O interior da matriz, consagrada a Santo Antônio. segundo cronistas de todos os tempos, asseguram que se trata da igreja mais bela e mais majestosa das Minas Gerais. Logo na entrada, é difícil não se impressionar com os lustres de prata e a quantidade de ouro que decoram o altar e suas imagens.
A matriz de Santo Antônio surprende pelo seu interior deslumbrantemente dourado. Esta igreja é considerada a segunda igreja em ouro do Brasil, sendo a primeira em Salvador, Bahia.
A capela-mor foi executada entre 1739-1741 pelo entalhador João Ferreira Sampaio. Ela é um dos mais admiráveis conjuntos de talha do Brasil.
A Nave
A nave propriamente dita descreve um retângulo com um degrau à frente. Nas laterais, uma balaustrada define os corredores ou “coxias” para resguardar os retábulos e altares laterais.
Cobre a nave do templo um soberbo forro de caixotões composto de dezoito painéis com largas molduras policromadas e douradas, com florões quadripartidos nos ângulos ou cruzamentos dos painéis, da mesma oficina da capela-mor e do coro, datável entre 1740 e 1750, cuja pintura pode ser atribuída a Antônio de Caldas, contratante da obra de douramento e pintura da igreja.
Capela-mor
A magnifica combinação da talha e pintura na decoração da Capela-mor é um explícito testemunho do grau de especialidade atingido pelos artistas radicados em Minas no desenvolvimento deste gênero pictórico.

O forro da capela-mor, em abóbada de arestas quadripartida e pouco profunda por não ter espaço no vão do telhado, recebeu pintura em grotesco ferronerie de tons ouro e castanho de rara beleza, cujos elementos compositivos vão das guirlandas de acantos a enrolamentos, conchas, compoteiras e anjos com asas de borboletas.

Essa pintura de inspiração maneirista, mas já com vocabulário decorativo barroco, pode ser atribuída ao pintor Antônio de Caldas, que assumiu, entre 1750 e 1751, todo o “douramento e pintura” da igreja.
Na capela-mor não podia faltar a lâmpada do Santíssimo, alimentada por azeite, eternamente acesa para indicar a presença da eucaristia. A da Matriz de Tiradentes foi feita em prata, no Rio de Janeiro, em 1740, em grandes dimensões.
A primeira irmandade nesta Matriz foi a do Santíssimo Sacramento, que bem cabe destacar, foi também responsável pela construção de todas as igrejas matrizes de Minas setecentista. A capela-mor era o centro litúrgico do templo. Aberta por arco cruzeiro de grande impacto visual, era reservada aos membros da irmandade do Santíssimo Sacramento. Nesse espaço havia bancos sem encosto para aqueles membros mais importantes da congregação. Os demais fiéis ocupavam as coxias e o transepto, sendo o centro da nave reservado às mulheres.
Pinturas
As grandes telas ovais da capela-mor devem-se à mão do pintor João Batista da Rosa, que os executou entre 1736 e 1737, ao mesmo tempo que a talha. O pintor executou outras pequenas empreitadas na igreja.

A tela correspondente, no lado da epístola, provavelmente tendo como base a gravura europeia, desenvolve-se em composição parecida, com os noivos ao centro ladeados pelos convidados, alguns deles usando turbantes, e os servos trazendo jarros de água, cálices e outros apetrechos, já à frente da mesa. Maria aparece de azul e branco à esquerda, dando instruções a um servo, enquanto Jesus, em veste vermelha e azul, benze uma talha de água.
No caso da Última Ceia, a composição tradicional mostra Jesus ao centro com o pão nas mãos e abençoando o vinho, enquanto os apóstolos ocupam a parte posterior da mesa com apenas dois de perfil à frente.
Retábulo do altar-mor
Toda a talha que reveste intensamente o arco cruzeiro, as ilhargas da capela-mor e o retábulo-mor pertencem à oficina de João Ferreira Sampaio, artista português do qual não se conhece outra obra e não se encontrou, até o momento, referência a outras obras nem em Minas, nem em Portugal.
É possível que tenha chegado à vila de São José por volta de 1735, sendo logo encarregado da obra de talha, ou que tenha vindo especialmente para tal. Entra para irmandade do Santíssimo Sacramento no ano de 1741, o que atesta ser um homem branco e de posses, como o exigia o estatuto da irmandade.
É possível que a imagem do padroeiro da igreja tenha sido uma das primeiras representações escultóricas do popular Santo Antônio introduzidas na capitania de Minas Gerais. A peça pertenceu sem dúvida à capela primitiva.
Por trás da imagem de Santo Antônio há uma grande auréola de cabeças de anjos e um resplendor de longos raios dourados lembrando a glória divina. Já a imagem de São José, padroeiro da vila criada em 1718, é obra um pouco mais tardia e de origem portuguesa, possivelmente das oficinas de Braga.
Estrutura-se o retábulo em três pares de colunas que se apoiam em uma vigorosa moldura clara, sendo sustentadas por quatro atlantes representados nus, com pernas cruzadas, longas barbas e esforçando-se de maneira visível para sustentar o peso das colunas.
Dado começo no ano de 1739, Sampaio continuou seu trabalho na igreja recebendo, em 1746, a quantia de 291 oitavas e um quarto de ouro referente a 223 dias de trabalho. De 1748 para 1749, recebe mais 390 oitavas de ouro e finalmente, entre 1749 e 1750, recebe 200 oitavas, pelo seu ofício de entalhador. Se computarmos os anos que Sampaio trabalhou na igreja, notaremos que ele se dedicou 11 anos à obra de talha, que deve incluir as molduras dos óculos da nave, possivelmente os púlpitos e parte da talha do coro, além das sete águias que sustentam as lâmpadas dos altares laterais e do coro.
Faleceu entre 1779 e 1780, conforme consta no referido termo de entrada para a irmandade, contudo sem explicitar o local. Seu atestado de óbito não foi encontrado, o que nos faz crer que morreu trabalhando em outra localidade.
O retábulo do altar-mor constitui-se em peça única na história da evolução da talha no Brasil pelo inusitado da composição, pelo vigor da talha, pela forma da decoração das colunas e pelo tratamento do trono, entre outros.
O trono, de composição inusitada, não segue a costumeira pirâmide de degrau usada na época ou o tipo ânfora usado em época anterior. O artista o compôs em uma sucessão ascendente de grandes conchas combinadas com volutas, enrolamentos com goldrões e lambrequins, tudo vazado e encimado por um emaranhado de nuvens douradas onde se assenta a cabeça de um dos serafins de seis asas.
Ainda no centro do retábulo, na parte baixa, localiza-se o sacrário, onde se guarda o Santíssimo Sacramento, ou seja, as hóstias consagradas na missa.
Arco cruzeiro
Pronto o retábulo e já em condições de celebração dos ofícios divinos, deu-se prontamente início, entre 1740 e 1748, ao arco cruzeiro e ao revestimento das paredes da capela-mor.
O belo arco cruzeiro constituído por socos emoldurados e pintados em azul marmorizado, seguido de alto embasamento em cuja face cai um pingente de flores e folhas com plumagens.
A face interna é decorada por um painel rebaixado com elementos de talha de grandes proporções, onde se aliam enrolamentos, volutas, folhas de acantos centradas por um par de meninos, conjunto este de grande vigor. Os embasamentos são arrematados por molduras largas em branco marmorizado.
O fuste das pilastras repete a decoração em pingente floral na face externa, enquanto na face interna se desenvolve talha de grandes proporções, na qual as conchas joaninas se destacam entre enrolamentos, acantos e outros elementos fitomorfos, centrado por um mascarão antropomorfo de cuja boca descem festões de louro. Tudo é arrematado por plumagens que invadem o entablamento largo, escalonado e marmorizado.
O arco em si possui intradorso em enrolamento alternado com conchas e palmetas com elementos fitomorfos, estes centrados por florão com pinha, de onde pende a lâmpada do Santíssimo Sacramento. Ladeiam o arco duas figuras de atlantes contorcidos, vestindo túnica curta e botas, apoiados nas saliências da cimalha.
Sobre o arco, a cimalha marmorizada que vem do forro da nave se abre e levanta para a introdução de uma tarja circular, contendo um sol antropomorfo – símbolo de Deus criador – envolto por enrolamentos, volutas em goldrões, plumagens e acantos.

Em vez de anjos, duas enormes figuras andróginas, vestidas à romana e deitadas sobre a cimalha, apresentam a tarja e deixam cair uma guirlanda. Essas curiosas figuras, sem paralelo na decoração das tarjas, com suas cabeças deslocadas e pernas em ângulo, lembram os anjos tocheiros, geralmente vestidos à romana.
Paneis da Nave
Dentro das cercaduras que formam as tarjas, os símbolos eucarísticos e alusivos ao Antigo Testamento são mais ingênuos e pouco eruditos, mas de grande impacto visual.
Os painéis Representam na fileira à direita:
- Sansão no momento em que encontra um favo de mel na boca do leão que havia matado.
- Fênix, o mítico pássaro que ressurge das próprias cinzas – simbolizando a ressurreição de Cristo.
- Um cacho de uvas – matéria eucarística.
- Duas colunas de fogo, como Moisés sonhou na época da fuga do Egito.
- Uma espiga de trigo – matéria eucarística.
- A Arca da Aliança ladeada por duas cabeças de querubins (na fileira à direita de quem entra).
Ao centro, vemos:
- O Sol – símbolo de Deus criador.
- Algo não identificado (pelo fato de a pintura estar muito danificada).
- Os pães ázimos.
- A árvore da vida com seus frutos e encimada pela cruz.
- O Cordeiro de Deus imolado sobre a cruz – símbolo de Cristo.
- O Divino Coração de Jesus sobre um fundo luminoso.
Na fileira à esquerda de quem entra para o arco cruzeiro estão representados:
- Gedeão apanhando a pele do animal que havia dormido ao relento.
- O pelicano rasgando o próprio peito para dar seu sangue aos filhotes – símbolo de Cristo, que deu seu próprio sangue aos fiéis.
- O sacrifício do pão e do vinho oferecido por Melquizedeque – prenúncio da eucaristia.
- Um elemento não identificado.
- A corça e a fonte – referência à citação bíblica “assim como a corça suspira pela água viva, senhor, eu suspiro pelo vosso amor”.
- O livro das sagradas escrituras.
Púlpitos
Além do tambor, o púlpito incluía uma cúpula chamada abaixa-voz, cuja finalidade o próprio nome indica. As matrizes possuíam dois púlpitos, não só por questão de simetria, mas para uso em leituras da Paixão na Semana Santa, quando um sacerdote ficava no altar-mor e dois nos púlpitos fazendo um diálogo.
Oculos
A iluminação da nave é feita por seis óculos envidraçados, com molduras externas de madeira recortada em elementos curvos. Na capela-mor, outros dois óculos jogam luz no espaço interno, agora com moldura externa mais elaborada, em argamassa, de fatura posterior.

Quatro janelas das laterais ainda mantêm os balaústres torneados da primeira metade do século XVIII. Já nos corpos ligeiramente avançados das sacristias e consistórios ao longo da capela-mor, os balaústres foram substituídos no século XIX por caixilharia com vidro do tipo guilhotina.
Nos corpos laterais, duas portas dão acesso a cômodos de depósito próximos às torres; outras duas, perto do transepto, levam às sacristias e à nave, e há ainda mais uma, no lado da epístola, que dá acesso ao consistório dos Passos. Todas essas portas são de verga reta e almofadadas, como as janelas.
Águias douradas
Reformas e acréscimos foram feitos nos retábulos ao longo do Setecentos por cada irmandade. As águias douradas para segurar a lâmpada de prata foram entalhadas em 1748 por João Ferreira Sampaio, já em 1749, há o registros de pagamento para dourar elas.
Coro
Pouca documentação subsistiu sobre a obra do coro, mas fica claro que a igreja, ao sofrer um acréscimo ao projeto original entre 1736 e 1737, teve a intenção de introduzir essa peça, a qual ficou pronta por volta de 1740, quando se pagou as madeiras “para os festões do coro”, “12 arcos de ferro para os festões”, ao entalhador Pedro Monteiro de Souza.
Portanto, pode-se atribuir a maior parte da talha a esse entalhador bracarense, incluindo os quatro atlantes, mas com certeza ou seguiu um risco de João Ferreira Sampaio ou teve a sua colaboração, especialmente no que se refere às guirlandas e aos festões, aos florões dos forros e à grande águia de asas abertas que sustentava um candeeiro.

O órgão, o qual atenderemos no próximo post, ele é datado de 1788, trazido pelos portugueses e que é classificado como um dos quinze mais importantes do mundo.
fonte:
- A MATRIZ DE SANTO ANTÔNIO em Tiradentes Vol 1, Olinto Rodrigues dos Santos filho (1)
- A MATRIZ DE SANTO ANTÔNIO em Tiradentes Vol 2, Olinto Rodrigues dos Santos filho (2)
- Barroco e Rococó nas Igrejasde São João del-Rei e Tiradentes, Myriam A. Ribeiro Oliveira e Olinto Rodrigues dos Santos Filho (3)
- http://ihgt.blogspot.com/
- http://portal.iphan.gov.br/