Museu da Historia do Traje, Buenos Aires: Tango e Moda

O Museu Nacional da História do Traje abriga uma coleção importante e variada. As peças expostas estão enquadradas no panorama sociocultural da Argentina, especialmente da cidade de Buenos Aires, e ilustram as modas, usos e costumes do final do século XVIII até os dias atuais. Está localizado em uma típica casa antiga do século XIX e possui salas de exposições, auditório, biblioteca, áreas de lazer e um amplo espaço reservado para a oficina de armazenamento e coleções.

No momento de minha visita ao Museu dou com uma mostra relacionada á história do tango e sua vestimenta. Apreciar o tango a partir do vestuário é uma aproximação muito bacana para alguém como eu, que adoro assistir as “milongas”, os locais de baile dedicado aos apaixonados da música e dança de Buenos Aires.

História da casa

O Museu Nacional de História do Traje opera há 45 anos em uma antiga casa no bairro de Montserrat e faz parte do Bairro Histórico. A parte mais antiga foi construída por volta de 1830 e a mais nova, por volta de 1980.

A antiga casa se remonta aos tempos do Virreinato do Rio da Prata no poder ainda dos espanholes

 O museu ocupa uma área de 800 m2 em uma típica casa antiga do século XIX, com quartos interconectados por uma galeria/corredor que conserva seus pisos originais em mosaico e dois grandes pátios, um coberto e outro aberto.

O edifício fica em uma propriedade que aparece nos testamentos de 1832, quando a Sra. Juana Maria Martínez de Marquez incluiu sua vontade em favor de seu filho Juan Ambrosio Márquez. A casa começou a ser construída naquele ano, quando o importante núcleo da cidade chegava até à atual Av. Belgrano. Em abril de 1871, vítima de febre amarela, Juan A. Márquez morreu e, em agosto daquele ano, Juan Martin de la Serna comprou a propriedade para seu cunhado, Don Manuel Anasagasti (casado com Dona Dolores de la Serna). Quando Don Manuel morreu em 1890, seu filho Dario Anasagasti de la Serna a herdou.

No vidro da porta Art Nouveau você pode ver as iniciais “D.A.S.” (Darío Anasagasti de la Serna)

A casa, como a gente vê no presente, foi concluída em 1907 (construída com alvenaria de tijolo e assentada em solo romano, que é uma mistura de cal, conchilla, pó de tijolo e areia).

É uma típica casa de “chouriço” de características marcadas pela forte influência italiana na arquitetura da época, Ela é adornada com plantas trazidas de Misiones (estado da fronteira Argentina e Brasil onde estão localizadas as Cataratas do Iguaçu), mais de noventa anos atrás. Ela ainda preserva seus detalhes originais, como pisos em mosaico, tetos artísticos, cálidas boiseries e até uma cortina envidraçada que recria o estilo Louis XV que divide a sala da sala de música.

O primeiro pátio e suas galerias possuem decorações em alvenaria, compostas por colunas e deliciosas cabeças de anjo, pelo qual foi batizado “Pátio dos Anjos”.

Também é preciso destacar a simples divisória de vidro e borda de madeira com portas e janelas de madeira de carvalho americano que fecha a galeria paralela aos quartos e que, de acordo com a tradição familiar, foi construída no final do século 19 “para proteger a saúde de Don Manuel Anosagasti”.

No telhado intransitável, pilares sólidos sustentam uma grade de ferro

Em 1907, seu proprietário, Darío Anasagasti, vendeu a casa ao general Enrique Luzuriaga. O militar herdou sua paixão pelas armas de seu tio-avô, General Toribio de Luzuriaga, que fora governador de Mendoza e amigo do libertador José de San Martín. Ele participou da Guerra da Tríplice Aliança, da Campanha ao Deserto e das incursões do Chaco e Entre Ríos.

Composta de sala de jantar, sala de recepção, quarto para crianças, o quarto do tio solteiro e os grandes pátios com muitos animais de estimação e plantas velhas são testemunhas melancólicas da vida de seus habitantes durante o período colonial: casamentos, batismos, duelos pela perda de seres queridos, encontros com amigos, Páscoa. Carnaval, tudo acontecia em casa.

Em 1972, sua filha Nydia Luzuriaga de Mercau vendeu a propriedade ao Ministério da Cultura e Educação. A casa foi declarada Patrimônio Histórico Nacional em 10 de outubro de 1990.

A fachada

A casa apresenta uma frente do neo-renascimento italiano e tem um pátio fechado por uma estrutura envidraçada.

O Museu Nacional de História do Traje testemunha a ligação entre o mundo da moda, a arte e seu contexto social, com foco na Argentina. Ele mostra as mudanças que ocorreram no vestuário do povo argentino ao longo das décadas, como resultado de movimentos políticos, sociais, econômicos e artísticos ao longo do tempo, exibindo roupas civis, ternos e acessórios de vestuário, desde final do século XVIII até os dias atuais.

Atualmente vemos na parte de trás da casa as obras de expansão correspondentes ao museu em seu setor de armazéns, dependências administrativas e de auditoria, bem como a recuperação da
treliça e bordas de madeira que acompanham os beirais com telhas de Marselha.

O acervo

O recinto localizado na Rua de Chile 832, integra o patrimônio nacional da Argentina. A coleção foi conformada por várias doações de pessoas, fato que as faz possuir um valor extra muito significativo.

Existem cerca de 8.500 peças que refletem o espírito de vários criadores da moda ao longo do tempo. Todas essas peças estão distribuídas por uma casa antiga de 1907, com apenas um andar e três pátios, que ainda mantêm seus detalhes originais até hoje.

“Se dice de mí: Historias de Tango y Moda”

A roupa inicial do tango era um reflexo da vestimenta usada pelas classes pobres e trabalhadoras. As classes média e alta entraram em contato com o tango primeiramente através do espaço no qual essas classes se misturavam, ou seja, em bordéis. Mais tarde, como o tango se tornou uma mania na Europa e nos Estados Unidos, a cultura do tango iria influenciar a moda, uma vez que a dança havia saído das favelas para os cabarés de classe alta e para os salões de dança e bailes de Paris, Londres, Berlim e Nova Iorque.

A mostra “Se dice de mí. Historias de Tango y Moda”, no Museo de la Historia del Traje de Buenos Aires, convida a caminhar entre as letras, a história do tango e sua vestimenta. Apreciar o tango a partir do vestuário nos ajuda a conhecer sua estética e o imaginário coletivo que temos do gênero.

Tita Merello  Foi  uma atriz e cantora de tangos argentina nascida no mítico bairro de San Telmo. Ela teve infância muito dura, vivendo em um abrigo, já que sua mãe a abandonou e seu pai morreu muito jovem. Em 1927 começou a gravar discos cumprindo uma trajetória de mais de cinco décadas na indústria fonográfica e cinematográfica argentina, tendo o seu auge na década de 50, quando gravou da famosa milonga: “Se dice de mí”

 

Vestimenta masculina

Carlos Gardel, figura fundamental do tango e referente da estética tangueira, é um dos destaques da exposição. Entre as peças raríssimas que podemos ver estão otraje de gaúcho, de 1933, e um smoking, de 1932, ambos usados pelo cantor em turnês pela Europa, Estados Unidos e também em seus filmes.

A partir da “tangomania”, na década de 1920, músicos, cantores e bailarinos viajaram a Paris para se apresentar em cabarés famosos. Estes espetáculos no velho continente eram atrações exóticas para o público europeu, e para cumprir com estas expectativas se exigia dos artistas que vestissem trajes típicos de gaúchos, imagem historicamente associada á música e cultura Argentina. Isso explica o fato de Gardel, como tantos outros, se apresentar com uma roupa de gaúcho que, na verdade, tinha pouco a ver com o que ele cantava.

Para os homens, usar chapéu era quase obrigatório no início do século XX e durou até meados dos anos de 1940

A vestimenta de tango masculina imita a do compadrito, ou durão, e é caracterizada por botas de cano alto, chapéu desleixado e gravatas de seda frouxas. Os músicos famosos de tango, como Carlos Gardel, que frequentemente usavam um cachecol de seda, paletó transpassado e cabelo penteado para trás, iriam mais adiante influenciar a vestimenta de tango masculina.

Vestimenta feminina

O tango teve um grande impacto na moda feminina por volta de 1910. Quando a mania do tango chegou à Europa e aos Estados Unidos, o vestido da mulher teve de se tornar mais leve e largo, para acomodar os movimentos da dança, caracterizada por parceiros se abraçando, de bochecha colada, com as pernas se estendendo e enlaçando as do parceiro.

No começo, as mulheres optavam por vestidos de saias longas, fazendo-lhe um corte lateral para ampliar os movimentos. Evoluindo, foram acrescentadas rendas, bordados, panos mais cintilantes e sapatos de salto, tudo para aumentar o luxo que a dança queria representar.

Muitos detalhes vêm desde que o ritmo foi criado, como o chapéu e a rosa vermelha, comuns da época e símbolos naturais da elegância e paixão. O cabelo feminino preso em um coque firme, reto, seguro em uma rede e ornamentado por uma flor (opcional) é um artifício para quem dança, já que solto, atrapalharia os movimentos e tiraria a cinética produzida por eles, mas pode ser adaptado para o penteado preferencial dependendo da ocasião.

Os vestidos de tango cenário (término usado para descrever a dança do tango representada nos show teatrais a diferença das milongas), sempre se caracterizaram pelo uso de brilhos, muito negro, saias com talho longo, e sapatos de salto e foram influenciados pelas modas de cada época. A estética  do tango cenário se construiu ao longo dos anos também inspirada no cinema e pelo vestuário de bailarinas emblemáticas.

Na mostra estão três peças doadas pela bailarina Milena Plebs, co-criadora e diretora da Companhia Tangox2. Os vestidos foram usados durante o espetáculo Tangox2, junto a Miguel Angel Zotto, em 1990 – justo na década de recuperação do tango.

Estão expostos também três vestidos de María Nieves, um dos nomes mais importantes do tango e ícone de estilo que definiu uma época, por vários motivos. Nieves usava saias com talho super profundo, que ela mesma desenhava,  e também cabelo curtinho, o que era uma novidade.

Ao lado de Juan Carlos Copes, seu parceiro de dança durante mais de quatro décadas formou a dupla de tango de palco mais reconhecida de todos os tempos, dançando no programa de Ed Sullivan, na Casa Branca, Tóquio, aplaudidos e admirados por Mikhail Barishnikov, Ronald Reagan, Liza Minnelli e Lady Di.

Marido e esposa o casal separado há mas de 20 anos continuo rodando pelos palcos do mundo inteiro, mas a separação artística também chegou finalmente por volta de 1997. Juan Carlos Copes continuo sua carreira ao lado de sua filha Johana Copes e aparecem no show que eles costumam apresentar no Tango Porteño, um reduto do show de jantar que é muito visitado pelo turismo estrangeiro.

Maria Nieves foi uma das estrelas do espetáculo Tango Argentino e até hoje, com mais de 80, segue nos deslumbrando por sua presença cênica.

O corredor alberga as mostras temporárias. Neste caso a mostra traz uma série de fotos que foram enviadas por milongueiros e milongueiras de diferentes partes do mundo e que nos dão uma ideia da roupa de baile contemporânea. A diferença do tango-show, nos lugares de baile denominados “milongas” a vestimenta tangueira se aproxima às roupas que usamos no nosso cotidiano.

Actividades

Além de exposições, o museu oferece cursos, seminários e oficinas ditados pela Fundação Museu do Traje e possui uma das poucas bibliotecas especializadas em informação e ilustração de modas, usos e costumes do país, tanto em texto quanto em fototeca e videoteca.

No primeiro pátio são realizadas várias atividades programadas pelo museu, incluindo palestras, talheres, cursos e shows.

Para pesquisadores, estudantes e interessados no mundo do figurino, o Museu possui uma biblioteca com mais de 2000 volumes, incluindo catálogos, revistas, gravuras e moldes de roupas de todos os períodos.

Restauração

Em 1994, foi fechado para trabalhos de restauração, sendo aberto novamente só em dezembro de 2000. Seu valor histórico cultural incalculável torna o museu objeto de manutenção e preservação permanente. É uma casa grande que teve sua origem na própria criação do bairro de Montserrat e hoje, devido à sua proximidade com San Telmo, faz parte do centro histórico da cidade de Buenos Aires.

 O edifício foi avaliado através do trabalho da Área de Patrimônio da Construção da Direção Nacional de Patrimônio e Museus no ano de 2015, que restaurou os pisos de madeira originais e parte da boiserie. Além disso, alguns pisos de pinotea foram trocados, foram adicionados extratores de ar nas salas onde o patrimônio têxtil é mantido para regular a umidade, foram realizados trabalhos para evitar a inundação de alguns setores da casa, alguns tetos foram fixados e as salas de exibição e os pátios do museu foram reformados.

 

 

fonte:

  • Museo Nacional de la Historia del Traje: LOS MUSEOS: Memoria de la Humanidad, La Palabra Suplemento Cultural – Raul Alberto Vigini (1)
  • https://museodeltraje.cultura.gob.ar/
  • http://aquimequedo.com.br/
  • https://www.cultura.gob.ar/

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