Todo mundo gosta de romance e ainda mais, de amores impossíveis. Pois bem, esta história tem todos os ingredientes de uma trama trágica, pois tendo data marcada para o casamento, o destino quis separar eles poucos dias antes da sagrada união. Por causa da Conjuração Mineira o poeta foi condenado ao exílio na África, sem nunca mais voltar a ver á namorada azarada, quem permaneceria solteira até o dia de sua morte.
Nesta segunda parte do post relacionado ao Museu Casa Tomás Antônio Gonzaga situado no casco histórico da cidade de Ouro Preto vamos a abordar o tão falado romance de Marília de Dirceu, personagens líricos dos poemas que Gonzaga dedicara a sua amada, Maria Doroteia.
Teve efeituado varias leituras ate achar a maravilhosa tese de Ana Cristina Magalhães Jardim (citada na fonte) para conseguir debelar os por menores de este romance, que conta com variadas e dissimiles versões, muito confusas e a maioria delas indocumentadas, fazendo muito difícil a tarefa de conseguir separar o mito da realidade.
Maria Doroteia
Maria Doroteia nasceu em uma família de descendentes de portugueses, constituída de maneira formal e lícita. Batizada na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar no dia 8 de novembro de 1767, Maria Doroteia teve como padrinho seu tio paterno, Reverendo Vigário Antônio Correa Mayrink, e como sua madrinha Maria do Rosário, moradora no Rio de Janeiro e avó paterna.
Maria Doroteia Joaquina de Seixas era a primeira filha de uma união típica dos estratos superiores dos habitantes da América Portuguesa. Uma família que representava a distinção almejada da elite social mineira que fazia parte da disciplina moral cristã, dentro de uma união estável de famílias de origem branca e com raízes nos troncos genealógicos portugueses de boa procedência, como era o caso de sua descendência paterna e materna. Homens como seus avós, pai e tios faziam parte de ordens militares, do clero e do senado, por exemplo. Seu avô materno, o Tenente General Bernardo da Silva Ferrão, nasceu em Portugal e se casou com Dona Francisca de Seixas Fonseca. Eram moradores do Rio de Janeiro quando se deslocaram para Vila Rica com cinco filhos. Ali nasceu, em 1738, a primeira filha mineira, mãe de Maria Doroteia. Tiveram um total de dez filhos, seis mulheres e quatro homens. De acordo com alguns autores, por ser amigo da família enquanto era ouvidor em Vila Rica, Gonzaga se interessaria pela neta do Tenente General.
O pai de Maria Doroteia, Capitão Bhaltazar João Mayrink, casou-se em 1765 com Dona Maria Doroteia Joaquina de Seixas, de quem a filha era homônima. Ele veio para Vila Rica atraído por dois irmãos padres que viviam ali. Na capital mineira, Balthazar foi Tesoureiro da Casa de Fundição, entre 1767 e 1769; depois foi escrivão dos feitos da Fazenda, de 1771 a 1775, chegando posteriormente a Capitão. O pai da noiva de Gonzaga e grande parte dos homens da família dela dedicaram-se às ordens militares. Tinha dois irmãos mais novos, José Carlos Mayrink, que seria senador do Império, e Francisco de Paula Mayrink, tenente-coronel de Cavalaria, e duas irmãs, Anna Ricarda de Seixas Mayrink e Emerenciana Evangelista de Seixas Mayrink.
Depois que o pai ficou viúvo, Maria Doroteia e os irmãos passaram aos cuidados das tias Teresa e Catarina e do tio João Carlos, irmãos solteiros de sua esposa. O Capitão Balthazar foi morar numa fazenda em Itaverava, Minas Gerais, com sua segunda esposa; até onde sabemos, não teve mais filhos.

Seguindo o padrão social, as mulheres da família se casaram com homens pertencentes a ordenações militares, ou que detiveram cargos relevantes dentro do mundo luso-brasileiro, como foi o caso de sua avó, sua mãe e suas duas irmãs, Anna Ricarda e Emerenciana. João Carlos Xavier de Silva Ferrão, tio que criou Maria Doroteia, chegou a alcançar o posto de Marechal. Um segundo tio de Maria Doroteia, o Tenente Coronel Francisco Teobaldo Sanches Brandão, foi um dos líderes da Revolta do Ano da Fumaça de 1833, em Vila Rica. O movimento teve o germe inicial de insatisfação plantado em 1831, envolvendo militares de Vila Rica. Isso demonstra o envolvimento direto de membros da família de Maria Doroteia com os principais acontecimentos históricos de Vila Rica entre os séculos XVIII e XIX.
Um romance sem casamento
Ao retornar ao Brasil, depois de 21 anos, Tomás Antônio Gonzaga encontrou o território em pleno ciclo da mineração e, designado ouvidor-geral de Vila Rica, atual Ouro Preto, esteve no centro nervoso da economia da colônia. O ouvidor dedicou-se ao cultivo das amizades que contraíra na cidade. Entre os seus conhecidos figurava a família Silva Ferrão, uma das mais consideradas em Vila Rica. É comum, na bibliografia consultada, os autores se referirem à relação de Tomás Antônio Gonzaga não somente com a noiva, mas com sua família.
O ano seguinte ao de sua chegada provavelmente foi aquele em que conheceu a adolescente Maria Doroteia Joaquina de Seixas, a quem dedicaria as belíssimas liras de Marília de Dirceu.
Quando Gonzaga e Doroteia se conheceram, ele tinha 38 anos de idade e ela era ainda uma adolescente de 15 anos, o que teria facilitado para que a flecha de cupido penetrasse fundo no seu coração. Na sociedade patriarcal daquela época as mulheres encontravam-se dispostas ao casamento ainda moças enquanto aquelas mulheres que ostentavam 25 anos e ainda não tinham-se casado, eram consideradas solteironas.
A mocinha tinha o costume de frequentar a casa da tia Antônia Cláudia Cassimira de Seixas, situada na rua do Ouvidor, ao lado da casa de Gonzaga.

Os magistrados da Coroa portuguesa não poderiam casar-se na jurisdição onde estavam, para o caso de terem de ser justos, corretos ou imparciais em pelejas jurídicas entre os súditos. Esperava-se que, não se casando em suas jurisdições, não estariam vulneráveis a conceder privilégios a alguém por laços de amizade ou parentesco, garantindo-se também fiéis aos interesses administrativos da Coroa. Por outro lado, os casamentos estáveis eram recomendados pela Igreja e pela Coroa, mas só aconteciam, via de regra, entre pessoas do mesmo grupo social.
Se o casamento entre Gonzaga e Maria Doroteia estava marcado, as famílias poderiam ser consideradas de uma mesma condição social. João Bernardo Gonzaga, o pai do noivo, era “um magistrado natural do Rio de Janeiro e sua mãe, Tomásia Isabel Clarque, era portuense”. Mesmo que o noivo não fosse considerado rico, como nos apontam pesquisas sobre as condições econômicas dos inconfidentes, ele era um advogado formado em Coimbra, Ouvidor de Vila Rica e posteriormente nomeado Desembargador da Bahia, seguindo uma carreira semelhante à do pai e somente interrompida durante o período dos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira.
Quando acabou efetivamente o cargo de ouvidor em setembro de 1788, Gonzaga entregou ao capitão Francisco de Araújo Pereira, que partia para Lisboa, o manuscrito da 1.ª parte do volume de poemas Marília de Dirceu, com 33 liras, todas compostas em Vila Rica, para serem entregues a seu velho pai a fim de que este se encarregasse da publicação.
Ao mesmo tempo, enviou o pedido de licença à Rainha para casar com Maria Dorotéia Joaquina de Seixas. O pedido poderia ser feito ao Governador, mas ele quis dar-lhe maior relevo endereçando-o à Rainha D. Maria I. Como não havia obtido resposta da rainha autorizando o casamento, no dia 20 de abril de 1789 pede autorização ao Visconde de Barbacena, a qual é concedida. O Visconde conhecia o poeta, já que este havia escrito dois sonetos para celebrar o nascimento de seu filho Francisco Furtado de Mendonça, em Lisboa, no ano de 1780.
O casamento seria realizado dia 30 de maio, mas, nesse ínterim, no dia 9 de maio o movimento dos inconfidentes foi denunciado ao próprio Visconde de Barbacena por Joaquim Silvério dos Reis, um coronel de milícias, fazendeiro e minerador falido, com um elevado passivo para com as autoridades portuguesas; a troco da sua denúncia, as suas dívidas seriam perdoadas e receberia o título de cavaleiro da Ordem de Cristo.
Em 11 de Julho de 1788 o Visconde de Barbacena tinha sido nomeado governador e capitão-general de Minas Gerais, a fim de substituir o corrupto Luís da Cunha Meneses, cuja má atuação fora denunciada pelo poeta Tomás António Gonzaga em suas famosas “Cartas Chilenas”. Curiosamente, o mesmo homem que autorizasse o casamento veria a ser quem ordenou a severa repressão policial obtendo a prisão dos conspiradores entre os quais se encontrava o infortunado poeta Tomás Antônio Gonzaga.
Na primeira Inquirição feita a Tomás Antônio Gonzaga, na Fortaleza da Ilha das Cobras, a 17 de novembro de 1789, o poeta declarou que a noiva foi o motivo que o levou a permanecer em Vila Rica durante o período em que foi acusado de crime de inconfidência, “porque estava justo a casar em Vila Rica e por isso lhe era mais cômodo o demorar-se naquela Vila alguns meses para levar sua mulher na sua companhia, do que ir para a Bahia”. Embora ele tivesse sido nomeado em 1786 como Desembargador da Relação da Bahia.
Causou estranheza o fato de que, em 1789, quando explodiu a denúncia da Inconfidência Mineira, Gonzaga ainda se encontrasse nas Minas. As núpcias poderiam ter sido contraídas desde que fora indicado Desembargador e o casal se dirigisse para a Bahia. Porem, segundo depoimento de Gonzaga, a proximidade do casamento com Marília foi seu principal motivo para permanecer na capitania. Mas passados três anos de sua nomeação deu mais um motivo para fortalecer as suspeitas dos inquiridores do processo de Devassa, de que Gonzaga estava em Minas conspirando contra a Coroa portuguesa, pois bastaria assumir a nova posição na Bahia e levar a esposa consigo para todo acabar em um bom final.
Às vésperas do casamento, aproximava-se o trágico desfecho da Inconfidência. O poeta havia completado quarenta e quatro anos de idade e a musa, já uma mulher madura, vinte e dois.
Tomás Antônio Gonzaga foi preso e, levado para a Ilha das Cobras no Rio de Janeiro, onde ficou até 1792. Preso incomunicável prossegue escrevendo as liras de Marília de Dirceu, cuja redação iniciou em Vila Rica em data ignorada. Degredado pela mesma sentença da rainha Maria I que condenou Tiradentes à morte, nenhum dos degredados poderia voltar ao Brasil sob pena de morte.
Gonzaga aguardou transporte para Moçambique. Pelo colega Pires Bandeira, que ia tomar posse do lugar de Desembargador da Relação do Porto, enviou para Lisboa a segunda parte da Marília de Dirceu, com 32 liras, escritas nas masmorras do Rio de Janeiro. Ele chegou a Moçambique em 1792, ano da publicação do livro, em Lisboa, pela Tipografia Nunesiana.
Em 1799 saiu em Lisboa a segunda edição da Marília de Dirceu, pela Oficina Nunesiana, contendo as partes I e II (no total de 65 liras-poemas). No final de 1800, publicou a Gazeta de Lisboa esta notícia: “Saiu à luz: Terceira parte da obra poética Marília de Dirceu, composta por T.A.G.”. Esta terceira parte era uma obra apócrifa, encomendada pelo livreiro a um qualquer versejador.
Após um namoro e um noivado que podem ter levado até seis anos, com um casamento não realizado, devido à prisão de Gonzaga, Maria Doroteia permaneceu solteira em Minas até o dia de sua morte.
Não há como precisar as causas pelas quais Maria Doroteia não teria se casado depois de desfeito o compromisso com Gonzaga. Versões romantizadas afirmam que a musa guardou-se até o fim de seus dias pelo amor ao poeta. Gonzaga, menos de um ano depois de ser deportado, casou-se em Moçambique.
A historia do atormentado romance entre Maria Doroteia e Tomás Antônio Gonzaga esta cheia de lacunas. Foram tantos autores dedicados ao tema, por meio de livros e artigos relevantes, que resulta difícil separar os mitos da realidade. Muitos foram os intentos de construir a figura do poeta herói e romântico da independência, e por meio da personagem lírica Marília de Dirceu, transformar a Maria Doroteia em musa da Inconfidência Mineira, unida á inacreditável historia de que sua amada tinha permanecido virgem ate o fim de seus dias.
Segundo outras fontes, já em 1785 Gonzaga tinha-se envolvido com uma mulher chamada Maria Joaquina Anselma de Figueiredo, que lhe deu um filho, batizado Antônio, criado por favor do capitão Pedro Teixeira da Silva Murça, seu subordinado na ouvidoria. Nessa condição, passou a ser considerado como “filho exposto” e, generosamente, recebeu o sobrenome de quem o acolheu, passando a assinar Antônio Silvério da Silva Murça. Por sua vez, a desembaraçada Maria Joaquina conseguiu avançar na sua caminhada e subiu na vida, vindo a se tornar amante do governador Luís da Cunha Menezes, acérrimo inimigo de Gonzaga.
Em fim, esta historia como tantas outras não contribuem ao cenário do romanticismo que propõem as liras de Marilia e Dirceu, pelo qual a própria historia de amor que existiu entre eles pode ser lida, imaginada, mas nunca irrefutavelmente comprovada a traves de suas inúmeras versões.
Maria Doroteia: A vida sem Derceu
Maria Doroteia, suas irmãs e irmãos haviam ficado órfãos de mãe ainda crianças. O pai deixou-os, então, sob os cuidados das duas tias pelo lado materno, as quais, por sua vez, por serem solteiras, moravam com o irmão. Todas essas meninas, meninos e mulheres encontravam-se, assim, sob um tipo de proteção masculina e de educação e cuidados femininos.
Maria Doroteia herdou a maioria dos bens transmitidos pelas sucessivas gerações da família e localizados na casa grande, a do largo de Antônio Dias, onde haviam morado seus avós, por parte materna. Nessa casa, onde foi criada pelas tias e pelo tio, de quem foi herdeira e testamenteira.

Logo após aquele período, aos 26 anos de idade, Maria Doroteia se tornou irmã professa e Ministra da Ordem Terceira de São Francisco de Assis de Ouro Preto, uma das mais tradicionais da América Portuguesa.
As irmandades religiosas tinham importante papel a desempenhar. Pertencer a uma Ordem Terceira na sociedade colonial trazia consigo significados simbólicos relevantes enquanto importantes instituições de agrupamento social, na busca por distinção, representatividade ou ascensão social.

Maria Doroteia, seu pai Capitão Balthazar, sua irmã Emerenciana e pelo menos uma de suas tias, pelo lado materno, Dª Catarina, faziam parte da Ordem Terceira de São Francisco de Assis de Ouro Preto, demonstrando sua inclusão no círculo das famílias mais conceituadas da colônia. O fato de pertencerem a uma irmandade religiosa destinada exclusivamente a brancos de condição social e econômica elevada os incluía em um seleto grupo naquele período, aproximando seus membros de uma ascensão social almejada.
Em fins de 1789, Maria Doroteia partira em exílio voluntário para a Fazenda do Fundão das Goiabas, em Itaverava. Em agosto de 1793, ela é recebida como noviça na Ordem Terceira de São Francisco de Assis e no mês de dezembro regressa de Itaverava, a fim de ser madrinha de um batismo em Vila Rica. Em 1799, volta a Vila Rica para o casamento de Maria da Cruz Fernandes Santiago. Em outubro de 1800, mais um batizado retira Marília da fazenda. É a madrinha do sobrinho Bernardo, filho de Ana Ricarda e Valeriano Manso. Longas temporadas serão passadas por Marília na fazenda da família, marcadas pelo vaivém a Vila Rica. No censo de 1804, ela figura com o nome de “D. Maria Joaquina”, ao lado de “D. Emerencianna de Seixas”, ambas agregadas da casa do tio, coronel João Carlos Xavier da Silva Ferrão, no distrito do Alto da Cruz. Consta ter 30 anos, quando na verdade eram 35.
A Emancipacion de Maria Doroteia
Durante o período colonial, as viúvas precisavam de autorização judicial para serem tutoras de seus filhos. No caso do falecimento do pai e da mãe, as crianças dependeriam de sentenças e/ou custódia temporária do Juízo de Órfãos, que providenciaria um tutor para lhes garantir a sobrevivência, administrar os bens e mantê-las sob um ambiente que a sociedade pudesse considerar honrado, principalmente as mulheres brancas. Quando não havia algum homem da família que lhes pudesse servir de tutor, as moças deveriam ser remetidas a conventos ou casas de reclusão que pudessem garantir o zelo sobre sua reputação.
Depois de ficar viúvo e deixar os filhos e as filhas aos cuidados do tio e tias, o Capitão Balthazar casou-se novamente e foi morar em Itaverava. O pai ainda não havia falecido quando as duas irmãs fizeram o pedido para se emanciparem. Assim, no dia 27 de novembro de 1805, entregaram uma petição ao escrivão Antônio Balbino de Negreiros, Juiz de Órfãos.
A necessidade das irmãs era a de poder receber rendimentos provenientes de bens deixados por sua mãe e, a partir daí, realizar pagamentos e se manterem, levando-se em conta que o pai não vivia na mesma cidade. Na justificação para se emanciparem, os argumentos favoráveis são: serem de família de origem conhecida na vila e alegarem capacidade e juízo para regerem-se sem mais a necessidade de tutor, tendo as irmãs idade suficiente para tal.
Maria Doroteia tinha por então 38 anos e sua irmã, 31 anos de idade. Assim, irmãs órfãs e solteiras conseguiram alcançar sua autonomia social e financeira depois de adultas. Emerenciana casou-se posteriormente.
É provável que já fosse responsável pela administração de sua vida há mais tempo; com o pedido de emancipação, tratou de legalizar isso. Embora a fonte ateste a alforria de um escravo, não dispomos de outros documentos que comprovem a posse ou administração de escravos por parte de Maria Doroteia. No recenseamento feito na Capitania de Minas Gerais, em 1804, o tio de Maria Doroteia declarou que possuía três escravos; sua tia Tereza, seis escravos; sua irmã Emerenciana, quatro escravos; Maria Doroteia e sua tia Catarina não possuíam escravos.

Depois da emancipação, a continuidade da apreciação fontes nos leva às Atas da Câmara Municipal de Ouro Preto, em 1846. Nelas constam pelejas de Dª Maria Doroteia Joaquina de Seixas com a Câmara em razão da cobrança de conserto de encanamentos de água do Chafariz Público e de sua fonte particular. Gravando novamente seu nome junto a uma instituição pública e demonstrando sua autonomia para gerir os negócios domésticos, Maria Doroteia demonstrou que era atuante no espaço público da Ouro Preto do século XIX, quando se fazia necessário. Naquele tempo, já haviam falecido suas duas tias, tio, pai e até sua irmã mais nova, cabendo-lhe, como chefe de sua residência, a um mês de completar 79 anos de idade, buscar resolver a questão.
As águas em Vila Rica sempre foram abundantes pela existência de muitas nascentes e rios, mas em Minas e em outras partes do Brasil, naquele período, as residências não dispunham de água encanada. Os poços e cisternas, mas mais frequentemente os rios e os chafarizes públicos, forneciam da preciada agua á população. Algumas residências coloniais possuíam seus próprios chafarizes como era o caso da casa onde morou Tomás Antônio Gonzaga, atual Casa Museu, marca de distinção e privilegio na época colonial.

A Ponte em estilo romana e construída sobre o córrego que corta o bairro de Antônio Dias (córrego da Sobreira). Localizada entre a Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias e o Largo de Marília, é conhecida popularmente como “Ponte de Marília” ou “Ponte dos Suspiros“, devido à lenda de que o poeta Tomás Antônio Gonzaga se encontrava, ou avistava, a sua amada Marília nessa localidade. Possui no centro um pequeno terraço circular, cruz de cantaria e muro parapeito de pedra aparelhada.
Um Testamento e os dois herdeiros

Após o degredo do noivo, retirou-se para a fazenda da família, Fundão das Goiabas, em Itaverava retornando para a cidade somente em 1815, quando da morte de seu pai. Maria Doroteia tornou-se reclusa, pouco saindo de casa, vindo a morrer em 9 de fevereiro de 1853, aos 85 anos, na mesma casa onde nasceu, em Vila Rica.

O testamento de Maria Doroteia foi escrito por sua própria mão. Datado de 2 de outubro de 1836. Encontra-se disponível para visitação no Museu da Inconfidência, na antessala do Panteão dos Inconfidentes, em vitrine dedicada a Marília de Dirceu. Maria Doroteia deixou registrado o seguinte em seu testamento: “recomendo que meu corpo será sepultado em cova da Ordem de S. Francisco de Assis”. Entretanto, o sepultamento foi feito no interior da Matriz de Nossa Senhora da Conceição do Antônio Dias. Tal vez esta disposição foi contrariada pelo fato de seu corpo ser sepultado na matriz onde estavam as cinzas de seus avós, das duas tias que a tinham criado, e seu tio e protetor Marechal João Carlos Xavier da Silva Ferrão, pertencente à Ordem Terceira do Carmo, quem fora sepultado também na Matriz do Antônio Dias a 18 de novembro de 1820. Pareceria natural que Maria Doroteia também descansasse-se eternamente junto a eles.
Analisando a proibição de sepultamento dentro dos templos, podemos deduzir, num primeiro momento, que o fato mais atípico, depois de 1828, seria justamente ela ter sido enterrada dentro da Igreja na cova de número onze, o que se pode provar que a prática de sepultamentos no interior das igrejas continuou durante todo o século XIX.
No testamento Maria Doroteia cita dois herdeiros: D. Francisca de Paula Manso de Seixas e Anacleto Teixeira de Queiroga. A primeira era sua sobrinha por linha bastarda, servindo-lhe de companhia, descansando-a do manejo da casa, cercando-a de cuidados, confortando-lhe na velhice. O segundo herdeiro, é apontado, pelo viajante Richard Burton, como filho ilegítimo de Maria Doroteia com o Capitão Teixeira de Queiroga.

O escritor inglês Richard Francis Burton (1821-1890), capitão num regimento de Bombaim, descobridor do Lago de Tanganica foi cônsul britânico na cidade de Santos afirma, que além de Anacleto, Maria Doroteia teria tido mais duas filhas com Queiroga. Das duas supostas filhas não há qualquer registro documental, como o deixado pelo nome de Anacleto (residente no Rio de Janeiro) no testamento.
Em pesquisa realizada por Thomas Brandão no livro Marília de Dirceu publicado em 1932, o autor reconstitui toda a linhagem da família para demonstrar que era uma das principais de Vila Rica. Brandão argumenta que Anacleto era sim filho ilegítimo, mas a mãe era Emerenciana, irmã de Maria Doroteia, quando Emerenciana ainda era solteira. Muito se escreveu sobre o caso, mas não há documentação que comprove nenhuma das versões. Não é possível sabermos se Maria Doroteia foi ou não mãe de Anacleto Queiroga.
“A biografia de Marília de Dirceu pode ser resumida em poucas palavras: foi uma donzela de rara beleza que teve a desdita de ser amada e decantada por um poeta infortunado”, diz Thomas Brandão no livro Marília de Dirceu.
Tomás Antônio Gonzaga
Do Brasil para a Ilha de Moçambique
Pelo seu papel na Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira, foi acusado de conspiração e preso em 1789, cumpriu pena de três anos na Fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, e os seus bens foram confiscados. Era um homem com 45 anos de edade. Ficou, deste modo, separado de sua amada, Maria Doroteia.
Durante esses três anos, teria escrito a maior parte das liras atribuídas a ele, pois não há registos de assinatura em qualquer uma de suas poesias.
Foi em um dia de julho de 1792 que Gonzaga viu pela primeira vez a ilha de Moçambique, condenado a dez anos de exílio. Em Moçambique trabalha como advogado e hospeda-se em casa dum abastado comerciante de escravos, acabando por se casar, em 1793, com a filha dele, Juliana de Sousa Mascarenhas.
Aqui viveria durante quinze anos, rico e considerado, ocupou os cargos de Procurador da Coroa e Fazenda, e o de Juiz de Alfândega de Moçambique (cargo que exercia quando morreu). A data de sua morte não é uma data certa, mas sabe-se que ele veio a falecer entre 1809 e 1810 , acometido por uma grave doença, aos 65 anos de idade.
Gonzaga falece, deixou sua mulher Juliana de Sousa Mascarenhas, de 35 anos, e os filhos Ana, de 15, e Alexandre, de menos de um ano de idade. Juliana morre logo depois e os filhos são criados pela família de João Vicente Rodrigues de Cárdinas.
O destino final: Ficar juntos
Em 1936, o governo de Getúlio Vargas em seu momento de reconstrução da identidade nacional, promoveu o repatriamento dos restos mortais dos inconfidentes a fim de criar o Panteão dos Heróis da Independência. O Museu da Inconfidência de Ouro Preto, totalmente completo, veio finalmente abrir suas portas somente em 11 de agosto de 1944, por ocasião das comemorações do bicentenário do poeta e inconfidente Tomás Antônio Gonzaga.

Em 1955 os restos mortais de Maria Doroteia foram retirados da Matriz de Nossa Senhora da Conceição e levados para o Museu da Inconfidência, onde está junto dos restos mortais de Tomas Antônio Gonzaga
Enquanto o processo de repatriação do poeta e inconfidente Tomás Antônio Gonzaga foi muito confuso, com conotações políticas numa situação que continua obscura, mais de 60 anos depois.
Os restos mortais enterrados na sepultura, são “atribuídos” a ele, mas o Museu da Inconfidência não pode garantir que sejam realmente do poeta. Segundo a tese defendida pelo jornalista Adelto Gonçalves, na USP, a ossada sepultada pertenceria ao neto de Gonzaga.
fonte:
- http://portal.iphan.gov.br/
- Tomás Antônio Gonzaga e sua historia – Sandra Aparecida Pires Franco (1)
- O mito de Marília de Dirceu – 1792 a 1889: aspectos da construção e da apropriação de heróis românticos e o processo de formação da Nação Brasileira – ANA CRISTINA MAGALHÃES JARDIM (2)