Uma ermita é um pequeno edifício tipo capela. Tipicamente era um lugar de oração e recolhimento que permitia a um frade ou eremita cultivar sua própria vocação em paz. Posteriormente, o significado foi estendido para incluir capelas, igrejas ou outros santuários, geralmente pequenos, localizados na zona rural e que não tinham culto permanente.
Neste post vamos conhecer a historia desta pequena igreja relacionada a uma epidemia de peste que arrasou Cartagena em meados do século XVII e a criação dos primeiros hospitais da cidade de Cartagena, que desde o início da época colonial, como todas as cidades Latino-americanas, sofreram a ameaça constante de pestes, epidemias e doenças incuráveis.
Ermita de San Roque
A Ermita de San Roque ou a Igreja de San Roque de Cartagena das Índias, está situada na Rua do Espírito Santo, no popular e antigo bairro de Getsemaní. Foi uma das primeiras obras criadas na Rua da Meia Lua, que perdura ate hoje, na memória do Santo frances, protetor das vitimas da peste.

Por iniciativa do governador Pedro Zapata de Mendoza em 1652, encomendou-se a construção da Ermita como agradecimento a San Roque por salvá-lo do contágio da praga que devastou a costa de Cumaná, Tierra Firme e Cuba.
A incapacidade de controlar a epidemia e a fé cristã levou a Câmara Municipal (Cabildo) a construir um complexo composto por uma ermita e um hospital, dedicado a San Roque. O complexo foi concebido sob o patrocínio do Cabildo e os religiosos da Ordem de San Juan de Dios, que assumiram o atendimento dos pacientes hospitalizados.
As obras da ermita de San Roque começaram em 1654. No entanto, dois anos depois foram suspensos por ordem real. O boato de que o projeto de construção de um hospital só buscava o benefício de alguns religiosos levou à interrupção do trabalho por parte da Coroa Espanhola. Diante desses fatos, os padres da comunidade de San Juan de Dios compareceram perante o Cabildo, que decidiu restar credibilidade aos rumores e continuar os trabalhos.
Em 1668, a igreja estava concluída, mas o bispo impediu sua consagração quando eles estavam se preparando para tirar a imagem de São Roque em procissão. O bispo Sanz Lozano reivindicou a jurisdição do templo e, portanto, também a nomeação do capelão.
Embora os irmãos hospitalarios concordassem, as relações com o prelado eram difíceis, pois ele impediu a abertura do templo. O rei teve que agir e declarar que apenas só ele poderia nomear o capelão e que o bispo não poderia limitar o culto na eremita.
Ordem Hospitalar de San Juan de Dios
Quando os Irmãos da Ordem Hospitalar de San Juan de Dios chegaram à Colômbia em 1596, entraram em Cartagena motivados por sua maior motivação, o cuidado dos doentes. Lá, os Irmãos Hospitalares atuaram em três locais diferentes da cidade, conforme registrado no arquivo histórico da comunidade: no Hospital de Convalescentes, chamado Hospital Espírito Santo, no bairro de Getsemaní, subúrbio de Cartagena; fundado en 1603.
Cartagena já possuía um hospital dedicado à invocação de San Sebastián desde 1537, localizado no local que ocupava a primeira catedral e administrado pelo Cabildo da cidade. Devido à falta de renda e à fraqueza do edifício, o Cabildo da cidade propôs aos irmãos de San Juan de Dios cuidar do hospital na cidade, unindo as duas instituições. Eles fizeram isso, obtendo uma licença do bispo em 1613, passando a ocupar o prédio do hospital San Sebastián, localizado no centro de Cartagena. Eles continuaram neste edifício modesto até o final do século XVIII, quando se mudaram para o colégio da extinta Companhia, e o edifício foi ocupado pelo seminário de San Carlos.
Finalmente, eles participaram do traslado do Hospital de San Juan de Dios, para o que era o Colégio de San Ignacio e San Pedro Claver.
Cartagena também tinha outro hospital para leprosos chamado San Lázaro, localizado fora dos muros na colina com o mesmo nome. Até a primeira metade do século XVII o hospital não passava de um conjunto de bohíos distantes do centro urbano, sem sequer uma cerca que as isolasse. Assim, em 1627, o conselho fez um pedido ao rei para fazer uma cerca e construir um quarto para as mulheres. O hospital era composto por vários bohíos que os mesmos doentes construíram quando ficaram doentes e foram forçados a viver dentro da cerca do hospital.
O bohío, feito a partir da árvore palma real, era a residência mais destacada dos índios das Antilhas, da Venezuela e da Colômbia antes da chegada dos espanhóis. Embora fosse uma cabana rudimentar, mas tão perfeitamente compatível com o clima caribeño que o design básico influenciou a arquitetura espanhola do Caribe.
O crescimento da cidade, a necessidade de expandir as defesas do Castelo de San Felipe de Barajas e as novas concepções sobre a medicina, fizeram pensar na possibilidade de transferência do hospital. Em 1742, o engenheiro Francisco de Arévalo y Porras, propôs a transferência para a ilha de Tierrabomba. A transferência foi adiada até o final do século XVIII. O novo hospital ocupava a área conhecida como Caño del Loro, embora sem que as obras prosperassem sendo novamente constituídas por uma série de bohíos.
Também as fundações piedosas concedidas por pessoas ricas eram comuns no Antigo Regime, para o qual deixavam uma renda estipulada em suas vontades (testamento).
A ermita de San Roque era vizinha do Hospital dos Convalescentes, e a chamada Obra Pía da Caridade de Nosso Senhor Jesus Cristo, localizada em uma terra doada pela rica senhora, Maria María Barros Cabeza de Vaca, entre os anos de 1640 e 1650. A Obía Pía inicialmente visava o atendimento hospitalar de mulheres, embora apenas para mulheres brancas.
O hospital sobreviveu até a chegada do bispo José Díaz de la Madrid, em 1792, que tomou a Obía Pía sob seu patrocínio. O bispo reformou o prédio estendendo-o à Rua Magdalena e tentou torná-lo um refúgio para mulheres pobres, mas o Cabildo se opôs e decidiu transformar a casa em um hospício para crianças. Na maioria das vezes as crianças eram abandonadas pelas mães na parte do prédio que dava para a rua de Magdalena, onde as freiras serviam a “sopa boba” (comida dada aos pobres nos conventos) e recebiam doações do mundo exterior, devido ao sua rigorosa clausura.
No entanto, nenhuma das duas instituições teve uma vida onerosa, muito menos depois da partida do bispo.
O Templo – Ermita de San Roque, Cartagena
A pequena capela consiste em uma planta retangular com telhados de madeira, parte de sua fachada em pedra, uma torre sineira com três arcos e uma porta adintelada.

O templo não possui uma torre sineira na cúpula central, como quase o resto dos templos, mas de um lado, onde os sineiros subiam por meio de uma escada rústica, do tipo usado pelos pintores.
Seus sineiros oficiais eram os irmãos Olivella, vizinhos do bairro; um deles, Gabriel, médico residente no exterior, também ajudou como acólito na Igreja da Trindade. Eles, com varas “afinadas”, interpretaram diferentes “melodias” com os sinos, de acordo com o motivo da celebração.
No átrio, reuniam-se os “serenateros”, onde eram contratados para animar as noites musicais dos românticos e amantes da época. Também nele instalavam-se a banda de músicos que tocavam peças divertidas para atrair as pessoas as lutas de boxe que eram organizadas no Coliseu do Espírito Santo, nas proximidades. No final das lutas, os ferozes vencedores comemoraram sua vitória naquele mesmo átrio.

Junto a Igreja da Santíssima Trindade, construída entre 1640 e 1644, a ermita de San Roque teve grande influência no bairro de Getsemani, dando seu nome a vários edifícios da região. Após os anos, a Igreja da Santíssima Trindade teve sofrido a passagem do tempo, porque durante a visita do Príncipe de Santo Buono, em 1716, a igreja da Trindade era descrita como desmoronada há cinco anos, e o Santíssimo Sacramento havia se mudado para a igreja vizinha de San Roque.

TEATRO DE SAN ROQUE: Ele é o menos lembrado porque funcionou por um curto período de tempo. Localizada no Getsêmani, entre as ruas do Espírito Santo e Pedregal, em um terreno propriedade de Dionísio Vélez, tinha entrada pelas duas ruas e era administrado por Mario Ramos Henao.
A FARMACIA SAN ROQUE: localizado na esquina da Rua do Espiritu Santo, no primeiro andar onde estão hoje os escritórios do “El Espectador”. Seu proprietário era o Dr. Rafael Castillo Rico, que morava com sua família na parte superior.
FARMACIA ÁNGEL: de Emilio Alvarado, exatamente em frente ao átrio da ermita de San Roque. Terminou como resultado de um incêndio que destruiu tudo.
Saúde e Doenças nos tempos da Colônia

Em Cartagena, uma cidade intensamente úmida e quente, os alimentos eram facilmente estragáveis e as pessoas estavam expostas a febres e disenteria. As picadas de mosquitos muito abundantes nessas regiões, a água, que desde então aconselhava-se ferver, os ventos, as chuvas e as tempestades ou as poeiras que inundavam as salas, completavam as ameaças à saúde de seus habitantes, sem contar as epidemias .
Em 1650, o bispo Francisco Rodríguez de Valcarcel escreveu ao rei solicitando sua transferência:
“Senhor, esta cidade é um incêndio, onde a carne e o peixe não podem ser armazenados por mais de um dia, e todas as outras coisas são facilmente atingidas e perigosas para a saúde, como demonstraram as precoces mortes de meus predecessores.”
Um ano depois, houve uma epidemia tão grande que os vizinhos prometeram erguer uma ermita para San Roque, se o perigo passasse.
Em 1676, em Santa Fé, tentou-se impedir a entrada de pessoas de Cartagena para evitar a propagação da varíola e nos arquivos também há referências ao tifo. Os escravos sofriam de pústulas, abscessos, feridas e crostas. A população em geral se queixa de dores de cabeça, cadeira, estômago, deformações, infecções e acidentes, hemorragia e síncopes.

As intervenções cirúrgicas eram realizadas por cirurgiões práticos e barbeiros, que com rudimentar instrumental e pouca assepsia freqüentemente operavam tateando na oscuridade.
Os frades de San Juan de Dios ficavam impressionados com o número de soldados que retornavam de excursões militares na província, especialmente quando as frotas de navios chegavam até com 300 pessoas doentes.
Os hospitais de San Lázaro e San Sebastián, administrados por religiosos, permaneceram cheios de pacientes. Os relatos sobre a situação de pobreza e insuficiência dos hospitais são repetidos nas cartas dos bispos ao rei, nos discursos do Dr. Méndez Nieto e nos depoimentos sobre San Pedro Claver, que, segundo testemunhas de sua canonização, ele reconstruiu a enfermaria do hospital com a coleta de esmolas. A conexão entre saúde e fé era muito perceptível. Muitos dos “milagres” atribuídos a São Pedro Claver estão relacionados à saúde, à cura que ele fazia apenas colocando a mão nos doentes ou envolvendo-os em sua capa.
fonte:
- Cartagena de Indias: Relatos de la vida cotidiana y otras historias – RAFAEL BALLESTAS MORALES
- Vida cotidiana en Cartagena de Indias en el siglo XVII – MARGARITA GARRIDO
- El obispado de Cartagena de Indias en el siglo XVIII: (Iglesia y poder en la Cartagena colonial) – MANUEL SERRANO GARCÍA