OURO PRETO (MG): Igreja de São José – Parte III: Depois de permanecer 20 anos fechada a igreja foi integramente restaurada

É incrível imaginar que a restauração de uma igreja representativa de uma cidade pertencente ao Patrimônio da Humanidade levara 20 anos em se concretizar. Finalmente em setembro de 2010 foram empreendidos esforços pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), pela Paróquia de Nossa Senhora do Pilar (através do Museu de Arte Sacra) e pela Prefeitura Municipal de Ouro Preto, para viabilizar a restauração desse importante monumento.

Sob o patrocínio do Banco (BNDES) e do World Monuments Fund (WMF), os trabalhos de restauração arquitetônica foram executados pela empresa Hexágono Consultoria e Engenharia Ltda. Em dois anos tão só, a equipe técnica de restauração liderada pela arquiteta Deise Cavalcanti Lustosa conseguiu devolver todo o esplendor desta magnifica obra de arte do barroco mineiro.

Restauração da Igreja de São José dos Homens Pardos ou Bem Casados


Oficialmente denominada Capela Imperial de São José dos Homens Pardos ou Bem Casados ​​e Santa Cecília dos Músicos, está localizada em Ouro Preto, cidade Patrimônio da Humanidade reconhecida por sua arquitetura barroca. A construção da igreja começou em 1760, no auge da riqueza da cidade, derivada da mineração de ouro e diamantes.

A combinação única de uma torre única sobre um balcão curvo e saliente e porta única na fachada distingue o edifício das outras igrejas barrocas da região. Antônio Francisco Lisboa, apelidado de Aleijadinho, o renomado escultor e arquiteto brasileiro do século XVIII, projetou o altar-mor. A estrutura é Monumento Nacional desde 1939 e atualmente está sob a administração do Museu de Arte Sacra.

Apesar de sua importância, a igreja ficou sem uso por anos e foi afetada pela instabilidade geotécnica, intervenções anteriores inadequadas e manutenção insuficiente, que levaram à sua deterioração.

As obras foram iniciadas em agosto de 2010 com foco no levantamento das condições e trabalhos de restauração externa. Numa segunda fase no interior da nave, os elementos de madeira deteriorada foram substituídos por novas peças, de dimensão idêntica à original. O arco do transepto e os altares principal e lateral também foram restaurados.  A análise da pintura revelou o esquema de cores e composição originais para a conservação dos elementos pictóricos. Os conservadores expuseram e conservaram as pinturas murais originais e os acabamentos decorativos das paredes e altares, que haviam sido cobertos com tinta por décadas.

Este projeto foi acolhido pelo Museu de Arte Sacra da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar e aprovado pela Lei de Incentivo do Ministério da Cultura. A captação dos recursos financeiros foi um trabalho conjunto do Museu de Arte Sacra e da Prefeitura Municipal de Ouro Preto que não pouparam esforços para encontrar patrocinadores para tão necessária e urgente restauração. Sob o patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do World Monuments Fund (WMF), foram iniciados os trabalhos de restauração arquitetônica em setembro de 2010 pela Projeto Hexágono Consultoria e Engenharia Ltda.

Pesquisas, prospecções e análises


Verificou-se que o estado da edificação e dos elementos artísticos eram agravados pelos problemas recorrentes da falta de manutenção, que aceleravam as deteriorações dos materiais constitutivos. Incluíram-se reparos no telhado de telha, paredes externas e estabilização geotécnica do átrio e degraus em frente à igreja.

Observou-se um impactante cenário, onde se evidenciava o grave estado de deterioração a que estavam submetidos os bens móveis e integrados. Havia infiltrações de águas pluviais no telhado e nos pisos; ausência dos forros da nave e da capela-mor; esquadrias e pisos degradados e com perdas; perdas estruturais, ataques de insetos xilófagos e umidade nos pisos; reboco e pintura interna e externa em mau estado de conservação. O estado de conservação dos elementos artísticos integrados era muito preocupante devido à exposição aos elevados índices de umidade, ataques de insetos xilófagos e sujidades generalizadas, colocando em risco a integridade estética e estrutural.

Efetuou-se também uma pesquisa na documentação existente no IPHAN, na qual estão arquivados os projetos, relatórios e vistorias das intervenções ocorridas depois de 1937, ano do tombamento da Igreja. Pela documentação consultada, pode-se inferir que ela recebeu reparos nos anos de 1947/48 e intervenções nos anos de 1958/59, 1981/82 e em 1995.

A igreja permaneceu 20 anos fechada

Nas intervenções de 1958/59, feita pelo antigo Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Dphan), diversos trabalhos de restauração foram efetuados na edificação. Essas intervenções incluíram: reconstrução do telhado da nave, da capela-mor e do consistório; restauração das esquadrias e limpeza dos forros; caiação interna das paredes; e aplicação de demão de tinta a óleo na capela-mor. Em 1981/82, foram executados trabalhos de conservação e restauração na edificação, como a substituição de pisos, paredes e rebocos estruturalmente comprometidos; escorado o piso do consistório, entre outros trabalhos. Segundo a documentação consultada, nessa intervenção foi realizada a pintura de cor cinza dos retábulos da nave, que eram até aquele momento em gesso e cola, isto é, estavam na cor branca. A restauração de1995 foi efetuada através de convênio firmado entre o Instituto Cultural do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, a Fundação do Museu de Arte Sacra de Ouro Preto e a Prefeitura Municipal e teve como principal objetivo resolver o acentuado grau de deterioração da cobertura. O forro da nave apresentava cambotas empenadas e em adiantado estado de apodrecimento; as cimalhas também estavam em muito mau estado, já tendo perdido totalmente a lateral direita.

“Esponsais da Virgem”, do pintor Manoel Ribeiro Rosa

O forro da capela-mor em tabuado de lambri estava totalmente infestado por insetos xilófagos e já não era o original, removido há várias décadas. Segundo o Cônego Raimundo Trindade, ele era “uma das obras mais significativas da pintura mineira do período colonial: o Desponsório de São José, de autoria de Manoel Ribeiro Rosa.”

Após sua ruína, ele foi removido e a representação central foi montada em uma moldura como um quadro, que esteve por algum tempo pendurado no arco do coro da Igreja. Foi, posteriormente, doado ao arcebispo Dom Helvécio Gomes de Oliveira que o conservou em uma das salas do Seminário Maior da Arquidiocese de Mariana. Atualmente, encontra-se em exposição no Museu Arquidiocesano de Mariana com o título de Esponsais da Virgem. No entanto, essas intervenções não foram suficientes para manter a integridade física e estética da Igreja, que foi então fechada, aguardando uma nova intervenção com o objetivo de restaurar todo o monumento, isto é, a edificação e elementos integrados.

A última Restauração (2010 – 2012)


Após a montagem do canteiro de obras com andaimes, colocação de pisos, guarda corpo e iluminação, foram iniciados os trabalhos pela revisão do telhado. A restauração estrutural do forro e cimalhas da nave foi iniciada em setembro de 2010. O forro foi totalmente reconstruído e a cimalha, reestruturada, onde ainda restavam partes originais e complementada nas partes faltantes.

Em abril de 2011, a equipe responsável pela restauração dos elementos artísticos iniciou a restauração pelo conjunto da capela-mor: arco-cruzeiro, retábulo, camarim e tribunas. O arco-cruzeiro foi vistoriado para identificar os trabalhos a serem realizados no restauro estrutural, sendo depois desmontado e suas partes mapeadas. O mesmo procedimento foi adotado em todas as obras da capela-mor. Cada elemento artístico da capela-mor restaurado estruturalmente era imunizado preventivamente contra ataques de insetos xilófagos, pela equipe coordenada pelo professor Norivaldo dos Anjos, da Universidade Federal de Viçosa.

Outra ação iniciada nessa fase foi uma pesquisa estratigráfica das camadas pictóricas em todo o conjunto da capela-mor. As prospecções realizadas durante a elaboração do projeto de restauração indicavam a existência de policromia original. Como ao longo dos anos todas as áreas da capela-mor receberam várias camadas de pintura, foi necessário fazer um estudo mais amplo para avaliar a quantidade e o estado de conservação das pinturas remanescentes. Foram abertas novas janelas de prospecção, distribuídas em várias áreas da capela-mor. Através delas, foi possível visualizar a existência de até seis camadas de tinta sobre a pintura original. Apesar das lacunas encontradas, o bom estado de conservação das pinturas originais, e principalmente a qualidade dessa decoração, foi determinante na decisão de remover essas camadas de repintura que modificavam totalmente a decoração interna da Igreja.

Arco-cruzeiro


As especificações para a pintura original, que estavam descritas no termo de ajuste firmado pelo pintor Manoel Ribeiro Rosa e a Irmandade de São José, foram fundamentais. Com o respaldado do memorial descritivo das pinturas originais, foi possível resgatar grande parte da pintura de Manoel Ribeiro Rosa, aumentando o conhecimento de seu processo criativo e dos materiais e técnicas por ele empregados.

 

Para o resgate das pinturas do arco-cruzeiro, foram removidas as grossas camadas de tinta que recobriam o original, trabalho executado com critério e paciência, sendo removida uma camada de cada vez, com a combinação de solventes químicos e remoção mecânica. O próximo passo foi fixar ao suporte a policromia e douramento em descolamento. Esse processo possibilitou limpar a camada pictórica com total segurança, removendo todos os resquícios de repinturas e sujidades. Após a aplicação de uma camada de verniz, que resgatou os tons vibrantes da pintura original, foi iniciado o nivelamento das lacunas, isto é, o preenchimento das áreas de perda do nivelamento original.

Foram, então, definidos os critérios a serem adotados para a reintegração cromática de todo o conjunto da capela-mor, etapa de maior relevância nesse processo de resgate das pinturas originais de Manoel Ribeiro Rosa. Conforme levantado na pesquisa documental, essa pintura estava encoberta desde 1885, quando Angelo Clericci repintou a capela-mor até o arco-cruzeiro, sendo então desconhecida da comunidade atual.

Por meio de uma reunião das coordenadoras da restauração com o restaurador Dr. Antonio Fernando dos Santos, representante do IPHAN, e o historiador Carlos José Aparecido de Oliveira, da Paróquia Nossa Senhora do Pilar, ficou decidido o seguinte: usar pigmento e verniz na reintegração, material que daria uma aparência acetinada compatível com a pintura original; utilizar a técnica de tracejado nas áreas de perdas de policromia; utilizar também pigmento e verniz nas grandes áreas lisas; e reintegrar os douramentos na técnica original, isto é, aplicar folhas de ouro de 23 quilates sobre bolo armênio.

Concluída a reintegração pictórica do tabuado, o arco-cruzeiro foi remontado, seguindo a marcação feita na ocasião da desmontagem. Uma camada de verniz foi, então, aplicada, para proteger a pintura e uniformizar melhor as partes reintegradas e a pintura original. Para a restauração do retábulo, foi montado um andaime dividido em três andares em toda extensão da capela-mor, sendo os trabalhos iniciados pelo coroamento do retábulo, cimalhas e tribunas.

Altar-mor


O retábulo-mor se encontrava totalmente descaracterizado pelas sucessivas repinturas, conforme indicava a análise do estado de conservação do projeto de restauração. As cores atuais, muito claras e foscas, e a apresentação estética nas áreas de perdas do douramento estavam totalmente em desacordo com a talha barroca.

Durante a remoção das várias camadas de repintura, apareceram novas cores e formas: frisos marmorizados, bolo armênio com restos de douramento, frisos em prata bronzeada, belas rocalhas coloridas e, sobre um fundo perolado, a decoração floral característica da pintura de Manoel Ribeiro Rosa. Nesse momento, porém, foi observado que em partes do retábulo, como as cortinas das laterais do coroamento e dos nichos, já não existia a pintura original. Essas áreas estavam repintadas num tom vinho liso, sem qualquer decoração.

Vista completa do Altar-mor restaurado

Definidos os locais, foi iniciada a remoção das repinturas. A próxima etapa foi o nivelamento das lacunas da camada pictórica e aplicação do bolo armênio nos locais onde seriam aplicadas as folhas de ouro e prata. A reintegração pictórica e a apresentação estética finalizaram o processo, ao resgatar as cores e as formas das pinturas originais. Nos elementos com perda total da decoração original, optou-se por manter a cor da repintura.

No fundo do camarim, pela total falta de referência da decoração original, foi aplicado um fundo liso no mesmo tom perolado do retábulo. Como era uma área de grande dimensão e sem decoração, foi utilizada a técnica do tracejado, para lhe conferir uma maior leveza. Finalizada a restauração da parte superior do retábulo, o próximo passo foi trabalhar nos locais com acesso pelo andar inferior, seguindo a mesma metodologia anterior, até a conclusão da restauração da capela-mor pelo pavimento inferior. A restauração foi concluída com a aplicação de verniz.

Altares Laterais


Os quatro retábulos laterais foram totalmente reestruturados, tendo sido fixadas as partes soltas, complementadas as perdas do suporte e consolidadas as áreas fragilizadas. Para complementar o suporte, utilizou-se cedro, por ser a madeira original da confecção dos retábulos. Todas as suas partes de madeira foram imunizadas e os retábulos foram tratados separadamente a partir dessa etapa.

Os retábulos da nave formam dois pares com aparência e estilos distintos. Os dois próximos do arco-cruzeiro, que possuem um refinado trabalho de talha no estilo nacional português, estavam descaracterizados por uma repintura cinza e fosca. Apresentavam também no coroamento um acréscimo em formato triangular de tabuado liso. As repinturas foram removidas, deixando aparentes os resquícios do antigo douramento. Uma camada de verniz foi, então, aplicada, para proteger e uniformizar a aparência final.

Os outros dois retábulos de tabuado liso também apresentavam a mesma pintura fosca na cor cinza. Essa repintura foi também removida e sobre um novo nivelamento foi aplicada uma camada de tinta no mesmo tom perolado do retábulo-mor e sobre ela foi aplicada uma camada de verniz.

O tapa-vento ainda possuía a pintura marmorizada original e não apresentava problemas estruturais. Sua policromia, que se encontrava muito escurecida e com várias perdas, foi limpa, reintegrada e finalizada com uma camada de verniz.

Os dois púlpitos, embora de tamanho e formato iguais, não possuíam a mesma solução pictórica sob a pintura marmorizada. No púlpito localizado do lado esquerdo da nave, foi descoberta rara e antiga policromia nas cores branca, preta e vermelha com frisos dourados, encobertos por camadas de repinturas.

Essa decoração é idêntica nas cores e formas das policromias encontradas na decoração das antigas capelas de Ouro Preto, como as capelas de Padre Faria e Bom Jesus das Flores do Taquaral e a Igreja Matriz de Antônio Dias. O púlpito do lado direito da nave era de madeira diferente e não apresentava qualquer policromia subjacente ao marmorizado. Essas diferenças entre eles indicam que um púlpito é muito mais antigo e, possivelmente, remanescente de uma antiga capela. O outro exemplar é possivelmente uma cópia do antigo, e ambos receberam a pintura marmorizada para formarem um par. A solução adotada nesse caso foi resgatar e restaurar a policromia do púlpito antigo, deixando o mais novo com a madeira aparente.

Consistório e Sacristia


A etapa seguinte foi a restauração das pinturas parietais do consistório e corredor da tribuna do lado esquerdo da capela-mor. O estado de conservação dessas pinturas era muito grave, devido ao avançado grau de desprendimento da camada pictórica.

Um minucioso trabalho de fixação desses extratos à parede foi iniciado, repetindo a operação sempre que necessário, até obter a total aderência da camada pictórica. A restauração foi concluída com a limpeza, o nivelamento das perdas e a reintegração pictórica, e foi, então, aplicada uma camada de verniz.

A pintura do forro da sacristia, que também apresentava áreas com desprendimento de policromia, foi fixada, nivelada e reintegrada.

O forro da sacristia é plano em madeira com pintura de dois medalhões com representações da iconografia bíblica (um com o cálice e a hóstia com anjos, querubins, e a inscrição “Pange Lingua Glorios” e o outro com uma passagem e alguns elementos como a tabua dos dez mandamentos. Todo o forro é emoldurado por dois frisos brancos em estuque, apresenta pinturas de temas florais e é arrematado por frisos e sanca com perfil de cimalha.

Reabertura da Igreja de São José


A grande obra de restauração foi concluída no início de 2012, e a igreja voltou a ser aberta ao público após duas décadas de fechamento na celebração da festa de São José, em 18 de março.

Sua importância artística e cultural mereceu atenção de conservação e restauração para trazê-lo de volta à vista do público. As características barrocas marcantes da igreja, bem como o papel que Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, desempenhou no projeto da igreja, permitem que os visitantes consigam admirar toda a beleza de este templo representativo da antiga cidade de Vila Rica.

 

fonte:

  • Saint Joseph Chapel of colored men in Ouro Preto history, art and restoration – Leandro Gonçalves de Rezende – Carolina Maria Proença Nardi – Adalgisa Antes Campos – Daniel Precioso
  • http://portal.iphan.gov.br/
  • https://www.wmf.org/project/church-s%C3%A3o-jos%C3%A9-and-santa-cecilia
  • https://www.ouropreto.com.br/atrativos/religiosos/igrejas/igreja-de-sao-jose-antiga-capela-imperial
  • http://antigo.jornaloliberal.net/noticia/igreja-de-sao-jose-conclui-primeira-etapa-do-restauro/

 

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