IGREJA NOSSA SENHORA da MERCED – PARTE II: As Virgens “Generalas” como patronas e protetoras dos exércitos americanos

No frontão desta igreja está representando um conjunto escultórico que alude a um acontecimento histórico e fundamental na luta pela libertação do império espanhol.

Nele Manuel Belgrano é visto oferecendo à Virgem de la Merced o bastão de comando do Exército do Norte, antes da vitória na Batalha de Tucumán.

A nomeação de Virgens Generalas em exércitos regulares constituiu uma chave determinante na história da guerra de independência na América, dando testemunho da popularidade que esta imagem alcançou entre os crioulos revolucionários no sul do Peru e no Río da Plata.

 As Virgens Generalas


Virgem Generala

A magnitude da guerra durante o processo de independência e a necessidade de legitimar a causa entre crioulos e espanhóis implicaram que as virgens padroeiras se tornassem “Generalas” dos exércitos adversários. Nas vitórias os dois exércitos disputaram o monopólio do milagre e proteção da Virgem.

É importante destacar que o uso bélico das imagens das “Generalas” não era exclusividade do lado revolucionário, já que entre os monarquistas o General Pezuela (exército espanhol) nomeou a Virgen del Carmen “Generala” de seu exército para contrariar a política religiosa de Belgrano.

  • Virgens Generalas do exército revolucionário: Virgen de la Merced
  • Virgens Generalas do exército monarquista: Virgen del Carmen

Apesar da grande heterogeneidade na composição dos exércitos devido à diferente origem étnica e geográfica dos soldados e também apesar da heterogeneidade das formas de fazer a guerra (além do exército regular, milicianos e guerrilheiros lutavam também), todos eles faziam parte do mesmo horizonte cultural e religioso.

A prática religiosa foi uma preocupação fundamental em ambos os exércitos, tanto os monarquistas como os revolucionários, não apenas devido à devoção pessoal de seus Generais, mas também por causa de seu papel político e institucional no próprio espaço da guerra. A liturgia católica não era apenas a forma mais eficaz de construir um exército regular disciplinado, mas também uma forma de os próprios soldados e os povos da região acreditarem na sacralidade da causa libertadora e da ansiada independência.

Desse modo, a religião introduziu a disciplina não só nos exércitos, mas também na sociedade, uma vez que o código militar-religioso buscava uma reforma total dos costumes. Bailes, reuniões noturnas em mercearias, palavras indecentes, jogos de azar e embriaguez eram proibidos.

O Frontão da Igreja da Merced


O costume de oferecer as bandeiras capturadas à Virgem teve antecedentes distantes na Europa e foi uma prática comum durante as guerras de independência na América.

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Nesta obra, Manuel Belgrano é visto oferecendo à Virgem de la Merced o bastão de comando do Exército do Norte, antes da vitória na batalha de Tucumán. Ante condiciones adversas, a vitória do combate transformou o triunfo em um milagre, e desde então Virgem da Merced e é a patrona e general do Exército Argentino.

Manuel Belgrano oferece a bandeira para a Virgen “Generala”: a Virgem da Merced

Na Batalha de Tucumán, Manuel Belgrano derrotou as tropas monarquistas do brigadeiro Juan Pío Tristán, que dobraram as suas em número, impedindo o avanço real sobre o noroeste argentino. Junto com a Batalha de Salta, ocorrida em 20 de fevereiro de 1813, o triunfo de Tucumán permitiu aos crioulos argentinos a confirmarem o controle os sob os limites norte do país.

Em 1894 iniciou-se uma remodelação total do edifício, cuja fachada foi modificada pelo famoso arquiteto Juan Antonio Buschiazzo.  A obra de remodelação da Basílica de la Merced durou seis anos e foi inaugurada em 24 de Abril de 1900.

Na fachada os nichos originais de ordem inferior foram cegados e colocados esculturas no andar superior, mas a proposta mais inovadora do projeto de Buschiazzo foi o frontão de um conjunto escultórico que alude a um acontecimento histórico e fundamental na luta pela libertação crioula do império espanhol.

Belgrano e a Batalha de Tucumán


Tanto Pezuela como Belgrano encarregaram-se de exércitos derrotados, mal organizados, com pouca disciplina, sem recursos e abatidos não só pelos infelizes atos de guerra mas também pela praga da deserção, que ameaçava mesmo depois de obtida uma vitória. O esforço para manter um exército unido, coordenado, disciplinado e com espírito de subordinação exigia perseverança e enormes talentos. Provavelmente para Belgrano o desafio era mais árduo, o que se refletia em suas cartas de reportes oficiais, mas ambos os dois careciam de combatentes sendo a maioria dos oficiais jovens e inexperientes.

Com devoção, Belgrano havia solicitado sua intercessão horas antes da batalha, quando avisou que a disputa aconteceria no dia 24 de setembro, dia de sua procissão popular em San Miguel de Tucumán, e sabendo que o exército inimigo estava mais bem provido em número e experiência , deixando muito poucas chances de ganhar.

Certamente, o desenvolvimento da batalha foi atormentado por imponderáveis ​​que desorientaram os dois lados. A repentina presença de um furacão e uma tempestade de gafanhotos aumentaram a confusão. Nesse cenário quase bíblico, a tradição oral, segundo a experiência de vários soldados sob o comando de Belgrano, eles dizerem que a própria Virgem apareceu no campo de batalha em uma nuvem de poeira e seu corpo branco se interpôs de frente para as balas, atribuindo o triunfo inesperado à intervenção milagrosa presença da Virgen da Merced.

Depois da Batalha de Tucumán, foi combinado que a procissão de Nossa Señora da Merced fosse realizada no mês seguinte à data habitual. A multidão era grande, oficiais e soldados compareceram à missa no templo de La Merced e marcharam junto com a vizinhança atrás da imagem. Naquele momento parte da tropa que combateu com os últimos realistas, eles entraram na cidade. Belgrano ordenou que não desmontassem e, apesar do suor e da poeira que os cobria, se juntassem à procissão.

Todos viveram a vitória com grande emoção e sentimentos piedosos, que se intensificaram quando a procissão da Virgem chegou ao campo de batalha. De repente o General Belgrano abandona o seu lugar e dirige-se sozinho em direção da virgem … A procissão para … os olhos de todos estão direcionados para investigar a causa desse fato … era Belgrano entregando a sua espada nas mãos da Virgem da Merced.

Depois de sua vitória em Tucumán (24 de setembro de 1812) contra as tropas de Pío Tristán, de maneira inusitada, o General Manuel Belgrano nomeou a Virgem Generala a à Virgem da Merced

A partir deste momento, pode-se dizer que Belgrano concentrou grande parte de suas energias na implantação firme da prática religiosa e na veneração de N. S. da Merced nas tropas. A devoção local a essa imagem foi adoptada à causa “sagrada” da revolução e começou a ganhar uma firme legitimidade em Tucumán. Os cabildos de Tucumán, Salta e Santiago del Estero converteram o 24 de setembro em efemérides de uma pátria em construção, sem deixar de lado, claro, às suas divindades locais.

Belgrano impôs penalidades severas a qualquer pessoa que violasse os costumes locais e fosse insolente com a religião. Em suas cartas e comunicações oficiais com a “Junta de Governo”, ele invocou constantemente sua confiança na Virgem Generala.

Banderas do exercito espanhol, capturadas por Belgrano

Enviou as bandeiras capturadas em batalha aos principais templos De Tucumán, Córdoba e de Buenos Aires para serem depositadas como oferenda diante de suas imagens marianas. Por sua vez, as freiras de Buenos Aires enviaram a Tucumán uma remessa de 4000 escapulários com a imagem de N. S. de la Merced para serem repartidas na tropa que Belgrano distribuiu em uma cerimônia religiosa, no altar-mor do templo de La Merced. Esses escapulários se tornaram a marca de guerra do Exército do Norte.

As duas últimas batalhas Batalla de Vilcapugio (1 de outubro de 1813) e a Batalla de Ayohuma (14 de novembro de 1813), aconteceram no marco das guerras de independência da Argentina e da Bolívia, na “Campanha do Alto Peru”, em que o Exército do Norte sob o comando do General Manuel Belgrano foi derrotado pela segunda vez pelas tropas do vice-reinado comandadas pelo General Joaquín de la Pezuela.

Virgens “Generalas” na América


As Virgens Generalas nascidas nos quartéis e campos de batalha foram posteriormente apropriados para impô-las como protetoras das novas nações americanas liberadas, destacando sua significância durante as celebrações do primeiro centenário da pátria, especialmente no Peru e Argentina.

No século XX, durante sua coroação pelo ocasião do centenário, o exército peruano concedeu à Virgem da Merced o título de “Grande Marechal do Peru”. Na Argentina, a Virgem da Merced teve sua coroação no centenário da Batalha de Tucumán. Por sua vez, a Bolívia proclamou a Virgen del Carmen padroeira das Forças Armadas. No Chile, desde que Bernardo O’Higgins a declarou “Generalísima das Armas” às ​​vésperas da batalha de Chacabuco (1817), esta imagem tornou-se a Virgem “nacional” daquele Estado.

Passado um século, no entanto, deve-se notar que as apropriações das invocações por parte dos crioulos ocorreram em um contexto com um significado diferente daquele dos anos da “guerra revolucionaria”. Novas operações simbólicas de nacionalização das invocações são observadas a partir das primeiras celebrações do centenário

A imagem da Virgem da Merced, venerada na Basílica homónima em Lima, foi entronizada no início do século XVII. Em 1730 foi proclamada Padroeira de Peru e, em 1823, Padroeira das armas da República. No primeiro centenário da Independência da nação, a imagem foi coroada. Ela recebeu o título de Grande Marechal do Peru, em 24 de setembro de 1921. Desde aquela data, a celebração anual da Merced é feriado nacional.

Virgem “grande” ou Virgem “pequena”:

A quem corresponde a coroa?


Durante sua marcha para Tucumán, Belgrano recebeu uma nova e peremptória ordem do Triunvirato (organização de governo posterior à Junta de Governo em Bs As) para se recuar definitivamente para Córdoba, deixando assim as Províncias do Noroeste à sua própria sorte. Mas o general responde que está decidido a lutar porque considera fundamental ajudar a população de Tucumán, que desesperada lhe pediu que defendesse a sua cidade. Ele conta com ajuda do jovem tenente Gregorio Aráoz da Madrid e Juan Ramón Balcarce, que recrutou o que seria o primeiro corpo de cavalaria.

Sem uniformes e com lanças improvisadas, os “guardamontes” utilizados pelos crioulos (cobre pernas de couro) se tornariam famosos em todos os combates. Balcarce conseguiu organizar uma força de quatrocentos homens, sendo o ponto de partida da famosa cavalaria gaúcha que aparecerá pela primeira vez em uma batalha campal, na cidade de Tucumán.

A memorável vitória alcançada em Tucumán, em 24 de setembro de 1812, começou ao meio-dia daquele dia, terminando na madrugada do dia 26, após a retirada do exército monarquista comandado por Pío Tristán. Nessas circunstâncias, a procissão solene da Virgem das Mercedes não conseguiu ser realizada no dia 24. Realizou-se no dia 28 de outubro seguinte, dia em que eram comemorados os santos Simão e Judas, aos quais também se costumava manifestar a devoção popular com procissão. A imagem da Virgem saiu de sua própria igreja, rodeada pelo povo de Tucumán de profunda fé mercedária.

Na igreja da Virgem da Merced, em Tucumán, está preservada a imagem original que foi coroada pelo Papa Pio X em 1912, quando foi celebrado o primeiro centenário da gloriosa batalha.

Virgem “Pequena”, Igreja da Merced, em Tucumán

Porem, um grande debate se instala, pois em 1787 a irmandade pagou por outra imagem maior, que começou a ser conduzida em procissão, preservando a anterior no templo. O uso popular diferenciava elas como a “Virgem Grande” (a nova) e a “Virgem Pequena” (a original).

O “grande” foi confiada à guarda ao casal do espanhol Manuel Carranza e sua esposa tucumana, Josefa Tejerina, que tinham um oratório dedicado à Virgem em sua casa.

Todos os anos eles entregavam a imagem resplandecente para procissão. Quando chegou a cerimónia de coroação em 1912, debateu-se qual das duas imagens devia usar a coroa original, o que foi resolvido por decreto da Santa Sé, após investigação de documentos e testemunhos, escolhendo a Virgem Pequena. Descontente, o último descendente do casamento Carranza-Tejerina, decide entregar a Virgem Grande aos Padres Mercedários de Buenos Aires para colocá-la na basílica de Nossa Señora dos Buenos Aires, ainda a ser construída, localizada no bairro portenho de Caballito, na esquina da Avenida Gaona com a rua Espinosa.

Virgem” Grande”, igreja Nossa Senhora de Buenos Aires

Hoje ela é venerada em um magnífico camarim no andar superior do templo, que foi inicialmente destinado à Nossa Senhora de Buenos Aires, em troca, ela preside a igreja desde seu altar-mor.

Em 1936, o bispo de Tucumán pediu que lhe fosse devolvido com base na tradição canônica e alguns testemunhos. Os mercedários portenhos opuseram-se à sua devolução, recorrendo aos documentos que atestavam a posse legítima.

O bastón de mando de Belgrano


Durante a procissão, pediu para baixar a imagem da Virgem Maria, justamente ao entrar no Campo das Carreras (que fora o cenário da batalha decisiva), oportunidade em que lhe ofereceu a sua batuta de comando, a proclamando-a Virgem Geral do Exército do Norte. É por isso que uma banda com as cores nacionais aparece na icnografia nacional.

Os pesquisadores sugerem que o “bastón de mando” que Belgrano usou naquela ocasião era uma cana de açúcar ou tacuara, limpa e polida. Dias depois, convencido de que a Virgem merecia uma oferenda melhor, Manuel Belgrano confia a seu irmão Joaquín Cayetano (1773-1848) em Buenos Aires a confecção de uma melhor. Este cumpriu sua missão e enviou uma de marfim com cabo em ouro.

O bastón original é usado pela Virgem em Tucumán. Foi feita uma reprodução daquele e que se conserva no Instituto Nacional Belgraniano de Buenos Aires, e partindo desta última, foi feita a que hoje tem a Grande Virgem na Basílica de Buenos Aires.

No dia 24 de setembro de 2012, no 200º aniversário da heroica batalha, essa réplica foi substituída por uma nova feita especialmente por ocasião do bicentenário.

 

fonte:

  • https://historiaybiografias.com/historia_basilica_merced/
  • Las Vírgenes Generalas: Acción guerrera y práctica religiosa en las campañas del alto perú y el río de la plata (1810-1818) – Pablo Ortemberg (1)
  • Los Monumentos y Lugares Históricos de Argentina Carlos Vigil -Edit. Atlántida (2)
  • https://www.amepargentina.com.ar/manuel-belgrano-en-el-barrio-de-caballito/home

 

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