MUSEU CASA CARLOS GARDEL: Herança sem lugar – Parte II

Não sinto menos do que indignação quando um turista observa: “como não há um museu de tango?!!!”. … Infelizmente, não existe um museu onde esta importante herança nacional seja exibida, uma paixão que abrange o mundo inteiro e tem sua origem na Argentina: Tango e Gardel.

Conheceremos neste post a história do MUSEU CASA CARLOS GARDEL, suas restaurações controversas e o colecionador Walter Santoro, que possui a maior coleção de objetos de Carlos Gardel e ainda aguarda um local onde eles possam ser expostos.

MUSEU CASA CARLOS GARDEL

O museu fica no bairro de Balvanera, perto do antigo Mercado do Abasto

Em 1935 a mãe de Gardel retornou ao país desde Toulouse, onde se encontrava de viagem, depois de conhecer a trágica morte de seu filho em Colômbia, e esperou o fim de seus dias acompanhada primeiro pela sua amiga Anaïs e Fortunato. e mais tarde pelo casal de Armando Defino e sua esposa Adela Blasco, que a consideravam mãe própria e a acompanharam até o dia de sua morte, em 7 de julho de 1943. Naquela época, a casa passou para Armando Delfino; amigo, administrador e representante de Gardel.

Em 1949, Defino vendeu a casa. Desde então, teve vários proprietários e desde 1973 até os anos 80 funcionou uma milonga, local de canto e dança de tango, administrado pelo gerente de futebol Virgilio Machado. Foi então que a aparência da casa mudou notavelmente. Para servir aos usos da milonga “Casa de Carlos Gardel”, foram removidas as paredes que dividiam os cômodos e o pátio, deixando um amplo espaço livre para a dança e a orquestra, com visitas guiadas.

Depois de diferentes proprietários – o último foi Bernardo Susember, que queria demoli-la -, então a empresa de Eduardo Eurnekian: Corporación América AS, comprou-la em novembro de 1996. Em uma entrevista coletiva, Eduardo Eurnekian (quem figura entre os homens mais ricos da Argentina segundo a última lista da revista Forbes), anunciou: “O museu estará pronto daqui a um ano”.

Em 1997, um decreto presidencial declarou a casa monumento histórico nacional e Eurnekian molesto com essa situacao desistiu do projeto argumentando que não pretendía lidar com “emaranhados burocráticos”. Qualquer reforma exigia a autorização da Comissão Nacional de Museus e Monumentos e Lugares Históricos. A partir de então, a casa de 325 metros quadrados pela qual a Corporación America pagou entre 200 e 250 mil pesos foi murada e apenas uma placa mostrou sua identidade.

No final de 2000, a propriedade passou para o governo de Buenos Aires. Eurnekian – agora em nome da Aeropuertos Argentina 2000 – doou ela à cidade num acordo para recuperar o patrimônio. Conforme anunciado então pelo secretário de Cultura de Buenos Aires, Jorge Telerman, o empresário comprometeu cerca de 250.000 pesos para a restauração. Em fevereiro de 2001, a propriedade foi transferida para a Diretoria Geral de Museus da Cidade.

Eduardo Eurnekian (86), é o dono da Corporação América SA, um grande holding de empresas que possui aeroportos no Brasil, Itália, Equador, Peru, Armênia e Uruguai. Opera cerca de 50 aeroportos em todo o mundo. Além dos negócios aeroportuários, a Corporación America opera mais de 100.000 hectares em vários estados, possui 20.000 cabeças de gado, uma fábrica de biodiesel, uma empresa de infraestrutura, uma empresa Upstream e um banco na Armênia, entre outros.

As relações tensas entre Eurnekian e o presidente Mauricio Macri remontam a 1998, quando o primeiro ganhou para o Grupo Macri, o Contrato de Aeroportos Argentina 2000 (AA2000), responsável pela operação dos 33 aeroportos da Argentina, mas melhorou em abril de 2017 quando nomeou CEO de AA2000 a seu sobrinho Martín Eurnekian (que até então ocupava o cargo de vice-presidente), oferecendo, por sua vez, ao ex-presidente da AA2000, o Dr. Rafael Bielsa (2013-2017), o cargo de presidente da Corporação América SA , o grupo que contém a Aeroportos 2000.

A cláusula de rescisão definida no contrato assinado anteriormente no ano 2007 foi estabelecida para 2018. Em novembro de 2017, Mauricio Macri decide não usar a cláusula de rescisão mantendo a data final que tinha sido acordada naquele contrato para 2028.

Em janeiro de 2020, o novo governo do presidente Alberto Fernández da Argentina nomeou Rafael Bielsa como embaixador no Chile e a sua irmã, María Eugenia Bielsa, como Ministra da Vivenda.

O grupo empresarial Corporación América SA possui muitas atividades comerciais no Chile. O grupo tem uma participação importante em negócios bilaterais através de sua subsidiária a Compañia General de Combustibles (CGC), que é um dos principais exportadores de gás para o Chile. A própria empresa também promove o projeto Corredor Bioceânico Aconcagua, que inclui a construção de um túnel e a implementação de um trem de alta capacidade para ligar as cidades de Los Andes (Chile) a Lujan de Cuyo (Argentina).

Quem será o novo presidente da Corporação América? … para  ai … eu não sei, eu não ligo … estou aqui para falar sobre a Casa de Gardel … e se eu fiz esse breve roteiro político, é só para vocês terem uma idéia do porquê dos bens que compõem o patrimônio histórico da cidade  sempre foram e continuarão sendo uma moeda de troca entre políticos e empresários de todos os tipos; de construtoras; imobiliárias; ate operadores aeroportuários.

Ao tudo … quem imaginaria que a humilde casa de Carlos Gardel acabaria pertencendo a um milionário?

2003: Prestes a entrar em colapso. A primeira restauração.

Em 1996, a empresa Proden S.A. (pertencente ao grupo empresarial Eurnekian) comprou a propriedade com a intenção de doá-la à cidade de Buenos Aires. Em 2000, a cidade de Buenos Aires recebeu em doação a casa que Carlos Gardel comprou para sua mãe, na rua Jean Jaurès, e estava em grave estado de deterioração; foi por isso que o governo da cidade iniciou as primeiras reabilitações necessárias para transformá-la em museu, cuja abertura ao público foi em 2003.

O responsável pela obra na rua Jean Jaurés, o arquiteto Martín Italiano, confirmou que “a casa estava prestes a desabar” e atribuiu as obras a “uma doação do Aeroportos Argentina 2000”. A construtora Riva começou a escorar e fortalecer as estruturas de concreto no final de novembro de 2002. O museu foi inaugurado em 24 de junho de 2003, quando Gardel tinha falecido 68 anos atrás. Originalmente, no térreo, havia um hall de entrada, uma sala de estar, uma sala de jantar, um closet, três quartos e um banheiro, e no piso superior, uma oficina, um banheiro, uma lavanderia, uma sala de serviço e um terraço.

A casa não era uma réplica exata do original. Agora havia menos cômodos, enquanto os salões permaneciam os mesmos, explicou o arquiteto Martín Italiano: “A cerâmica dos pisos e acessos do pátio é original, assim como o banheiro no térreo, a cozinha e a área de passar roupas”.

Nas reformas de 2003, buscou-se uma recreação cênica que sugerisse como era a vida em uma casa simples daqueles anos. Não foi uma reconstrução fiel, mas de uma atmosfera livre e poética, usando materiais de demolição para pisos e carpintaria, móveis e objetos de época. O espaço da cozinha original foi preservado, substituindo o da despensa por uma elegante sala de passar roupas, para lembrar a nobre profissão que permitiu à jovem mãe Berta, procurar os meios para cuidar de seu filho pequeno. Havia também o espaço de um banheiro com serviço mínimo e a sala no patamar da escada, onde Gardel passava horas ouvindo música.

2017: A segunda restauração

Em 2016, a Direção Geral de Museus da Cidade de Buenos Aires, sob a administração do Ministro da Cultura de Buenos Aires de Ángel Malher, decidiu enfrentar uma nova modificação para poder organizar e apresentar um novo roteiro museográfico e museológico.

“Em 2016, foi realizado um diagnóstico do edifício, pois surgiram deteriorações, como umidade nas paredes e vazamentos, e uma nova melhoria foi necessária. Após oito meses de trabalho (entre novembro de 2016 e junho de 2017), foram realizados trabalhos de acondicionamento e regularização da acessibilidade”, explicou a Gerencia Operacional dos Museus. “Foram feitas mudanças na câmara séptica, na bomba d’água, nas paredes e no chão, também foram instalados dois banheiros, um para discapacitados”, acrescentaram as fontes oficiais. Trabalharam três equipes de eletricistas, pedreiros e encanadores em forma simultânea.

MUSEU CASA CARLOS GARDEL: O antes e depois

Os trabalhos incluíram a instalação de um novo sistema de iluminação LED nas salas de exposições, novos banheiros, restauração de portas e janelas, instalação de um novo sistema eletrônico de segurança, instalação de câmeras, sensores e alarmes de fumaça e reforma do sistema de esgoto.

No museu atual, alguns dos pertences que fizeram parte da modificação anterior são exibidos e novos documentos obtidos antes da reabertura são mostrados, como a certidão de nascimento e o testamento, ambos são cópias autenticadas fornecidas pelo município de Toulouse e o Museu Notarial do Colégio de Notários da cidade de Buenos Aires.

“Antes da restauração de 2017, eram exibidos objetos que refletiam o estilo de vida de Buenos Aires nas décadas de 20 e 30, mas que não pertenciam ao artista”, disseram membros da entidade governamental.

Mas a reforma não deixou todos felizes: os gardelianos expressaram sua dor porque consideraram que a essência do lugar foi removida e que o conceito de “casa museu” não foi cumprido. Os vizinhos convocaram, através das redes sociais, um abraço simbólico contra as reformas do Museu Carlos Gardel, argumentando que as mudanças deteriorariam o legado patrimonial da propriedade.

“Acredito que todas as inovações, modernismo e o que eles oferecem hoje devem ser feitos em outro lugar, em algum espaço cultural, mas não na única casa que Gardel comprou com muito esforço para sua mãe, para que ele finalmente pare de viver como inquilino”, disse Edith Beraldi, Gardeliana e responsável pela manutenção do mausoléu de Carlos Gardel. “Converso com centenas de turistas que não conseguem entender o que fizeram na casa, pois o objetivo de um lugar com essa denominação é mostrar como a celebridade viveu em seu tempo e com a reforma eles aniquilaram a essência da casa de Carlos Gardel”, diz Edith Beraldi.

A esse respeito, a prefeitura disse que “esse espaço cultural é um ‘Museu Casa’, cujo perfil é diferente do que uma “Casa Museu”. Por seu lado, Marina Cañardo, diretora do Museu da Casa Carlos Gardel, disse que a missão do local é “preservar e disseminar Carlos Gardel e seu tempo e as indústrias culturais das quais ele participou”. E acrescentou: “Nosso objetivo também é que cada vez mais pessoas se reúnam com Gardel”.

O colecionador Walter Santoro guarda mais de cinco mil objetos de Carlos Gardel. Mas não há lugar para exibi-los.

A quase 130 anos do nascimento de Carlos Gardel e comemorando 85 de sua morte, o colecionador e promotor cultural Walter Santoro inaugura a Fundação Internacional Carlos Gardel (FICA), criada para preservar e disseminar o patrimônio cultural através da figura do cantor de tango mais famoso do mundo. A fundação recuperou diferentes coleções, mais de 40 mil objetos de tango, dos quais 4700 correspondem a Carlos Gardel.

Entre os pertences ao artista, existem mil e trezentos discos de massa; três guitarras originais pertencentes ao artista; mil quinhentas e oitenta fotografias; cento e dez pinturas vintage; duzentos e trinta pôsteres; objetos pessoais; documentos e cartas do artista; um facão de ouro; um cinturão de ouro e prata; revistas de jornais e documentação da época; filmes, entre muitos outros. É a coleção mais importante reunida até hoje.

Cinturão de prata e ouro pesa 800 gramas. resgatado das cinzas do acidente de Medellín. É composto de moedas isabelinas de 5 pesetas e moedas de 20 dólares, sendo o restante de pesos argentinos.

Muitos desses objetos foram guardados em uma casa de verão em Rio Ceballos, no estado de Córdoba, até Santoro conhecer a Nuria Cortada de Fortuny, uma das últimas herdeiras de Gardel.

“Minha mãe manteve as coisas muito bem, impecáveis. Mas na minha família não tínhamos consciência de seu valor e importância, até Walter entrar em contato conosco”, diz Nuria. “Minha família sempre comentou que ele era um homem tão bonito, tão bom e atencioso”, lembra Nuria que, junto com sua irmã María Ana, concedeu a Santoro os direitos de propriedade de todos os bens do cantor.

Mas … De onde vem o vínculo das Fortuny com Carlos Gardel?

“Minha mãe era como uma filha para o casal Defino. Meu pai, médico e amigo íntimo de Armando Defino, frequentou a Dona Berta até sua morte, em 1943. No ano seguinte, aos 44 anos, eu tinha 4 anos, tudo foi para Defino e depois para meus pais”, explica a herdeira.

Dedicada. “A mi amigo y hermano Armando Defino. / Cortesía Fundación Internacional Carlos Gardel

Quando Gardel morreu, Defino e sua esposa Adela Blasco constituíram o apoio espiritual de Berta, mesmo morando juntos na casa do Abasto. Berta, que morreu em 1943, legou todos os seus bens a Defino, que por sua vez fez o mesmo com sua esposa quando ele morreu em 1958. Adela viveu até 1984 e morreu sem herdeiros forçados, deixando todos os seus bens para Nuria de Fortuny.

“Os objetos foram para uma casa de veraneio que tínhamos em Río Ceballos, Córdoba. Depois que meus pais morreram, fomos com minha irmã vender a casa, onde ficava os móveis da Sra. Berta, que eram da propriedade de Jean Jaures e lá encontramos a mala cheia de documentos, fotos, cartas de Gardel, roupas íntimas e até manteis bordados por Dona Berta com suas iniciais. Logo depois, com meu marido, decidimos expô-los e foi quando Walter nos contatou. Estamos muito felizes por sua iniciativa e esperamos que eles sejam exibidos permanentemente para que as pessoas possam apreciar esses objetos”, conclui Nuria.

Santoro, que desde 2010 resgata o patrimônio cultural do tango, já possuía uma coleção de mais de vinte e dois mil objetos, dos quais dois mil eram de Gardel, aos quais a nova doação é adicionada. Esta herança está agora na casa do colecionador, procurando um local físico para exibi-las.

Walter Santoro: “Os políticos não estão interessados no tango nem o património cultural”

Em entrevista ao jornal Clarin, Walter Santoro, ele afirma: “Embora a Fundação estabeleça domicílio em meus escritórios, que são os da Fundação das Indústrias Culturais, desde 2011 estamos em conversas com diferentes autoridades para obter um espaço físico que sirva de centro de interpretação de tango, para armazenar e curar objetos.

Nossa intenção, no futuro, é criar o “Museu Carlos Gardel”, conclui o gerente cultural.

-Mas já existe o Museu Casa Carlos Gardel, que pertence à cidade de Buenos Aires.

Sim. Isso porque estava prestes a vender-se a casa e os vizinhos conseguiram evitá-la, mas, com a restauração, ele mudou toda a fisionomia, transformou a cozinha em um banheiro e montou uma sala de exibição de filmes onde ficava a oficina de Bert22a. Um jornal de Miami disse que parece uma galeria de arte moderna.

-Agora você está procurando algum apoio do estado, como está indo com isso?

-Eu estou mal. Eles me dizem que Gardel é algo que pertence ao passado, que deve ser modernizado para atrair as novas gerações, mas não perco a esperança.

Fundação Internacional Carlos Gardel (FICA)

A inauguração da Fundação ocorreu na terça-feira, 3 de setembro de 2019 às 18:00 no Salão San Martín da Assembléia Legislativa de Porteña, (Rua Peru 160). No ato, duas curtas cinematográficas do artista foram exibidas com a presença do legislador Omar Abboud, presidente da Comissão de Cultura do Legislativo de Buenos Aires, além de Walter Santoro e Nuria Cortada de Fortuny.

O Correio Argentino exibiu a edição postal “Homenagem a Carlos Gardel” no âmbito da Exposição Internacional da Filatelia “Buenos Aires 2019”, com um carimbo postal especialmente criado para a Fundação.

Questionado sobre por que ainda não há um museu de tango ou Gardel com tantos objetos sem destino, Santoro explicou: “O que a maioria das pessoas nos critica por não ser exibido, não temos espaço físico para exibi-los. Eu acho que o museu do tango, que deve ser o museu Carlos Gardel. Para isso, propomos que o Palais de Glace, um edifício emblemático, principalmente por possuir uma pista de dança e o tango como dança, seja o eixo. É dança, poesia, história e achamos que é o lugar ideal, além de que Gardel cantou lá”.

 

fonte:

  • https://www.clarin.com,ar/
  • https://www.lanacion.com.ar/
  • https://www.infobae.com.ar/
  • https://www.buenosaires.gob.ar

 

 

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