótica, cunhou-se a categoria social pardo livre, o que os afastava ainda mais dos reflexos da vida em cativeiro. Essa nova geração caminhava a passos lentos para esquivar-se das marcas deixadas pela escravidão, lutando contra as restrições civis que este passado implicava.
Fruto da miscigenação, tanto pardos quanto mulatos são filhos de brancos com negros, possuidores de um tom de pele entre o branco e o preto. De acordo com Pessoa (2013), o que determinava a utilização de determinado identificador era o comportamento do sujeito em sociedade. Aqueles que se comportassem de modo reprovável seriam classificados como mulatos, enquanto os que se comportavam de modo digno seriam qualificados como pardos.
Em suma, as três significações encontradas para a lexia pardo foram: a primeira para designar uma pigmentação de pele mais clara, entre branco e preto; a segunda para indicar uma nova geração de descendentes de escravos nascidos livres no Brasil e a terceira como um diferenciador social, caracterizando os filhos de brancos com negros de boa índole e comportamento digno.
Importante observar que a irmandade de São José se autodenomina como associação de “homens pardos” e não de homens mulatos, livrando-se assim de qualquer mácula social. A mobilidade social acontecia se estivesse aliada a outros predicados, como dominar um ofício mecânico ou relacionado às artes liberais, ser alfabetizado, ter conduta honrada ou mesmo contar com apadrinhamento e amigos influentes.
Ao se aglutinarem em confrarias, Vila Rica vivia um surto de irmandades de crioulos e pardos iniciado com a Irmandade da Boa Morte em 1725 (situada Matriz da Conceição de Antônio Dias), aqueles mestiços buscavam a proteção de vivências e valores que lhe eram comuns, que criavam e retroalimentavam a identidade daquele grupo social, geralmente composto de indivíduos alforriados. É bom esclarecer que as irmandades do Rosário dos Pretos atraiam preferencialmente escravos de etnias africanas, os brancos pobres ou até aqueles verdadeiramente ricos (os irmãos beneméritos), sem restrição étnica ou de condição social, enquanto as agremiações de Nossa Senhora das Mercês, da Boa Morte, de São Francisco de Paula, aceitavam em seus quadros os negros nascidos na América (crioulos), alforriados ou ainda no cativeiro. Os crioulos, por sua vez tendiam a se aproximar dos pardos, como uma estratégia inclusive de abrandar os estigmas do cativeiro.
No conjunto das irmandades negras e de mestiços os dois gêneros (masculino e feminino) se faziam representar, com uma tendência decisiva à filiação das mulheres na segunda metade do século XVIII, diferentemente daquelas associações típicas das igrejas paroquiais, como as irmandades do Santíssimo Sacramento, de São Miguel e Almas e do Senhor dos Passos, em que a mulher estaria presente se estivesse sob a proteção do pai ou do marido agremiados.
No recinto da Capela de São José apareceram outras irmandades de mestiços, como a Confraria do Cordão de São Francisco, que desapareceu precocemente na sede da Capitania. A outra irmandade foi a de Nossa Senhora das Mercês erigida em 1740, que, entretanto, no final dessa mesma década, teve uma cisão interna, resultando em duas agremiações, a saber, Mercês e Misericórdia e a de Mercês e Perdões. Esta última saiu imediatamente da Capela São José, instalando em capela doada pelo padre José Fernandes Leite situado detrás da Igreja São Francisco de Assis (Igreja popularmente denominada Mercês de Baixo).
Por sua vez, os irmãos de Mercês e Misericórdia se mantiveram até 1771 no recinto de São José, dali saindo após conflitos para edificarem capela própria próxima à Praça Tiradentes na frente do Palácio dos Governadores.
O termo ‘pardo’ é adotado nos censos oficiais nacionais brasileiros, o primeiro em 1872. Foi substituído por ‘mestiço’ no censo de 1890, retornando no censo de 1940 e permanecendo até os dias atuais. No censo de 2010, 43,1% dos brasileiros se auto-declararam pardos.
O porquê da expressão “Bem Casados”
Assim sendo, São José se destaca como uma irmandade de “homens pardos”, não quaisquer uns, mas aqueles pardos zelosos que escaparam às uniões consensuais corriqueiras ao período colonial, vivendo segundo o sacramento do matrimônio, daí o título “Irmandade de São José dos Homens Pardos ou Bem Casados”. Trata-se de uma visão reformada, segundo o Concílio Tridentino (1545-1563); portanto, o patriarca São José é colocado como protetor dos pardos que constituíram família segundo a doutrina cristã, daí a expressão “bem casados”, tema que é reiterado na pintura do painel central da capela-mor, sob guarda do Museu Arquidiocesano de Mariana.

Em 1734, o Conselho Ultramarino informava ao rei sobre os muitos inconvenientes que se acham nos casamentos que se fazem nessas Minas de brancos com as negras, sugerindo então à Coroa a imposição de restrições, proibindo que os brancos contraiam matrimônio com os mulatos para que basta a justa causa de não infeccionarem as famílias, demonstrando claramente o quão inviável era o estabelecimento de laços matrimoniais de brancos com negras ou mestiças, por considerar eles de qualidade inferior.
Mesmo sendo o matrimônio em si de fato incentivado pelas autoridades civis e eclesiásticas, mas com a restrição de ser entre pessoas de qualidades iguais, e também exercido por alguns colonos, há que se considerar que o concubinato era uma tendência predominante, o que revela que a população encontrava em seu cotidiano novas maneiras de se adaptar às normas impositivas (tanto do Estado quanto da Igreja) dentro do universo colonial.
Isso não significa que a irmandade não tivesse agremiados solteiros ou até irmãos vivendo relações consensuais, sem a mediação do sacramento do matrimônio. O concubinato não foi por si próprio uma prática que ameaçava frontalmente o casamento. Ao contrário, constituiu-se em um casamento pela porta dos fundos que se impunha quando impedimentos, desigualdade ou condições de vida não permitiam o casamento ou lhe tiravam o seu sentido de aliança econômica.
Muitos Compromissos de irmandades e ordens terceiras de brancos exigiam dos candidatos que estes fossem pessoas honradas e de bons costumes, o que excluiria não só os indivíduos que tivessem um mau procedimento, como os que praticavam o concubinato, mas principalmente os que possuíam origem suspeita, como eram os mulatos e bastardos.
Ao longo do século XVIII foram tomadas diversas medidas a fim de refrear a pressão social dessas novas camadas sociais. A Coroa decidiu em 1726 reservar a governança exclusivamente a homens casados com esposas brancas, vedando ainda os principais ofícios camarários aos mulatos até o quarto grau. Houve a tentativa de proibir que os mulatos herdassem os bens de seus pais brancos, assim se veriam na obrigação de exercitar-se em algum ofício mecânico ou em outras atividades servis.
De acordo com Marco Antonio Silveira, na época obviamente não se falava dos abusos exercidos sobre as escravas e sim utilizava-se o argumento de que as negras geravam filhos ilegítimos, e partir disso viviam relaxadas e com desenvoltura manipulando os homens brancos atribuindo a paternidade de seus filhos a quem melhor lhes conviesse.
fonte:
- Espadim, capote e cabedal: a trajetória do carpinteiro pardo Manuel Rodrigues Graça (Vila Rica, 1753-1799) – Daniel Precioso (1)
- Crioulo, mulato e pardo: análise lexical das qualificações aos negros no Brasil oitocentista: Mayara Aparecida Ribeiro de Almeida, Amanda Moreira de Amorim, Victor Antônio Sanches da Silva Vaz, Maria Helena de Paula (3)
- Saint Joseph Chapel of colored men in Ouro Preto history, art and restoration – Leandro Gonçalves de Rezende – Carolina Maria Proença Nardi – Adalgisa Antes Campos – Daniel Precioso
- http://portal.iphan.gov.br/
- Credito foto portada: Tino Ansaloni