Buenos Aires tem cafés e bares que foram cenários de atividades culturais significativas e que, por antiguidade, arquitetura ou relevância local, são declarados Cafés Notáveis e fazem parte oficialmente do Patrimônio Cultural da Cidade.
No bairro Boedo, na esquina da Avenida Boedo e a antiga passagem Camio (hoje felizmente leva o nome de meu santo, San Ignacio), encontra-se um tradicional edifício construído no principio do século XX pelo genovês Lorenzo Berisso. Em uma parte do térreo funciona desde 1993 o Café Margot, um lugar destacado e muito frequentado pelos turistas.
Café Margot
Neste edifício, desde 1900, havia sempre atividade comercial. Desde o início do século XX, a esquina era marcada pela presença de lojas gastronômicas. Na década de 1920, venta de chocolate, restaurante, fábrica de massas e confeitaria. Nos anos 40, a chegada do Café Trianón trouxe artistas habituais, personagens populares memoráveis e intelectuais do grupo Boedo, entre outros.
Ao longo dos anos passaram por suas mesas, dentre outros, o legendário deputado Alfredo L. Palacios; os escritores Gustavo Riccio e Raúl González Tuñón; o “Mono” Gatica, que chegava com seu Cadilac vermelho; o grande goleador, no momento comentarista de futebol, José Francisco Sanfilippo; o escritor Isidoro Blaisten, e Oscar “Ringo” Bonavena, verdadeira lenda do boxe argentino.
O Café Margot foi declarado “Bar Notavel” desde 2007. Foi tembem distinguido pela Junta de Estudos Históricos do Boedo como uma das características que marcam a diferença no bairro. Um diploma da Secretaria de Educação (GCBA) agradece ao Margot sua participação no Programa “Buenos Aires lee”, outro do Museu da Cidade o declara “Testimunho vivo da Memória Cidadã”.
De aconchegante ambientação, o balcão de mármore e as nobres cadeiras e mesas de madeira contrastam com as vitrines povoadas de garrafas e com a colorida iconografia que distingue as paredes. O lugar marca a diferença por sua hospitalidade e pela gastronomia onde se degustam os clássicos sanduíches de peito de peru em “escabeche”, ou de lobinho de porco (lomito), e os excelentes croissants (medialunas) e massas caseiras.
Contam que nos anos 50, o então presidente Perón, que circulava com sua comitiva pela Avenida Independencia, ao chegar a Boedo fez os veículos pararem na esquina da San Ignacio, e diante do assombro geral, o general desceu do carro e entrou ao bar: Queria provar o sanduíche de peito de peru em “escabeche”, do qual tanto tinham lhe falado.
Assim, o seu clássico Sandwich de Pavita (sanduíche de peito de peru) é um dos mais pedidos e foi homenageado e popularizado nada menos que pelo próprio presidente Juan Domingo Perón.
Sanduíche de Pavita: Um clássico que se tornou especialidade
O Bar Trianon nasceu na esquina que Margot ocupa hoje. Em 1940, Don Gabino Torres e Dona María fundaram o bar e foram eles os primeiros a colocar o sanduíche de pavita no cardápio.

Mas algumas décadas depois, o Trianon se mudou para meio quarteirão, para o lugar que ocupava até pouco tempo atrás. Seus proprietários levaram sua criação mais famosa para o novo local. É claro que eles compartilharam a receita com seu fornecedor de gelo, o galego Julio Durán.
Na esquina logo depois o Café Margot abriria da mao dos filhos daquele fornecedor de gelo e decidiram oferecer também o sanduíche de pavita em seu cardápio. Eles não foram os criadores, mas a verdade é que esse invento foi criado nesta esquina e assim a tradição, preservou-se no tempo. Assim, separados por meio quarteirão de distância, os dois bares ofereciam em seus menus o “autêntico sanduíche de pavita”.
O mito do sanduíche de pavita esteve envolvido em polêmica, porque apenas a 25 metros de distância, existe outro bar que sempre contestava a autoria do sanduíche de pavita: nada mais e nada menos que um dos “Bares Notáveis” da cidade e local de interesse cultural, Café Margot. Sempre houve uma disputa entre os proprietários de Bar Trianon e Bar Margot sobre a autoria original, mas todos no bairro dizem: “O sanduíche de pavita foi criado por Gabino e sua esposa, Maria”. Todos no bairro sabem disso.
Por diferentes razões, na cidade houve vários fechamentos de locais amplamente reconhecidos pelos moradores. Em julho de 2019, o Trianon apareceu fechado e com um sinal de “Aluguel”.
Com o fechamento do Trianon, você só pode experimentá-lo na Margot. É enorme. Eles servem para o prato, aberto, em um pão caseiro redondo com migalha suficiente. De um lado está a pasta de pavita desfiada, misturada com cenoura, cebola e óleo. O outro vai tomate, alface e maionese.

O grupo Boedo vs o grupo Florida
O Grupo Boedo nasceu em 1922 de um concurso literário realizado pelo jornal La Montaña, onde obtiveram uma menção especial. Ele era um grupo informal de artistas de vanguarda da Argentina durante a década de 1920. Eles receberam esse nome porque um de seus pontos de confluência era a Editorial Claridad, localizado na Avenida Boedo 837, (vecinho do Café Trianon) e no Café El Japonés (Boedo 873). A área era então o eixo de um dos bairros da classe trabalhadora de Buenos Aires. O grupo se caracterizou por seu tema social, suas idéias de esquerda e seu desejo de se relacionar com os setores populares e, principalmente, com o movimento obreiro.
A editora Claridad foi fundada em 20 de fevereiro de 1922 por Antonio Zamora, um jornalista com ideias socialistas que trabalhava até então em crônicas do movimento trabalhista para o diário Critica. Nesse ano, ele decidiu criar a editora, a fim de orientá-la para a publicação de literatura popular e conteúdo social. Em torno da editora e em 1924 um grupo de escritores e artistas de esquerda começou a se reunir, entre os quais se destacaram Leónidas Barletta, Nicolás Olivari (também pertencente ao grupo da Flórida) e Elías Castelnuovo, que pode ser considerado o fundador.
A tradição geralmente localiza o grupo Boedo em oposição ao grupo da Flórida, embora os limites entre os dois nunca tenham sido marcados definitivamente. É atribuído ao grupo da Flórida uma maior identificação com as elites econômicas, enquanto o grupo Boedo está localizado mais perto da classe trabalhadora e dos setores populares.
O grupo da Flórida se reuniu no centro, enquanto o Boedo se reuniu nos subúrbios. O primeiro deu máxima importância aos aspectos de renovação das formas artísticas, enquanto a segunda deu a máxima importância ao conteúdo social e político.
Alguns membros de ambos os grupos mudaram de lado com o tempo e Jorge Luis Borges, identificado com o grupo da Flórida, chegou a confessar que essa rivalidade não passava de piada, uma simples rivalidade entre bairros.
O Bar Margot foi cenário do filme “Focus” (“Golpe Duplo” no Brasil), de 2015, cujo protagonista é Will Smith. No filme, destacam-se imagens do Círculo Militar, os quartos da ex-Mansão Duhau no hotel Park Hyatt, a piscina do Faena Hotel, o bar San Pedro Telmo, Caminito e tambem uma cena ambientada neste “Bar Notable” : O Café Margot.
fonte:
- https://www.clarin.com/
- https://www.lanacion.com.ar/
- http://www.losnotables.com.ar/
- https://turismo.buenosaires.gob.ar/