A mais antiga igreja da cidade é um dos melhores exemplares de templos construídos pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos em Minas Gerais e um dos principais bens históricos de Tiradentes.
A primitiva capela começou a ser construída provavelmente em 1708 e foi concluída em 1719. Provavelmente, foi a partir de 1760 que passou por reformas na parte arquitetônica e decorativa. A construção foi refeita em alvenaria, e a posição do sino manteve a solução tradicional de Tiradentes, com a sineira incorporada ao corpo da igreja.
Nesta primeira parte veremos detalhes de sua fachada e da incredível pintura de perspectiva ilusionista no forro da Capela-mor. Essa pintura de autor desconhecido é sem dúvida contemporânea do retábulo, podendo ambos datar de cerca de 1760.
A Fachada
A sobriedade da fachada com seu belo frontão terminado em duas robustas volutas de cantaria e o trabalho da portada, lhe conferem um ar imponente, apesar de não ser um templo de grandes proporções.

A construção foi feita em alvenaria de pedra com cunhais e esquadrias de cantaria. Na fachada, dois pares de cunhais sustentam uma cimalha larga.
A área externa da Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos é muito agradável. La igreja se encontra com seu frente retraído gerando um amplo átrio de aceso repleto de árvores, na direita um bar restaurante ganhou espaço oferecendo um point imperdível para jantar ou beber um cafezinho. La visual oferece um incessante trafego de turistas e muitos fotógrafos, pois a Igreja esta no centro do miolo, a meio caminho da Matriz do Santo Antônio e a praça principal. Nas ruas ao derredor estão cheias de museus, bares e restaurantes de excelente design.
O frontão desenvolve-se em curva, arrematado por volutas e ladeado por coruchéus. É encimado por cruz, hoje de cimento armado visto que a original foi destruída por uma descarga elétrica nos anos 30.
Duas janelas, à altura do coro, integram-se aos cunhais e cimalha.
A planta é composta por nave retangular, capela-mor ladeada por duas sacristias, um consistório paralelo à nave e sineira à esquerda típica das demais igrejas de irmandades de Tiradentes.
Outra duas cruzes de cantaria encimam as empenas da nave e capela-mor. Os beirais superiores são em cimalha de cantaria e, os inferiores (sacristia e consistório) são de cachorros e beira seveira.
A portada, de verga reta, possui decoração em frisos curvos e tarja de gosto barroco. Sobre a portada, colocada em um nicho, está a imagem de São Benedito, um dos mais populares santos negros na colônia.
Todas as portas e janelas são compostas por vergas retas, típicas em Minas Gerais na primeira metade do século XVIII.
A igreja compõem um dos Passos da Paixão de Cristo, (pontos de oração durante as procissões de Semana Santa), dispostas em vários pontos da cidade.
O Interior
Internamente, a decoração conta com o retábulo do altar-mor, do terceiro quartel do século XVIII, de estrutura joanina, mas com decoração de gosto rococó, dourado e policromado; dois retábulos colaterais menores, numa interpretação provinciana do estilo D. João V, policromados e dourados, provavelmente provenientes da capela primitiva.
A decoração interna manteve o essencial de suas características originais.
A Capela
No coroamento do retábulo, há uma tarja com uma lua em baixo-relevo. A representação da lua junto a iconografias de Nossa Senhora tem como referências: a citação da representação da Virgem no Apocalipse – “um grande sinal apareceu no céu, uma mulher vestida de sol, a lua debaixo dos pés, e uma coroa na cabeça”; frase do Cântico dos Cânticos.
Apesar de já incluir ornatos assimétricos na base e no registro superior, a tipologia desse retábulo remete ainda à fase do barroco joanino, como atestam as colunas torsas do tipo salomônico e o dossel do coroamento com sanefa e cortinado.
Acima do dossel, dois anjos apresentam a cartela com a coroa de Nossa Senhora, tendo ao centro a meia-lua em moldura oval, formada pelas contas do rosário.
Altar mor
No camarim, acima de um fantasioso trono em volutas divergentes, semelhante ao da matriz, figura a imagem de Nossa Senhora do Rosário, de origem portuguesa, provavelmente da região de Braga. Nos nichos laterais estão as imagens de São Brás, à direita, e de Santo Elesbão, à esquerda, este último de cor negra e pisando a cabeça de um rei branco, segundo sua iconografia tradicional.
Dos retábulos da nave colocados em chanfro na parede do arco cruzeiro que divide os espaços de Capela mor e nave da igreja.
Altares laterais
Os dois altares colaterais, com pouca talha são pintados em cores fortes, sendo o da direita dedicado a São Benedito e o da esquerda a Santo Antônio de Cartagerona ou do Noto, ambos santos negros. Estas peças são a interpretação provinciana do estilo D. João V e devem ser originárias da antiga capela.
Púlpitos
Possui, ainda, bela balaustrada torneada, púlpito com bacia de cantaria, coro com pilastras copiados da Matriz.
A Pintura no forro da Capela
Um dos aspectos mais notáveis desta igreja é o forro de perspectiva barroca da capela-mor, único do estilo conservado nas igrejas da região.
Completando o conjunto decorativo da capela-mor, o forro traz uma pintura ilusionista que representa São Francisco de Assis e São Domingos recebendo o rosário de Nossa Senhora. Provavelmente foi executado na primeira metade do século XIX.
Essa pintura de autor desconhecido é sem dúvida contemporânea do retábulo, podendo ambos datar de cerca de 1760, quando aparecem os primeiros sinais do rococó na talha mineira. É interessante observar o cuidado do pintor de ajustar a pintura ao coroamento do retábulo, através de uma arcada fingida na parede.
Luciana Braga Giovannini escreveu uma magnífica tese: OS MISTÉRIOS DO ROSÁRIO: VISÃO, CONTEMPLAÇÃO E INVOCAÇÃO, que aborda um estudo Iconológico das pinturas de forro da Capela e o forro da nave de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos (ver fonte). Também realizou um catálogo que reúne toda a obra de Manoel Victor de Jesus (autor das pinturas na nave) localizada na Vila de São José e região, tanto as obras documentadas como as atribuídas.
Este valiosíssimo trabalho que levou dois anos, reúne obras dispersas nas igrejas, nas sacristias, consistórios e pequenas salas sem acesso público. Algumas pinturas estão localizadas em museus, prédios públicos, arquivos, e outras, resguardadas nas mãos de fiéis que temem os roubos de obras de arte. Muitas fotografias das obras são inéditas.
A pintura da capela-mor e apresenta um formato retangular (5,49 X 6,19 m) e foi executada em uma abóbada de berço forrada com tábuas corridas e a técnica empregada foi têmpera sobre madeira. A obra é um exemplar da pintura de perspectiva ilusionista que se caracteriza pela coexistência dos estilos barroco e rococó, fusão de estilos pictóricos que convergiram em Minas Gerais no séc. XVIII e XIX.
Em sua tese, Luciana Braga Giovannini analisa outros casos similares como em Salvador/BA, Portugal e Ouro Preto. Em Minas Gerais, a pintura de teto da nave da capela de São Francisco de Assis em Ouro Preto (1801) o pintor Manoel da Costa Ataíde pode ter usado quatro pontos de fuga permitindo que um maior número de pessoas pudesse observar a pintura sem grandes distorções.

Na Capela-mor do Rosário em Tiradentes a composição é organizada com base em uma estrutura simétrica centralizada, na qual as linhas do desenho convergem para o centro da superfície pictórica. O artista inseriu o quadro recolocado, delimitado por um entablamento de formato circular, no centro da estrutura arquitetônica.
Com a disposição de quatro pontos de fuga, percebe-se a intenção do artista de não obrigar apenas um espectador a ver a quadratura perfeitamente construída, mas possibilitar que mais de um indivíduo possa captar toda a mensagem do seu espaço tridimensional presente no universo imagético. Para tal, os quatro pontos de fuga criam ampla área perspéctica.
Esse recurso é normalmente empregado em tetos de maiores dimensões, mas também pode ser observado em tetos de pequenas dimensões. Na pintura da capela-mor da Igreja do Rosário de Tiradentes, um teto de pequenas dimensões, o pintor utilizou a perspectiva com a intenção de organizar a composição e dirigir a atenção do observador para uma parte importante da imagem, privilegiando a representação da narrativa religiosa inserida no centro da quadratura e além de permitir que mais de uma pessoa contemple a obra ao mesmo tempo, possibilita ao observador circular no interior da capela sem que, com isso, a imagem seja alterada.

O artista, adaptou uma cúpula centralizada e criou oito semicírculos, uma abertura de formato octogonal que acompanha a base da estrutura arquitetônica. O pintor adaptou as técnicas às condições irregulares do suporte, fez opções em relação à projeção elegendo a convergência das linhas de fuga para o centro do suporte sem, contudo, centralizar em um único ponto, adaptou o entablamento ao projeto octogonal e acolheu a sugestão de iluminação para favorecer a ilusão.
Ao conciliar quadratura e quadro recolocado reproduziu o modelo português de pinturas de teto em perspectiva conjugando as duas influências artísticas: italiana e portuguesa.
A pintura da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Tiradentes é uma pintura de perspectiva ilusionista com abertura para o céu. A quadratura cria a abertura celestial, proporciona a transição entre o espaço real e o espaço imaginário e delimita os espaços terreno e celestial.
O ilusionismo seduz o observador. O engano do olho desperta a dúvida e conduz o fiel a pensar que o fingido é autêntico. O artista utilizou de vários artifícios para criar a ilusão da terceira dimensão, representar a profundidade, fingir uma falsa cúpula e criar uma atmosfera de abertura celestial.
Logo acima da cimalha, surge, aos nossos olhos, uma estrutura arquitetônica em perspectiva que cria um espaço semelhante a uma cúpula com aberturas para o céu, onde o azul inunda o ambiente sagrado de uma luminosidade serena e reveladora. A luz é distribuída em torno de toda a cúpula e ilumina o seu interior através dos arcos e janelas abertos ao céu.
A luz empregada na pintura da capela-mor é uma luz intensa de fortes contrastes que divide e destaca os espaços, a cúpula escura e o céu iluminado. As cores sóbrias do espaço terreno são compensadas pelas cores claras e vibrantes do espaço celestial, delimitando os dois ambientes que, juntos, formam um todo único.

Um anjo que passa por um dos arcos para e olha o interior do templo, atitude que revela a comunicação entre os seres celestiais e os fiéis que observam o episódio sacro no interior da capela-mor. Outro, ao passar pelo arco, vira o rosto e olha para trás para ver o que está acontecendo dentro do espaço arquitetônico. Um deles aparece ajoelhado nas nuvens, olhos fechados e com a mão no peito em atitude de respeito enquanto, na janela do meio, dois anjos se comunicam e um deles faz um gesto que acreditamos ser sinal de silêncio, levando o dedo à boca.
O artista registrou um anjo no momento exato em que passava pelo arco, o observador só pode ver parte do seu corpo que foi representado a partir de um determinado ponto de vista, tendo que recorrer à imaginação para completar o restante da figura.
Para tornar a cena ainda mais natural o artista reproduziu estes seres celestiais à distância a partir da técnica da perspectiva aérea, onde as figuras perdem a cor e a nitidez na medida em que se afastam no espaço. Se compararmos os anjos ao redor da cúpula com os anjos da Visão Celestial, próximo ao observador, podemos observar a diferença quanto a definição das figuras – cor e nitidez
Raiz
Há um pequeno detalhe da pintura que acreditamos ter um significado relevante. Um galho que pode ser uma raiz localizada na parte inferior da cena entre os dois santos.

Repara os teus erros, isto é, confesse os teus pecados, arrependa das tuas faltas e terá a vida eterna. O mau foi cortado, mas a raiz da árvore permaneceu como símbolo da ressurreição. Para tanto, só existe um caminho e ele está nas mãos do Altíssimo, ele é que tem o poder para perdoar e conceder a vida eterna. O homem pode ter uma vida mundana, cometer os pecados, mas Deus é misericordioso e guarda a vida de todos aqueles que, arrependido das suas faltas, pedirem perdão.
fonte:
- OS MISTÉRIOS DO ROSÁRIO: VISÃO, CONTEMPLAÇÃO E INVOCAÇÃO: Estudo Iconológico das pinturas de forro da Capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos da Vila de São José, Comarca do Rio das Mortes – 1750 a 1828- PGHIS – UFSJ – Luciana Braga Giovannini (1)
- https://www.mg.gov.br
- http://www.ipatrimonio.org/
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