OURO PRETO (MG): Igreja N S das Mercês e Perdões – Parte I: A Mercês de Baixo

Esta igreja foi erguida a partir da primitiva Capela chamada Bom Jesus dos Perdões (Cristo Crucificado) edificada pelo padre José Fernandes Leite, que ele mesmo  doou em 1760 à Irmandade de Nossa Senhora das Mercês. Da justaposição abreviada das duas devoções deriva a singular denominação de Nossa Senhora das Mercês e Perdões, pela qual a igreja é conhecida popularmente.

A igreja localizava-se numa região geográfica abaixo da outra irmandade de Mercês, ficando conhecida também como “Mercês de baixo” e a outra como “Mercês de cima” ou “Mercês e Misericórdia”.

Igreja Nossa Senhora das Mercês dos Perdões


A irmandade de Nossa Senhora das Mercês em Ouro Preto, oriunda a partir da Arquiconfraria da Igreja São José, era uma associação de pardos e crioulos, representante de segmentos que buscaram afirmação social na antiga Vila Rica, sobretudo, a partir da década de 1740, quando os pardos começaram a adquirir presença na estrutura social da época.

Igreja São José, do outro lado da Serra da Quiteira

Aquela associação de mercedários instalada em São José sofreu uma ruptura e cindiu-se em duas: uma estabeleceu-se na Freguesia de Nossa Senhora das Mercês da Freguesia do Pilar, adquirindo depois templo próprio na Igreja Mercês de Cima (1771), e a outra se estabeleceu na Freguesia de Antônio Dias, logo transferida á Capela de Bom Jesus dos Perdões (do lado da Igreja São Francisco de Assis, no largo do Coimbra).

A Ordem começou como simples irmandade da Matriz de Antônio Dias, sendo ereto o altar lateral em 1743. Uma vez reunidos os recursos e dinheiro suficiente para a construção de um próprio templo, o primeiro passo era escolher a locação.

Matriz de Nossa Senhora da Conceição, António Dias Ouro Preto (MG)

Em 1760 o padre Fernandes Leite administrador e capelão da capela sob a invocação de Bom Jesus dos Perdões (construída no ano de 1742), a capela foi doada à Irmandade de Nossa Senhora das Mercês. Passa, então, a ser conhecida sob a denominação de Nossa Senhora das Mercês e do Bom Jesus dos Perdões, e só depois veio a simplificação do nome: Nossa Senhora das Mercês e Perdões. 

Sendo assim, a consolidação da fé sob o orago de Nossa Senhora das Mercês dos Perdões foi ritualizada em forma de procissão desde a Matriz da Senhora da Conceição de Antônio Dias aos 17 dias do mês de setembro de 1764 de três imagens da Ordem: a Senhora das Mercês além de outras duas de São Pedro Nolasco e São Raimundo Nonato, os fundadores da devoção à redentora dos cativos.

Arraial de Antônio Dias: a Matriz de Nossa Senhora da Conceição (abaixo); a Igreja de São Francisco de Assis (acima direita); e a Igreja de Nossa Senhora das Mercês e dos Perdões (acima izquerda)

A Irmandade de Nossa Senhora das Mercês dos Perdões localizava-se numa região geográfica abaixo da outra irmandade de Mercês existente em Ouro Preto. Por tanto ficou conhecida também como “Mercês de baixo” e a outra como “Mercês de cima” ou “Mercês e Misericórdia”. Tal situação despertou desavenças entre os sodalícios por décadas. Foi registrado no livro de termos que a Irmandade “de cima”  buscou usurpar os benefícios e indulgências da Irmandade de Mercês dos Perdões. A contenda entre as duas irmandades de mesmo orago vai se arrastar por décadas e culminou em disputas nos tribunais eclesiásticos da Cúria de Mariana.

Irmandade de Nossa Senhora das Mercês dos Perdões


Citando a Ana Alvarenga de Souza em sua tese titulada: “A Irmandade Mercês dos Perdões e a formação de identidades em sodalícios negros: Minas Gerais, 1763 a 1810” presentada no Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFOP. O trabalho analisa o único conflito étnico entre escravos, registrado na documentação encontrada até aqui, no interior de irmandades em Vila Rica nos setecentos.

A traves do analise do Livro de Termos permitiu-lhe confeccionar as seguintes tabelas que ajudam a compreender a composição social dessa Irmandade, marcada pela presença de crioulos em maior número de componentes, seguidos dos pardos e brancos.

O predomínio ficava a cargo dos crioulos forros, sendo que o termo crioulo distinguia a pessoas nascidas no Brasil.

Agregava as gentes brasileiras de cor e, diferentemente dos sodalícios de portugueses, admitia e incentivava a presença de mulheres, apresentando grande proporção em seus quadros. Podemos inferir que a participação feminina nesse sodalício sempre foi superior a masculina.

O número de escravos durante todo o período analisado foi inferior ao número de forros e livres. E o mais interessante é que o número de livres aumentou a partir de 1777 a 1810. Acreditamos que a superioridade numérica da condição de livres no interior dessa irmandade se relaciona com a situação de baixa demográfica ensejada pela crise da mineração em Vila Rica no período em questão.

Entretanto, quando o curso da vida mudava, por exemplo, quando um escravo ganhava sua alforria, logo precisava mudar também seu meio de sociabilidade para tentar alcançar um novo lugar social. Era assim que muitos alforriados deixavam as Irmandades do Rosário e rumavam para a das Mercês.

Fachada


A igreja tem uma elegante locação no alto de uma colina, de forma monumental, com duas torres quadrangulares, composta pela nave principal, capela-mor fazendo corpo com a Sacristia, ao fundo e o Consistório na parte superior.

Os visitantes ingressam pelos fundos pois o frontispício da Capela de Nossa Senhora das Mercês e Perdões esta situada de costas para a Capela de São Francisco de Assis e de frente para o Pico do Itacolomi.

A irmandade, ao assumir o templo de Bom Jesus dos Perdões, executou uma série de reformas na antiga capela,  obras que devem ter sido executadas entre 1769 e 1772.

Nas Minas setecentistas, o pau a pique foi empregado em edifícios religiosos diversos, como a Capela de Nossa Senhora do Ó (Sabará), a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição (Catas Altas) e a Igreja de Nossa Senhora das Mercês e Perdões, em Ouro Preto.

O pau-a-pique é a técnica que consiste em tomar troncos e galhos de madeira retos, que nas extremidades inferiores são fincados no chão e nas extremidades superiores são fixados a suportes horizontais, normalmente vigas que servem de suportes para a estrutura do telhado. Trata-se, por assim dizer, de uma grade de madeira cujas frestas são preenchidas por barro. Essa técnica pode apresentar uma variante na qual a madeira, em lugar de ser fincada no chão, apoia-se sobre um baldrame.

São de cantaria: o frontispício, a tarja externa e o corpo principal da Capela, além das duas pias de água benta, à entrada principal.

Torres


A Igreja das Mercês e Perdões, tem duas torres de bases quadradas e encimadas por cúpulas arredondadas, também conhecidas como zimbórios, lembrando o bojo de uma campainha, com coruchéus como remate.

Em princípios do século 19, a edificação sofreu mudanças radicais, incluindo a substituição das paredes de taipa por alvenaria de pedra, mas estas reformas não abrangeram a construção das torres da fachada. Na ocasião, foi construída provisoriamente uma única torre em taipa, do lado direito, para as necessidades do culto. A segunda torre foi construída na segunda metade do século, através de verbas do Governo Provincial.

Com referência à construção dessas torres, foram localizados no acervo do Museu do Aleijadinho 3 novos documentos. Contudo, Cônego Raimundo Trindade transcreve dois outros documentos que dizem respeito à disposição da Ordem Terceira de construir as torres da capela que datam de 03.04.1808 e 25.11.1810. O primeiro documento se refere a um Termo de ajuste para que Antônio Jozé de Lima construisse três sineiras e o remate da torre, quer dizer, uma torre somente, por quantias pagas parceladamente ao longo do ano, num total de 1:330$000. Em 25.11.1810, há outra menção a um Termo de ajuste de obra com Mestre Gregório Mendes Coelho em lugar do desistente Antônio Jozé de Lima, pelo valor de 1:400:000.

Parece ter caminhado lentamente a vontade de se colocar em prática a construção da torre, pois o primeiro documento datado de (1815) e (1856) demonstra mais uma vez a disposição de se construir uma torre que, de acordo com o Procurador da Ordem, era de “grande nececidade”.

Por fim, o documento de 1856, um atestado de conclusão da obra da torre, ele foi emitido por Vicente Martins Coelho e atesta ter sido a obra feita conforme risco e encomendada pelo Mestre construtor Francisco de Paula Machado, diferentemente, portanto, do contratado inicialmente em 1840, o Mestre Antônio Jozé da Silva.

Em 1873, um novo risco de uma nova torre é apresentado, como demonstra o orçamento de Torre e Frontispício elaborado pelo engenheiro Dr. João Victor de Magalhães, conforme documento de 15.07.1873, último documento dessa Ordem localizado que versa sobre construção das torres do templo.

Sinos


O primeiro grande sino desta igreja foi feito em 1768 pelo João Antonio (nativo da Vila de Sabará). Sino de oito arrobas de peso, ou seja significa que o sino pesou 120 kg, aproximadamente equivalente a 48 oitavas de ouro.  Anos depois em 1793, no Livro de Termo existe constância de aceitação do novo sino de 13 arrobas e meia libra, fundido por Pedro França por 44 oitavas de ouro.

Alguns profissionais foram prestadores de serviço em duas e até três confrarias, como é o caso de Antônio de Crasto Lobo, que trabalhou, em 1771 e 1777, na Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos; em 1776, na Ordem Terceira de Nossa Senhora das Mercês; e, em 1795, para a Ordem Terceira da Penitência de São Francisco de Assis. Manuel José Machado, a exemplo de Antônio Crasto Lobo, também prestou serviço para a Ordem de São Francisco de Assis, preparando as ferragens para o sino, e para a Ordem Terceira das Mercês e Perdões, fundindo o sino meião, pesando seis arrobas, em 1795.

Um século depois o fundidor José Valentim Onofre foi o responsável pela feitura do sino grande da Ordem Terceira das Mercês e Perdões em 1884, com 25 arrobas, fez um sino da Matriz de Nossa Senhora do Pilar de São João del Rei em 1879, o grande sino da Ordem Terceira de São Francisco de Assis em 1883, com 70 arrobas,  aproximadamente 1020 kg.

 

fonte:

  • Igreja de Nossa Senhora das Mercês e Misericórdia em Ouro Preto: religiosidade e rivalidade nas Minas Setecentistas – Marcelo Almeida Oliveira (1) 
  • Fé e Cultura Barroca sob o Manto Mercedário: Hierarquias, devoções e sociabilidade a partir da irmandade de Nossa Senhora das Mercês de Mariana – Vanessa Cerqueira Teixeira (2) 
  • A Irmandade Mercês dos Perdões e a formação de identidades em sodalícios negros: Minas Gerais, 1763 a 1810 – ANA ALVARENGA DE SOUZA (3)
  • MEMÓRIA CAMPANÁRIA: edição e análise de fontes confrariais da freguesia de Antônio Dias de Ouro Preto – MG – Maria do Carmo ferreira dos Santos (4)
  • http://portal.iphan.gov.br/

 

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *