TIRADENTES (MG): Igreja Matriz de Santo Antônio – Parte III: Imaginaria da Matriz

A Igreja Matriz de Santo Antônio, considerada uma das obras-primas do barroco mineiro, reúne um importante conjunto de imagens religiosas.

Toda a talha que reveste intensamente o arco cruzeiro, as ilhargas da capela-mor e o retábulo-mor pertencem à oficina de João Ferreira Sampaio, artista português do qual não se conhece outra obra e não se encontrou, até o momento, referência a outras obras nem em Minas, nem em Portugal.

Neste post vamos conhecer os diferentes altares laterais criados pelas diversas irmandades presentes na antiga Vila de São José do Rio das Mortes, atual cidade de Tiradentes.

Retábulo do altar-mor


É possível que a imagem do padroeiro da igreja tenha sido uma das primeiras representações escultóricas do popular Santo Antônio introduzidas na capitania de Minas Gerais. A peça pertenceu sem dúvida à capela primitiva.

Por trás da imagem de Santo Antônio há uma grande auréola de cabeças de anjos e um resplendor de longos raios dourados lembrando a glória divina

Já a imagem de São José, padroeiro da vila criada em 1718, é obra um pouco mais tardia e de origem portuguesa, possivelmente das oficinas de Braga.

Altares Laterais


  • Nossa Senhora da Conceição
  • São Miguel Arcanjo
  • Descendimento de Cristo da Cruz
  • Senhor dos Passos
  • Nossa Senhora da Piedade
  • Nossa Senhora do Terço

Nossa Senhora da Conceição

Os dois retábulos do cruzeiro são as peças mais antigas da nave (anteriores a 1730). Á dereita fica o retábulo de Nossa Senhora da Conceição, invocação da Virgem Maria, muito querida no reino de Portugal.

O retábulo abriga uma bela imagem da Imaculada Conceição pisando um globo de nuvens, com crescente e três cabeças de anjos. Imagem de origem portuguesa, de cunho erudito, teve a policromia original substituída por outra mais clara em 1926, no Rio de Janeiro. Nas peanhas laterais, as duas imagens certamente são de origem mineira, datável da segunda metade do Setecentos. Representam São João Batista e São João Nepomuceno, invocação esta introduzida em Minas nos últimos anos do reinado de D. João V.

Dois pares de colunas pseudos salomônicas, com fuste decorado em cachos de uvas e pássaros, são sustentados por anjos atlantes com guirlandas e pássaros. Externamente, duas pilastras são decoradas com motivos de acantos e pássaros. O coroamento faz-se em um respaldo côncavo com decoração em enrolamentos, acantos e anjos, lembrando ainda a estrutura dos retábulos do período nacional português, mas já de transição para o estilo joanino,. A parte superior possui um frontão reto com decoração fitomorfa, além de anjos, pássaros e meninos. Uma sanefa dourada protege o retábulo superiormente.

Sacrário do retábulo de Nossa Senhora da Conceição

A área do sacrário, bastante interessante, inclui um par de meninos segurando coroas de flores, cabeças de querubins, pássaros e elementos acantivos, centrando uma porta em sol antropomorfo raiado.

São Miguel Arcanjo

O retábulo á izquerda do arco cruzeiro é dedicado a São Miguel Arcanjo e pertenceu à irmandade de São Miguel e Almas. Não há documentação sobre sua construção e autoria, mas sabemos que foi dourado em 1732 graças a Manuel Gomes Leal.

Retábulo lateral dedicado a São Miguel Arcanjo

O retábulo é estruturado por quatro colunas espiraladas, decorado com videiras e pássaros e apoiado em anjos atlantes, entre pássaros, enrolamentos e acantos.

A imagem do arcanjo São Miguel, do período de 1720-1730, expressa notável movimentação barroca, uma execução erudita possivelmente feita em Minas por algum artista originário do reino. A policromia, ainda em motivos barrocos, contribui sobremaneira para a qualidade da imagem.

Imagens de Santa Bárbara e Santa Luzia

Em meados do século XVIII, duas peanhas foram colocadas no intercolúnio para a entronização do par de imagens de Santa Bárbara e Santa Luzia, ambas virgens mártires romanas, trajando sobre a túnica uma dalmática e um manto de nobreza. Os rostos ingênuos e a policromia sóbria indicam que as imagens são de origem mineira.

Os dois retábulos seguintes, se localizam na zona mediana da igreja, são dedicados ao Descendimento de Cristo da Cruz e ao Senhor dos Passos.

Descendimento de Cristo da Cruz

O retábulo do Descendimento é o mais antigo, pois foi encomendado ao entalhador Pedro Monteiro de Souza entre 1730 e 1734.  Reformas e acréscimos foram feitos no retábulo ao longo do Setecentos, como a águia dourada para segurar a lâmpada de prata, entalhada em 1748 por João Ferreira Sampaio.

A imaginária que compõe o retábulo é constituída pela bela imagem de Cristo Crucificado, o Senhor do Descendimento, obra datada por volta de 1727, possivelmente importada do reino, com cabeça, uma perna e braços articulados e cabeleira natural. A peça até hoje serve nas cerimônias do Descendimento e da Procissão do Enterro.

O Cristo é ladeado pela Nossa Senhora da Soledade, de roca, vestida de azul e roxo, da década de 1740, que teve olhos de vidro só no início do século XIX. São João Evangelista, também setecentista, de roca, tem pés e mãos de madeira e cabeça de tela encolada, o que faz crer ser de autoria de Rodrigo Francisco Vieira, mesmo artista que executou a imagem de São Joaquim, datada por volta de 1760.

Uma das mais belas peças da imaginária da igreja

A belíssima imagem de 1760 da Santa Mestra entronizada no retábulo, de rica policromia estofada a ouro, com seus brincos e grande resplendor, parece que teve sua cadeira substituída no período rococó. Essa peça, se não importada de Lisboa, foi esculpida por santeiro português para cá emigrado.

Pedro Monteiro de Souza, artífice desse retábulo, nasceu por volta de 1696, na freguesia de São Vitor da cidade de Braga, onde entalhou um retábulo para a confraria de Nossa Senhora do Rosário da Sé daquela cidade em 1721, hoje desaparecido. O artista também entalhou um retábulo para a igreja de Santo Adrião em 1723 e ainda outro de Santa Úrsula para a igreja dos jesuítas em 1726. Monteiro era casado em Braga e aqui no Brasil se amancebou com uma mulher, como consta na devassa eclesiástica de 1733.  Não sabemos o destino de Pedro Monteiro, se voltou ao reino para o seio de sua família ou se quedou aqui com a concubina, pois depois de 1740 não encontramos referência a ele.

Senhor dos Passos

O retábulo do Senhor dos Passos, localizado no lado da epístola, data de época próxima à do retábulo anterior e também de mesma autoria. A irmandade do Senhor dos Passos, fundada na capela do Bom Despacho do Córrego, transferiu-se para a matriz por volta de 1727.

Em 1766, a irmandade decidiu mandar fazer um crucifixo para o altar, o que ficou a cargo do capitão Antônio Francisco Pereira, peça ainda hoje existente em seu local de origem.

A imagem está colocada em um trono de quatro degraus escalonados com elementos de talha. Certamente vinda de Portugal por volta de 1720, a imagem do Senhor dos Passos levando a cruz às costas impressiona por sua túnica roxa e cabeleira natural. Não há documentação sobre ela além de reparos feitos por Pedro Monteiro em 1731, colocação de olhos de vidro em 1776 e nova carnação mais clara feita por Manuel Vítor de Jesus no início do século XIX. Essa imagem sai em procissão no Domingo de Passos, antes da Semana Santa, desde a época da fundação da irmandade até os dias atuais.

Detalhe interessante da lavra de Pedro Monteiro pode ser visto nesse retábulo, como os anjos vestidos sob um pequeno baldaquino nas pilastras externas ou os anjos em pares parecendo xifópagos ou, ainda, as cabeças de seis asas representando serafins.

Toda a área do sacrário e do camarim feita por Salvador de Oliveira entre 1785 e 1787, em estilo rococó, tem o fundo branco com rocalhas esparsas e aplicadas com pintura em azul, castanho e ouro, da mão de Manuel Vítor de Jesus. O sacrário apresenta, na porta, um cálice com hóstia e é ladeado por quartelas e encimado por colchetes e rocalhas à maneira de frontão.

Nossa Senhora da Piedade

O par de retábulos seguinte é dedicado a Nossa Senhora da Piedade e Nossa Senhora do Terço, e ambos seguem estrutura parecida.

O retábulo de Nossa Senhora da Piedade, à esquerda do evangelho, teria sido feito por um devoto de Santa Rita, como consta no livro de inventário da irmandade da Caridade, no ano de 1747. Datado entre 1730 e 1740, possui estrutura em pilastras externas, dois pares de colunas, com coroamento em arco côncavo encimado por frontão recortado, centrado por grande concha.

O retábulo de Nossa Senhora da Piedade

Este retábulo, decorado com uma enorme quantidade de conchas, anjos e flores, apresenta seus elementos um tanto desordenados e muito detalhados. Nos socos, há dois meninos de botas que pisam a cabeça de um peixe; nas pilastras, há anjos com cornucópias. As colunas são decoradas com flores e pássaros. Sobre a boca do camarim foi introduzido um arco moldurado com as extremidades em volutas, com lambrequins à maneira de dossel, que segura a tarja contendo a coroa de espinhos, três cravos e uma corrente entre cabeças de anjos muito tristes. O interior do camarim tem talha rasa em elementos fitomorfos dourados à maneira de grotescos, não possuindo o tradicional trono em degraus, retirado em 1788.

O arremate do retábulo é uma espécie de frontão recortado, com pares de anjos centrando, uma grande concha joanina e uma toalha ondulada, em alusão à toalha da cruz do descendimento do corpo de Cristo. É curioso notar que, quando se colocou a sanefa guarda-pó sobre o retábulo, por volta de 1790, o arremate do retábulo em duas figuras antropomórficas foi mutilado, restando apenas a parte inferior do corpo.

De grande qualidade é a imagem de Nossa Senhora da Piedade, com rica pintura estofada a ouro, expressão de dor e olhos de vidro, parecendo ser de origem portuguesa, da região de Braga. A imagem de Santa Rita, de pintura discreta, pode ser portuguesa, sendo seu par, Santa Gertrudes, obra mineira, ambas doadas por devotos que lá as colocaram. Santa Rita ainda tem seu resplendor de ouro. Neste altar, foi entronizada, por volta de 1757, uma custódia com as representações dos sagrados corações de Jesus, Maria e José, por iniciativa de D. Frei Manuel da Cruz, primeiro bispo de Mariana.

Nossa Senhora do Terço

O retábulo de Nossa Senhora do Terço, pertencente à confraria de mesmo nome, tem estrutura semelhante ao anterior, com socos decorados com anjos grandes, calçados com botas, dois pares de pilastras externas com uma profusão de elementos decorativos, como anjos, flores, conchas, pássaros e elementos fitomorfos. Dos dois pares de colunas originais apenas um sobreviveu; o segundo deu lugar às peanhas para colocar os santos, restando, no entanto, os anjos atlantes do embasamento.

O retábulo de Nossa Senhora do Terço

É de se notar que esse retábulo tem um grande número de anjos e meninos, mais de 50, incluindo os serafins com seis asas, os querubins com quatro e dois curiosos anjos músicos, displicentemente sentados sobre o arco do camarim, tocando guitarra.

Não há nenhum documento sobre a construção ou a reforma desse retábulo, pois a confraria praticamente não deixou documentação. Há apenas, no ano de 1765, um pagamento a Bernardo Pires da Silva por encarnar a imagem do Senhor Crucificado de novo e pintar a cruz no valor de 4.800 réis. Mas a confraria não era pobre, uma vez que deixou um razoável acervo de prata após sua extinção, incluindo um rosário de ouro nas mãos da Virgem.

A imagem da Virgem do Terço é uma obra de cunho erudito, da primeira metade do século XVIII, de origem portuguesa ou feita por artífice português aqui radicado. Tem panejamentos em dobras diagonais e policromia em tons de vermelho e azul e rica em detalhes. A Virgem, como a do Rosário, traz o Menino Jesus com o globo terrestre no braço esquerdo e, no direito, um terço; sobre a cabeça, traz um manto e uma coroa real. Pisa uma base de nuvens e anjos. No nicho à esquerda há uma bela imagem de São Francisco de Assis ajoelhado.

Painel Milagre da Burra, originalmente fechava o camarim, de João Batista da Rosa, 1737

O painel representando o Milagre da Burra, em que Santo Antônio traz o ostensório com a eucaristia para que o burro se ajoelhe e adore o sacramento, completa a decoração. Essa tela servia de fechamento do retábulo durante a construção do camarim e passou a ser usada, eventualmente, para encobrir o trono durante a Quaresma. Passou por muitas repinturas, tendo sido retirada em 1972 e posteriormente restaurada.

Sacristias e Consistório


A Matriz de Santo Antônio tem duas sacristias, uma da Fábrica da Matriz e outra da irmandade do Santíssimo, ambas decoradas no mesmo período. A mais requintada é a Sacristía do Santíssimo Sacramento, localizada do lado do evangelho. Embora pequena, essa sacristia constitui-se em um dos mais interessantes espaços do estilo rococó de Minas Gerais. A decoração é formada pelo forro policromado, o nicho e o respaldo do arcaz, o próprio arcaz e as sanefas das portas e das janelas.

Sacristía do Santíssimo Sacramento

Dentro do nicho, uma imagem de Cristo Crucificado em tela encolada, com as mãos e a cruz de madeira, foi executada na mesma época por Rodrigo Francisco Vieira. Sobre o arcaz quatro painéis representando os quatro evangelistas (Mateus, Marcos, Lucas e João), separados por pilares com talha de rocalhas, que também arremata a parte superior em forma de frontão.

O arcaz tem frente e tampo de jacarandá-cabiúna, com três seções de gavetas separadas por pilastras entalhadas, assim como as gavetas. A frente do móvel é bombeada e finalizada por largas molduras.

O forro, em uma espécie de abóbada com os painéis recurvados, separados por cordão de talha e pinha central, recebeu pintura de Manuel Vítor de Jesus em tons fortes, com a quatro cenas do Antigo Testamento.

Sacristia da Fábrica da Matriz

A Sacristia da Fábrica da Matriz, do lado da epístola, embora já existisse na primeira metade do Setecentos, teve sua decoração pictórica executada por Manuel Vítor de Jesus em 1788. Como na sacristia do Santíssimo, nesta também existe um arcaz contra a parede da capela-mor. O móvel parece ser bem anterior às pinturas.

As paredes sobre o arcaz são revestidas de madeira, com quatro painéis emoldurados e policromados. Dois painéis representam São Pedro e São Paulo com seus respectivos atributos: chaves e espada. Esses são os fundadores da Igreja católica. Os outros dois representam Santo Antônio, o padroeiro da paróquia, orando diante da aparição do Menino Jesus, e São Vicente Ferrer diante de uma aparição da Virgem, talvez por ser ele patrono do clero.

O forro dessa sacristia é plano, com tabeira, cimalha e moldura à volta. Sobre o fundo branco, há uma pintura decorativa em arranjo de rocalhas vazadas, guirlandas de flores com laços de fitas no mais fino rococó.

Fronteiro ao arcaz fica o lavabo feito em 1750, com bacia de gomos tripartida e  com uma grande concha por onde se chega ao reservatório de água.

 

 

Consistório da irmandade dos Passos

O retábulo ao fundo do cômodo foi executado a partir de uma resolução de 27 de março de 1779, mas não ficou registro da autoria da talha e da policromia.

Trata-se de um altar com frontal entalhado em baixo-relevo. Sobre o retábulo paira a pomba do Espírito Santo em mandorla de nuvens e raios. No camarim há uma imagem de Cristo Crucificado, oitocentista, para lá transferida no século XX, e as imagens menores de Nossa Senhora do Pé da Cruz e São João Evangelista, de fatura setecentista.

O forro de armação artesoado data de meados do século XVIII, com flores nos cruzamentos dos painéis colocadas em 1750 e entalhadas por João Ferreira Sampaio. Mas só em 1804 o pintor Manuel Vítor de Jesus executou as pinturas que representam os signos da Paixão. Esse forro esteve durante muitos anos repintado e sofreu com a ação de águas pluviais, estando a pintura muito esmaecida.

Em 4 de abril de 1793, a irmandade dos Passos ajustou com o estatuário Antônio da Costa Santeiro, por noventa oitavas de ouro, a fatura de seis imagens dos sete passos principais do Senhor.

São esculturas um tanto ingênuas e de cunho popular, com cabeleiras naturais e colocadas em uma peanha curva, com pintura e coberta por cúpula em gomos com lambrequins. O revestimento de madeira das paredes se perdeu, ficando apenas os nichos que, com o crucifixo do retábulo, completam os sete passos da Paixão do Senhor, dando ao consistório imponência.

 

fonte:

  • A MATRIZ DE SANTO ANTÔNIO em Tiradentes Vol 1, Olinto Rodrigues dos Santos filho (1) 
  • A MATRIZ DE SANTO ANTÔNIO em Tiradentes Vol 2, Olinto Rodrigues dos Santos filho (2) 
  • Barroco e Rococó nas Igrejasde São João del-Rei e Tiradentes, Myriam A. Ribeiro Oliveira e Olinto Rodrigues dos Santos Filho (3)
  • http://ihgt.blogspot.com/

http://portal.iphan.gov.br/

 

 

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